A última mensagem

Artistas, cientistas e um chef de cozinha resumem a beleza da vida na Terra no caso de o mundo acabar

Tripulação da Apollo 17/Nasa

Este artigo faz parte do especial "Ano em transformação", do "The New York Times News Service & Syndicate", que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Stuart Clarke/NYT Stuart Clarke/NYT

Por Jane Goodall

O mundo, como o conhecemos, está acabando. Fecho os olhos e novamente sinto a magia da floresta tropical, os riachos murmurantes, o sussurrar das folhas e a miríade de sons da vida animal, os chilreados, os cantos, os zumbidos. Flashes de cor; pássaros, borboletas, peixes brilhando na água. Os macacos se alimentando nos galhos. O perfume da terra úmida e das flores. Cada espécie, por menor que seja, cumprindo sua parte no rico tecido da vida. Levo os olhos da mente para os pântanos, as montanhas, os recifes de coral, as pradarias douradas. O sol brilhando no gelo do Ártico. Os pinheiros nos despenhadeiros que eu escalava quando criança. Nesses poucos minutos, a beleza do mundo que conheci volta a ser real.

Abro os olhos com relutância. Estou cercada por terra e água mortas, poluídas, despidas. O mundo natural foi destruído. Nossas cidades entraram em colapso. A natureza reage contra nós, seres humanos, que tão ambiciosamente roubamos suas riquezas, com furacões, enchentes, secas, incêndios e terremotos.

Porém, de repente percebo que embora a Terra pareça destruída, está bem viva na minha mente. E tenho consciência de outro tipo de beleza: a do espírito humano indômito. O fascínio pela ambição e pelo poder acabou com a beleza que herdamos, mas o altruísmo, a compaixão e o amor não foram destruídos. Tudo de belo que há na humanidade continua intacto. A formosura do nosso planeta não morreu, está apenas adormecida, como as sementes de uma árvore morta. Teremos uma outra chance.

(Jane Goodall é etóloga, conservacionista e Mensageira da Paz da ONU. Fundou o Instituto Jane Goodall em 1977)

Lalla Ward/NYT Lalla Ward/NYT

Por Richard Dawkins

Prezados concidadãos cósmicos,

Se vocês tiverem a tecnologia para interceptar este último testamento de nosso planeta condenado, certamente são muito mais avançados que nós; provavelmente vêm evoluindo há muito mais tempo e seus decifradores de códigos têm capacidade suficiente para traduzir minha linguagem.

Saberão que, como qualquer outra forma de vida, evoluímos gradualmente, a partir de um início simples, através da sobrevivência não randômica de instruções codificadas digitalmente. A elas, demos o nome de genes (sem dúvida, as suas são diferentes até nos detalhes das nossas). E sobreviveram principalmente por terem construído o que chamamos de corpo. Nossa forma de vida foi movida pela energia de nossa estrela (o “sol”) e interceptada por corpos estáticos chamados plantas, que usam coletores especializados de fótons chamados folhas. A energia das plantas foi então "roubada" por corpos móveis chamados animais. Alguns deles, por sua vez, consomem outros, e a energia, transmitida ao longo de uma "cadeia alimentar". Todos usavam o mesmo código genético, um cordão linear de caracteres digitais tirados de um alfabeto de quatro letras. Como vocês calcularão facilmente, isso foi o suficiente para codificar uma diversidade imensa de formas, que foi justamente uma das glórias estupendas de nosso trágico planeta.

Entre os muitos milhões de tipos de animais, a nossa espécie, os chamados seres humanos, se distinguiam pelo grande computador embutido (o "cérebro"), que nos permitiu fazer algum progresso em relação à compreensão do universo e nossas origens. Tínhamos bastante orgulho de entender noções como evolução e o fato de que a matéria se apresenta em um conjunto limitado de “elementos.” Embora tenhamos ensaiado um início no que chamamos de teoria quântica, ela foi considerada muito confusa, talvez porque nosso cérebro nunca evoluiu para entender o ultrapequeno.

Sonhamos com uma Teoria de Tudo definitiva, a compreensão completa da origem de todas as coisas, incluindo o tempo. Talvez vocês já tenham chegado lá. É um dos nossos desgostos termos desaparecido antes de conquistá-la.

(Richard Dawkins é biólogo evolutivo e escritor. Seu livro mais recente é "Science in the Soul: Selected Writings of a Passionate Rationalist".)

Jillian Edelstein/Camera Press/NYT Jillian Edelstein/Camera Press/NYT

Por Mohsin Hamid

Entidades do cosmo, saudações dos humanos da Terra. Nosso mundo está chegando ao fim. Os humanos são uma forma biológica de vida. Nossa existência individual é caracterizada pela impermanência. Vivemos e morremos. Nossa maior conquista é o fato de não nos sentirmos totalmente sufocados pela consciência dessa condição. Sabemos que vamos morrer e, no entanto, experimentamos o amor, a ternura, a surpresa e a alegria. Nossa mortalidade forma a base de nossa compaixão. Sabemos que todo ser humano, por mais diferente que seja um do outro, vai morrer, e esse fato gera uma sensação de aproximação. Não éramos menos porque morríamos; na verdade, éramos mais, embora o desejo de viver para sempre fosse muito forte. Criamos máquinas com a esperança de que pudessem nos ajudar a realizar esse desejo. Desejamos nos fundir com elas. Agora, em nossa tentativa de extinguir nossa mortalidade, estamos prestes a extinguir a nós mesmos. Adeus. Que nosso exemplo seja benéfico a vocês. (Mohsin Hamid é um escritor paquistanês. Sua obra mais recente é "Exit West.")

