
Este artigo faz parte do especial Ano em transformações do "The New York Times News Service & Syndicate" que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.
As obras de arte que estavam entre as mais discutidas do ano eram monumentais, históricas, ambientais. Uma instalação de Christo e Jeanne-Claude, que ocupou um lago, o trabalho do tamanho de um outdoor de JR para os Jogos Olímpicos e uma réplica de um dos mais valiosos tesouros arqueológicos da Síria, um arco romano que ficava em Palmira — todos preencheram espaços em branco, lembrando-nos do que estava faltando, ou do que ainda não havíamos explorado. Aqui, os criadores explicam seu trabalho.
por Christo e Jeanne-Claude (Lago Iseo, Itália)
No norte da Itália, "The Floating Piers", uma passarela criada pelos artistas Christo e Jeanne-Claude, atravessou vilarejos ao longo da costa e conectou duas pequenas ilhas do Lago Iseo com o continente, permitindo que mais de um milhão de visitantes experimentassem a paisagem de novos pontos de vista.
Christo concebeu o projeto em 1970 com sua parceira e esposa, Jeanne-Claude, que morreu em 2009. A passarela de 16 metros de largura ficou aberta ao público durante 16 dias em junho e julho, depois dos quais foi desmontada e suas partes foram recicladas ou revendidas.
Christo: Cada projeto é uma viagem. A obra de arte é essa viagem, quer demore dois anos ou seis ou 26. Trabalhamos nos desenhos e esboços e seguimos para o lado físico: o vento, o sol, a água, o medo, o prazer. A obra de arte completa são esses dois estágios reunidos.
Quando começamos a trabalhar no projeto completo no Lago Iseo, fomos responsáveis por mil coisas, desde o tráfego até a circulação de pessoas e a segurança dos trabalhadores. Tivemos 600 pessoas trabalhando contra o relógio, em turnos de seis horas, que precisavam ser alimentados com café da manhã, almoço e jantar. Alugamos um hotel inteiro.
Todo tipo de gente apareceu quando "The Floating Piers" foi aberto ao público — jovens e velhos. As pessoas andavam pela plataforma sozinhas; algumas trouxeram seus cães. Havia deficientes; havia crianças; havia bebês engatinhando.
Eu mesmo andei muito por ela, mas à noite, quando havia pouca gente por perto. Eu saía com meus amigos por volta da meia-noite e cruzava toda a extensão. Ficava lindo sob as luzes. Não era como estar em um barco; não era como estar na praia, com a água de um lado e a terra do outro. Você literalmente estava andando sobre a água.
por JR (Rio de Janeiro)
Como um dos primeiros artistas em residência para os Jogos Olímpicos, o francês JR instalou três esculturas imensas no Rio de Janeiro este ano. Cada uma representava um jovem atleta, pouco conhecido, congelado na ação dramática, com andaimes enorme com propósitos artísticos e utilitários, sustentando as obras monumentais.
JR: No final de 2015, o Comitê Olímpico Internacional me procurou para que eu fosse um dos artistas em residência no Rio de Janeiro. Eu sonhava em usar a cidade como um playground 3D há anos e vi isso como minha oportunidade de finalmente fazê-lo.
Decidi fazer esculturas gigantes de jovens atletas que treinam para ser profissionais. Eu tinha total liberdade artística e escolhi três pessoas que nunca haviam participado dos Jogos: uma triatleta francesa, um sudanês de salto em altura e um mergulhador brasileiro.
Quando as peças estavam terminadas, não incluí uma explicação nem minha assinatura. Queria que o projeto fosse o mais acessível possível, deixando-o aberto à interpretação do povo. É isso o que adoro na arte: dar um fecho à história de um trabalho por conta própria.
Vi um monte de gente tirar fotos das esculturas, e muitos postaram suas reações nas redes sociais. Mas dois homens foram mais longe do que o resto e escalaram a escultura mais alta, que tem cerca de 86 metros de altura, no topo de um prédio abandonado. Eles saltaram dela de paraquedas e filmaram a descida. Depois fiquei sabendo que queriam saltar desse local antes, mas só quando minha escultura apareceu que a estrutura tornou-se alta o suficiente.
Instituto de Arqueologia Digital (Exibido em Londres e Nova York)
A Síria sofreu grandes perdas em seus cinco anos de guerra civil, entre elas o arco do triunfo de Palmira, destruído juntamente com antigos templos romanos e torres por militantes do Estado Islâmico em 2015. Após consulta com os acadêmicos sírios, que escolheram o arco para ser recriado, cientistas e engenheiros do Instituto de Arqueologia Digital, baseado em Oxford, no Reino Unido, o reproduziram em detalhes precisos.
A recriação, dimensionada para cerca de um terço do tamanho do original, foi apresentada em Londres em abril de 2016. Alguns sírios que visitaram o arco foram tomados de emoção, pois sentiam que recuperavam uma pequena parte de tudo o que foi perdido — neste caso, a beleza do trabalho feito por pedreiros do século 3º.
A réplica foi exibida em praças públicas em Londres e Nova York em 2016 e será exposta em Dubai em 2017. Em seguida, será enviada para a Síria, para ser instalada perto de sua localização original.
Alexy Karenowska, diretor de tecnologia, e Roger Michel, fundador e diretor-executivo do Instituto de Arqueologia Digital: Quando o EI começou a destruir sítios históricos na Síria, percebemos que estávamos excepcionalmente bem posicionados para fazer registros de objetos que iriam desaparecer. Palmira foi o lugar óbvio para começar. Reunimos dezenas de fotografias do arco do triunfo original tiradas por turistas e arqueólogos, compilamos as fotos em um modelo de computador 3D e utilizamos robôs para processar o modelo em pedra.
O EI tinha a esperança de destruir o arco para sempre, apagá-lo da superfície da Terra e da memória. Em vez disso, transformaram a peça em uma das mais conhecidas da arquitetura antiga do mundo. As fotos do novo arco apareceram na televisão e em inúmeros jornais e revistas. Milhares de pessoas visitaram o modelo em Londres. Vamos enviar nossos arquivos 3D para o mundo todo, para que outros arcos possam ser criados.
O objeto original foi uma testemunha da história; resistiu ao tempo e acumulou muitas camadas de significado. Este arco incorpora todas as coisas que fizeram parte de sua criação: a coragem dos fotógrafos que tiraram as fotos que usamos, a comunhão das pessoas que nos ajudaram ao longo do caminho, as respostas emocionadas dos sírios que vieram a Londres para ver o produto final. Em face da destruição, temos de encontrar novas maneiras de criar.