A economia não nos salvará

Quanto mais confiamos na política monetária para manter a economia global, mais precário será nosso futuro

Mohamed A. El Erian
Jim Wilson/The New York Times

Este artigo faz parte do especial Ano em transformações do "The New York Times News Service & Syndicate" que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Nicolas Maeterlinck/Agence France-Presse/Getty Images Nicolas Maeterlinck/Agence France-Presse/Getty Images

Canadá e União Europeia assinam acordo comercial e se comprometem a abrir seus mercados à concorrência.

Convivi com a epicondilite lateral, o famoso cotovelo de tenista, em um dos braços na maior parte deste ano e tive de usar muito mais o outro — excessivamente, no fim das contas. Agora, com o novo ano se aproximando, haverá limitações sobre o que poderei levantar, puxar e torcer com ambos os braços. Se não fizer algo em relação a isso, poderei passar 2017 sofrendo com tarefas simples como carregar uma valise.

De certa forma, essa é uma boa analogia para o desempenho decepcionante da economia global em 2016, e mostra o que é necessário fazer se quisermos combater a instabilidade financeira e o agravamento do mal-estar econômico e político em 2017.

Foi um ano morno e estranho para a economia global. Um período já prolongado e frustrante de crescimento insuficiente e disperso simplesmente prevaleceu, e o mundo ainda permanece muito dependente dos bancos centrais.

Desde 2010, a utilização da política fiscal — quando o governo ajusta seus gastos e impostos para gerenciar a economia — tem sido dificultada pela percepção, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, de que tais políticas representam certo exagero.

Isso resultou em preocupações sobre dívida e a interferência desnecessária no setor privado, dando início a um período de excessiva austeridade em termos da diminuição de gastos do governo em vários países avançados, como Grécia, Portugal e Espanha. Isso também marginalizou qualquer estímulo fiscal sustentado em países com fortes balanços, como a Alemanha.

A paralisia fiscal resultante, combinada com o progresso insuficiente em reformas estruturais pró-crescimento — incluindo uma renovação dos impostos corporativos, melhoria da infraestrutura e formação de trabalhadores —, atingiu as classes média e baixa desses países de modo particularmente duro e agravou o impacto do desemprego, especialmente entre os jovens.

Com o aumentou da pressão sobre os rendimentos familiares, as perspectivas de gastos do consumidor tornaram-se mais incertas, e as empresas acabaram menos animadas em investir em novas instalações e equipamentos, alimentando o ciclo. As condições econômicas se mantiveram difíceis, e a política da revolta se fortaleceu.

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A necessidade de maior flexibilidade na política fiscal atraiu muito mais apoio entre os economistas em 2016. Mas o esforço para traduzir esse apoio em ação foi frustrado pela polarização social e política, que essencialmente impediu qualquer iniciativa importante de política econômica.

Como o crescimento permaneceu preso na marcha lenta, aquém das aspirações populares e diminuindo a esperança de recriar a economia de anos anteriores, percebeu-se que os benefícios desse crescimento limitado foram desproporcionalmente distribuídos, indo parar em grande parte nas carteiras daqueles que já estavam em melhor situação. Grandes bolsões de desemprego e subemprego, especialmente na Europa, acabaram mais profundamente enraizados na estrutura econômica, agravando as adversidades.

A revolta popular continuou a crescer e a desconfiança no "establishment" — tanto do governo quanto do setor empresarial — se aprofundou. Economia, finanças e política tornaram-se cada vez mais interligadas em um ciclo de problemático, ameaçador e que se autoperpetua.

Os cidadãos do Reino Unido votaram em junho para interromper os profundos laços comerciais e financeiros do país com a Europa, que lhe serviram bem durante quatro décadas.

A retórica anticomercial dominou a eleição presidencial dos Estados Unidos, da ameaça de Donald Trump em tarifar importações da China e do México até Hillary Clinton se distanciando de acordos comerciais com a Ásia, a América do Sul e a União Europeia, acordos esses cuidadosamente negociados pela administração Obama. A vitória de Trump no dia 8 de novembro ilustra a crescente influência dos movimentos antiestablishment.

