O ano que não terminou

Protestos que levaram milhões às ruas em 2013 influenciam política até hoje

Diego Toledo Colaboração para o UOL
Felipe Dana/AP Photo

Ruas reorganizaram política

Muita coisa aconteceu desde junho de 2013: Copa, Olimpíada, eleições, Operação Lava Jato, prisões de políticos, impeachment da presidente. Mas durante os últimos três anos, o legado das manifestações daquele período seguiu presente. Os protestos que levaram milhões de pessoas às ruas de todo o país não tiveram um desfecho definitivo. Eles deixaram marcas no país e influenciaram os principais desdobramentos políticos e econômicos que aconteceram a seguir. Olhando para trás, é como se 2013 não tivesse acabado.

"A gente não entende hoje sem entender 2013", afirma o pesquisador Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo). “O ano de 2013 inaugurou uma série de acontecimentos que reorganizaram o campo político tal como ele existe hoje.”

"Ali, explode uma movimentação social que nunca havia acontecido antes, naquela intensidade e naquele formato", avalia o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista). "Aquela explosão inaugura um conjunto sucessivo que vai dar nas diferentes manifestações registradas desde então."

A presença nas ruas de manifestantes com as mais diversas reivindicações é apenas um dos traços de junho de 2013 que permanece presente na sociedade brasileira. A insatisfação popular com o governo é outro.

Depois do ápice dos protestos daquele ano, a avaliação positiva da gestão da então presidente Dilma Rousseff despencou para níveis abaixo de 30% e atingiu o seu pior nível em agosto de 2015, quando ficou abaixo de 10%. Hoje, o índice de avaliação positiva do governo de Michel Temer está no mesmo nível, de acordo com a mais recente pesquisa Datafolha, de 11 de dezembro. 

Vinicius Costa/AFP Vinicius Costa/AFP

Direitos sociais e crise política

A jornada de junho de 2013 teve início com manifestações contra o reajuste nas tarifas do transporte público, mas, na medida em que foram crescendo, os protestos absorveram outras reivindicações: investimentos em saúde e educação, menos gastos com obras para a Copa do Mundo e o combate à corrupção.

O caldeirão efervescente das ruas misturou a crítica ao sistema político com a defesa de direitos sociais.

Para lidar com as demandas das ruas, o governo da então presidente Dilma Rousseff anunciou cinco pactos, que incluíam mais investimentos em saúde, educação e mobilidade urbana, tirar a reforma política do papel, endurecer o combate à corrupção e garantir a estabilidade econômica e o controle da inflação. Com o agravamento da crise política, muitas das propostas de Dilma ficaram pelo caminho.

A falta de soluções acirrou os ânimos da sociedade, que permanece crítica em relação aos serviços de saúde, educação e transporte, à situação da economia e ao nível de corrupção no país.

"De lá pra cá, esses cinco pontos foram mantidos e ampliados, sem que a capacidade governamental e política de processá-los tenha aumentado", afirma Marco Aurélio Nogueira.

O combate à corrupção permaneceu nos holofotes com a Operação Lava Jato, iniciada em 2014, e o país mergulhou em um clima de incerteza política e econômica.

A Era do Fla-Flu nas ruas

Se em junho de 2013, os protestos conseguiram reunir pessoas de diferentes perfis ideológicos na mesma manifestação, a partir do ano seguinte, em especial durante a campanha eleitoral, as divergências políticas afloraram e o país foi dividido entre "coxinhas", à direita, "mortadelas", à esquerda, e "isentões", espremidos ao centro.

A facilidade de comunicação na era das redes sociais e dos smartphones também levou ao acirramento dos ânimos. O fenômeno das bolhas que concentram em um mesmo núcleo de relacionamentos pessoas com as mesmas afinidades ajuda a entender como, aos poucos, os protestos se segmentaram.
 