Marco Grob/NYT Marco Grob/NYT

Por Daniel Humm

A verdadeira beleza da vida só pode ser descrita em termos das relações pessoais. Natural e verdadeira, ela fica ainda maior enquanto experiência que pode ser compartilhada. Como chef, tenho sorte de poder comprovar esse fato toda noite em meu restaurante: gente de todos os estilos de vida, todas as etnias e idades, pessoas profundamente conectadas ao redor da mesma mesa. A conexão humana é significantemente bela e não há nada que prove esse detalhe mais que nossas experiências em 2017. Graças a todos os desastres, naturais ou causados pelo homem, aprendemos que há uma coisa mais poderosa que a destruição: a intenção absoluta e totalmente humana de olhar nos olhos de outra pessoa. Não a cor da pele, as opiniões políticas, as preferências sexuais ou religiosas, mas sim uma conexão profunda e honesta, para ajudar outra pessoa a triunfar sobre as adversidades; para elevá-la quando estiver no fundo do poço; para fazer a conexão abaixo da superfície... isso é o que há de mais belo em nós. (Daniel Humm é um chef suíço e um dos donos do Eleven Madison Park em Nova York.)

NYT NYT

Por Kyung-sook Shin

Fui feliz por poder viver nesta Terra como filha da minha mãe. Foi ela que me ensinou a andar, como me vestir, como dizer meu nome. Depois que cresci um pouquinho, ela me ensinou que ler livros é uma parte importante da vida neste mundo. Através de sua própria vida, ela me ensinou como plantar sementes, que a gente só colhe o que planta e como consolar alguém que esteja triste.

Quando eu tinha 22 anos, comecei a escrever livros no idioma da minha mãe, uma língua rica de sua essência. Escrevi sobre tudo que nasce em nossos corações e neste mundo, desde a tristeza e a beleza até a paixão e o amor. Com as palavras, consegui recuperar coisas que já tinham desaparecido. Também escrevi sobre a minha mãe, que me deu tudo, mas a quem nunca dei o devido valor.

Escrever foi a minha maneira de honrar tudo o que já esteve vivo na Terra e desapareceu. Se eu tivesse tido uma filha, eu a teria ensinado tudo que aprendi com minha mãe. Pena que não tive.

(Kyung-sook Shin é escritora cujo livro “Por favor, cuide da mamãe” ganhou o Prêmio Literário Man Asian em 2012, sendo a primeira mulher sul-coreana a conquistar tal façanha.)

C. Lebedinsky/Dyson, Inc./NYT C. Lebedinsky/Dyson, Inc./NYT

Por James Dyson

A maneira como os engenheiros resolvem problemas aparentemente insolúveis, com engenhosidade e determinação, é admirável.

O amanhã é mais interessante que o hoje por causa deles, que guiam o nosso progresso com seus cérebros e suas mãos. Com inteligência e persistência, representam o melhor da desenvoltura e da capacidade humanas. E a forma mais genuína de geração de riqueza que uma economia pode desejar; são incrivelmente talentosos.

Nem sempre seguem as regras; abordam os desafios de novos ângulos com inteligência ingênua de modo a encontrar a solução adequada. Não há desafio que seja grande demais.

E é por isso que acho impossível que o mundo se acabe. Os engenheiros vão encontrar uma maneira de evitar a catástrofe!

(James Dyson é inventor, designer e fundador da empresa Dyson.)

Joo Yongsung/NYT Joo Yongsung/NYT

Por Oscar Murillo

A busca de novas fronteiras em nome da ciência e do império quase sempre se dá em detrimento de outra. Os primeiros exploradores, desde o conquistador Cortés ao Capitão Cook, cruzaram o planeta em nome da expansão e do conhecimento. Apesar disso, seu objetivo não era descobrir coisas novas a respeito do mundo, mas sim propagar uma visão já formada. Por isso, seu caminho se viu cheio de baixas – comunidades, países, cadáveres.

A história é contada por aqueles cujas vozes são mais potentes. E as do imperialismo continuam as mais fortes, ainda hoje. Os astronautas da missão Apollo 11 treinaram no deserto do Oeste dos EUA, que já foi terra dos nativos, para se preparar para romper a Fronteira Final. Segundo uma piada antiga, um chefe indígena perguntou a eles se poderiam transmitir uma mensagem aos espíritos sagrados que vivem na Lua, falando então algumas palavras em sua língua. Quando os astronautas lhe perguntaram qual era a mensagem, o chefe disse que era um segredo entre sua tribo e os espíritos lunares. Apesar disso, encontraram alguém para traduzir as palavras.

A mensagem era: “Não acredite em uma única palavra que esses caras disserem. Eles estão aí para roubar sua terra.”

(Oscar Murillo é artista e vive em Londres.)

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