Com as políticas fiscais e estruturais prejudicadas — ou ambos os braços incapacitados —, os bancos centrais imperaram em uma economia que precisa de crescimento elevado, sustentável e inclusivo. Já que gozam de um considerável grau de autonomia política, sentiam-se moralmente obrigados a fazer tudo o que podiam, mesmo que não tivessem as ferramentas apropriadas para a tarefa.

Em grande parte, essas ferramentas se limitam a medidas monetárias, onde os bancos centrais influenciam a economia ajustando taxas de juros e a oferta de dinheiro para mudar condições financeiras e preferências de ativos.

Federico Jordan Federico Jordan

Apesar de sua vontade de assumir responsabilidades políticas alheias, os bancos centrais foram incapazes de cumprir seus objetivos por boas razões: o impacto causado por suas medidas, tais como alterar as taxas de juros ou comprar e vender títulos de mercado, não poderia acabar com obstáculos estruturais ao crescimento, tais como a falta de infraestrutura, regimes fiscais fragmentados e regulamentação excessiva; e as influências da demanda, como diminuir as taxas de juros para estimular o consumo e o investimento, foram demasiado fracas para impulsionar a economia em seu estado atual.

Porém, por serem as únicas instituições com a flexibilidade para resolver problemas, os bancos centrais não quiseram se retirar, continuando a administrar seu remédio imperfeito — até mesmo experimental.

O que adveio disso inclui resultados políticos que, não muito tempo atrás, eram praticamente impensáveis. O Banco do Japão e o Banco Central Europeu determinaram taxas de juros negativas — ou seja, abaixo de zero por cento — deixando alguns investidores na posição altamente incomum de ter que pagar, e não receber, dividendos caso possuíssem títulos do governo. Assim, cerca 30% do estoque total da dívida pública global foi negociado com rendimento negativo durante 2016.

Na maior parte deste ano, os mercados acionários estiveram incomumente imunes à incerteza que domina os cenários econômicos, financeiros, institucionais e políticos. Para isso, os investidores tiveram de agradecer à liquidez — isto é, a injeção contínua de dinheiro em mercados, quer de medidas não convencionais dos bancos centrais ou da reciclagem de dinheiro corporativo através de fusões, aquisições e recompra. Mas há um limite para o tempo que essa combinação intuitiva de fundamentos instáveis e tranquilidade de mercado pode persistir.

A hora exata da virada econômica e financeira é inerentemente difícil de prever, mas podemos passar por um momento importante em 2017. Porém, isso não necessariamente é uma proposição assustadora, caso os políticos retomem suas responsabilidades de governança econômica.

Uma resposta política abrangente recairá sobre reformas estruturais que incentivem o crescimento (incluindo a reforma tributária), maior ativismo fiscal (particularmente na construção de infraestruturas), negociações para aqueles com excesso de dívidas (por exemplo, na Grécia e, preventivamente, para parte de empréstimos estudantis nos Estados Unidos) e a melhora na coordenação da política transfronteiriça (tanto em nível global quanto no reforço da arquitetura econômica regional da zona do euro).

Isso iria liberar uma parte considerável do dinheiro parado em balanços corporativos, incentivando assim duas transições críticas: do baixo crescimento para o crescimento elevado e mais inclusivo e da estabilidade financeira artificial para a instabilidade financeira genuína.

Mas se os políticos continuarem a falhar aos eleitores, o baixo crescimento corre o risco de se transformar em recessão, a estabilidade financeira artificial será substituída pela instabilidade inquietante, e a política da revolta poderia se tornar bem pior. As alternativas que enfrentamos são austeras, e o tempo é escasso.

O tratamento para a epicondilite lateral é o repouso. Os bancos centrais estão na batalha a tempo suficiente — vamos evitar um 2017 mais difícil e doloroso.

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Mohamed A. El-Erian é o principal assessor econômico da Allianz, presidente do Conselho de Desenvolvimento Global do presidente Obama e antigo CEO e co-CIO da PIMCO.

Seus livros incluem "The Only Game in Town: Central Banks, Instability and Avoiding the Next Collapse".

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