Divisão de vontades

Junho de 2013 é a convergência de dois elementos: um é a defesa dos direitos sociais --incluindo transporte, saúde e educação-- e outro é a crítica ao sistema de representação, com a bandeira do combate à corrupção. A polarização que vivemos agora é como se os partidos políticos tivessem dividido o consenso da sociedade em 2013. A esquerda explorando o legado social, e a direita explorando o legado anticorrupção

Pablo Ortellado, pesquisador da USP

2013 se insere em um ciclo longo de mudanças que, no fundo, parte da transformação do modo como se vive, que você pode associar à tecnologia da informação, à mudança nas estruturas de família, no modo como as pessoas se comportam umas diante das outras, nos relacionamentos, nas ideias. Tudo isso vem vindo até antes de 2013. Só que encontrou em 2013 um momento muito forte de catalisação

Marco Aurélio Nogueira, cientista política da Unesp

Junior Lago/UOL Junior Lago/UOL

Nunca foi só por 20 centavos

A mobilização popular de junho de 2013 também influenciou um leque amplo de novas manifestações realizadas nos anos seguintes. Lideradas pelo MPL (Movimento Passe Livre), um grupo apartidário nascido entre estudantes cuja bandeira é o transporte público gratuito, as jornadas de junho serviram de inspiração até para grupos que estão em lugares opostos da política.

O MBL (Movimento Brasil Livre), de perfil liberal e que organizou protestos pelo impeachment de Dilma, se formou no final de novembro de 2014 e buscou inspiração nos organizadores de junho de 2013 para escolher a sigla que batiza o grupo e para o uso intenso das redes sociais. O mesmo pode ser dito sobre o Vem pra Rua

Já com um perfil político mais semelhante ao do MPL, movimentos sociais de trabalhadores sem-teto e organizações de periferia também pegaram carona nas jornadas de junho de 2013 para organizar uma série de protestos com o slogan "Não Vai Ter Copa". As manifestações criticavam os gastos com as obras para a Copa do Mundo e reclamavam do baixo investimento em demandas sociais como moradias, saúde e educação.

O cenário propício incentivou outras manifestações sociais, como a chamada Primavera Feminista, em 2015, e na articulação de estudantes secundaristas, que realizaram uma série de ocupações de escolas públicas por todo o Brasil.

"Todos esses movimentos acabaram por ter mais ou menos a mesma cara de 2013, e por refletir essa transformação estrutural no Brasil", acrescenta o cientista político Marco Aurélio Nogueira.

Crise de representação: fenômeno global com sotaque brasileiro

Outra faceta presente nos protestos de 2013 é a baixa credibilidade da classe política e a consequente crise do modelo de representação da democracia brasileira. O problema não é apenas brasileiro e tem sua origem bem antes das jornadas de junho.

"Essa é uma crise estrutural de muitos anos", afirma o professor de gestão de políticas públicas da USP. "É a ideia de que as formas de representação tradicionais, que são os partidos e os sindicatos, perderam legitimidade, e o sistema começa meio que a girar em falso, como se a sociedade civil e os instrumentos de representação estivessem descolados."

"Esse ciclo de transformação, com os seus respectivos efeitos de natureza política, é mundial, não é exclusividade do Brasil. Você pode fazer uma lista: a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, os Indignados espanhóis, os estudantes chilenos", concorda o cientista político Marco Aurélio Nogueira. 

No caso brasileiro, a quebra institucional provocada pelo impeachment da presidente Dilma ajuda a complicar a situação.

"Os governos, seja o governo Dilma, seja o governo Temer, não conseguiram dar uma resposta mais qualificada às demandas de 2013", afirma Marco Aurélio Nogueira.

"Tanto não fizeram isso que a sociedade está cada vez mais exasperada. Se sair o Temer e vier outro presidente, a situação vai continuar a mesma, se não for feita uma repactuação que mude a qualidade das respostas governamentais e políticas. Se continuar com esse estilo de fazer governo e política, vai continuar havendo um buraco, um hiato, entre o governo e as ruas, de modo inevitável."

Você sabe quando aconteceram aqueles protestos? As manifestações apresentadas ocorreram nas seguintes datas:

Foto 1: março de 2016; foto 2: janeiro de 2015; foto 3: maio de 2014; foto 4: junho de 2013; foto 5: junho de 2013; foto 6: março de 2016; foto 7: novembro de 2016; foto 8: junho de 2013; foto 9: maio de 2014.

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