Batman pelo Congo

O ator Ben Affleck escreve sobre sua esperança de um futuro próspero para o país africano

Ben Affleck
Prashant Panjiar/NYT

Este artigo faz parte do especial "Ano em transformação", do "The New York Times News Service & Syndicate", que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Futuro incerto, mas cheio de esperança

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Quando estive na porção oriental do Congo pela primeira vez, em 2006, era difícil entender como alguém poderia ter esperanças no futuro da região. Os congoleses tinham acabado de sair de uma década de violência cujos níveis só se comparavam aos da Segunda Guerra Mundial: segundo as estimativas, mais de 3,5 milhões de pessoas morreram no conflito. O genocídio na vizinha Ruanda inundara a região com mais de um milhão de refugiados, incluindo combatentes armados em fuga. O surgimento de milícias e o colapso do Estado congolense resultaram em um período longo de dificuldades. Os civis, presos no fogo cruzado, causaram desalojamentos internos intensos e um sofrimento incomensurável.

Mas logo percebi também um otimismo quase cego em todos que conheci. Havia líderes fantásticos no setor privado e na sociedade civil trabalhando para fornecer educação, assistência médica e legal e muito mais – homens e mulheres que estavam reconstruindo o país, apesar da enorme incerteza.

John Russo John Russo

Em 2009, ao lado da executiva e empresária social Whitney Williams, fundei a Eastern Congo Initiative para dar apoio a líderes comunitários e agir em nome dos congoleses. Entre nossos beneficiados iniciais estava a organização de Chouchou Namegabe, a AFEM, primeira estação de rádio da região de propriedade e administração exclusivamente feminina.

Fizemos também uma parceria com o Dr. Denis Mukwege que, no ano passado foi indicado (novamente) ao Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho heroico com milhares de sobreviventes de estupro. Seu hospital, o Panzi, oferece inclusive assistência legal às mulheres, para que a Justiça possa ser feita contra aqueles que perpetraram os crimes. A Children’s Voice, instituição fundada por Christine Musaidizi na capital regional, em Goma, dá a milhares de crianças a oportunidade de aprender e brincar em um ambiente seguro.

 

Todo esse progresso, porém, não seria suficiente para ajudar uma nação de quase 80 milhões de habitantes a se recuperar de duas décadas de conflito. E os empregos?"

Muita gente não sabe que o Congo era um dos maiores produtores de café do mundo, antes que a guerra e as pragas dizimassem quase 90% das plantações. Nos anos 70, o país prosperava em termos agriculturais. Imagine o que aconteceria se a Espanha perdesse 90% de sua produção de azeite, ou se a Flórida tivesse 90% de seus laranjais destruídos. Anos de violência e instabilidade, combinados com a má gestão agrícola e um surto debilitantes de pragas contribuíram para a quase total aniquilação das indústrias cafeeira e cacaueira.

Os congoleses podem ser otimistas porque seu país, cuja área é equivalente à da Europa Ocidental, tem terras aráveis em volume suficiente para alimentar a população africana, que não para de crescer. Embora a maior parte da população rural viva na pobreza, conta com elementos fundamentais: solo, chuva abundante e, principalmente, comunidades dispostas a fazer de tudo para sustentar suas famílias.

Melhor que isso, a demanda global por cafés especiais está crescendo rapidamente e os produtores congoleses têm condições de tirar vantagem desse mercado emergente, estimado em mais de US$30 bilhões só nos EUA.

Clay Enos/NYT Clay Enos/NYT

Em maio deste ano, voltando de Goma, passei pelo Starbucks do aeroporto de Los Angeles e vi uma etiquetinha com o nome “Congo”, que imediatamente me chamou a atenção: era o Kawa Kabuya, opção especial da seleção exclusiva da cadeia.

A Starbucks não é a única empresa a perceber o potencial agrícola do Congo: hoje em dia, toda barra de chocolate que sai da Theo Chocolate, de Seattle, inclui cacau congolês. Os produtos do país já estão nas maiores lojas do mundo.

Tim Gough/NYT Tim Gough/NYT

Ainda há muito trabalho pela frente. Durante o conflito, um número incontável de mulheres e meninas foi vítima de violência e abuso sexual – e como resultado, elas passaram a ser estigmatizadas, gerando mais abusos. Quando olho meus filhos à minha volta enquanto arrumo as malas para essas viagens, sei que se fôssemos uma família congolesa, seria por pura sorte que pelo menos um dos três chegasse a alcançar os cinco anos de idade. É difícil imaginar um pai que não perca as esperanças nessas condições.

Para manter a dinâmica atual, os congoleses precisam de nossa atenção e apoio: no setor privado, por exemplo, os produtores de café e cacau necessitam de maior acesso a apoio financeiro e assistência com a organização e representação.

Gerry Kahashy Gerry Kahashy

Em termos políticos, a crise toma corpo: as eleições, inicialmente marcadas para o fim de 2016, foram adiadas para 2018. Observadores dizem que o atual presidente, Joseph Kabila, parece ter toda a intenção de permanecer no cargo. As organizações internacionais precisam garantir que o pleito seja realizado o mais rápido possível e que o período de transição seja pacífico. A segurança do cidadão comum, e principalmente das mulheres e crianças, depende disso.

Com a visita recente da embaixadora dos EUA para as Nações Unidas Nikki Haley à região, o governo norte-americano tem a oportunidade de ajudar a guiar o processo democrático para que se obtenha um resultado melhor e mais pacífico.

É por isso que somos muito agradecidos pelo forte apoio de inúmeros membros do Congresso à questão, tanto republicanos como democratas, particularmente ao senador republicano pela Carolina do Sul Lindsey Graham e o deputado democrata por Washington Adam Smith, que já estiveram no Congo conosco e, desde então, patrocinaram audiências e projetos de lei sobre várias questões relevantes àquela nação. O cargo na embaixada dos EUA no Congo, tão importante, continua vago; ao preenchê-lo logo, o atual governo demonstrará seu comprometimento com uma resolução pacífica.

O Congo continua a enfrentar inúmeros desafios, mas, com dedicação e muito trabalho, seus cidadãos estão dispostos a diminuir o abismo entre a pobreza e a prosperidade, o caos e a estabilidade. É uma jornada rumo ao progresso que está só começando.

  • Ben Affleck

    É ator, cineasta e fundador da Eastern Congo Initiative

    Imagem: John Russo

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