Ainda menino, recém-chegado à capital de São Paulo, vindo de Londrina (PR) na boleia de um caminhão, meu início não foi fácil. Minha residência inicial foi a antiga rodoviária da estação da Luz (região central da cidade), fui morador de rua por quase um ano. Mas uma luz brilhou em minha vida: fui acolhido por um senhor que era vigia da praça em frente à rodoviária.

Foi na generosidade que este senhor de família humilde me deu abrigo, orientação e me apresentou o lado verdadeiro da espiritualidade, fazendo ver que a umbanda não era uma religião do mal, e sim somente diferente na forma de ver e de se ligar a Deus. Onde a natureza é a grande morada, e nós, uma só família, com gosto, vontades, sentimentos, desejos e sonhos diferentes, mas de uma mesma família, a família de Deus.

Hoje, com 54 anos de vida, mais de 40 anos como umbandista e há mais de 20 como sacerdote, posso dizer que este senhor mudou o meu mundo com sua atitude isolada e sem interesse. Ele mudou minha vida, meu destino e a vida de muitos outros. Na sua ação, acabou refletindo e ainda reflete na vida de muitos outros. Ele, ainda que não esteja entre nós, continua mudando o mundo.

Não podemos cobrar dos outros o que não temos disposição de fazer. Se desejarmos viver num mundo onde a convivência seja pacifica e harmoniosa, onde a justiça e a igualdade social sejam de fato um direito de todos, cabe a cada um de nós iniciar uma busca incansável na prática do respeito às diferenças, respeito à diversidade e um profundo respeito à religiosidade e às escolhas que cada um faz.

O ser humano, por natureza, é espiritualizado, o que o motiva e o impulsiona na busca incansável para estar conectado a Deus. Tal ação aflora naturalmente a sua religiosidade, mas a grande maioria busca na religião o socorro para suas aflições, quer ser amparada nas suas ambições e protegida nas suas questões emocionais, sentimentais, familiares e profissionais, quer receber orientações que a direcione na sua vida.

Quem deseja paz, respeito e prosperidade para sua família não pode aceitar e conviver passivamente com a intolerância, o racismo, o preconceito e as perseguições. Somente teremos um mundo melhor se cada um de nós fizer sua parte em relação aos outros

Ainda que muitos possam dizer que individualmente nada podemos e nada mudará além dos limites de cada um, eu também me declaro incapaz de mudar o mundo, mas entendo que a luta diária não deve ser para mudar o mundo, e sim para ser alguém melhor neste mundo, como no exemplo que recebi de um senhor que me acolheu como um de sua família.

Desta forma, eu, você e todos nós podemos fazer muito para contribuir com as mudanças que são necessárias para um mundo melhor. Temos que semear respeito às famílias, às escolhas individuais, aceitar o seu semelhante como ele é e, dentro do possível, ampará-lo como seu irmão que é.

Não podemos deixar de citar que um mundo melhor somente será possível se este mundo existir. Para isto o respeito para com a natureza e todo o equilíbrio que é necessário para sua preservação precisam urgentemente ter a atenção de todos. Desde uma simples ação de não jogar papel no chão a usar menos água no seu banho. É necessário criar uma consciência ecológica e sustentável, é obrigação de cada um de nós. Caso contrário, não haverá um mundo para mudar.

Pense no que é possível fazer para mudar o mundo. Podemos muito, mas antes temos que ajustar nossa conduta e a forma de ver nosso semelhante. E dar a ele o mesmo direito que acreditamos merecer. Somente assim, sem esperar ou cobrar nada de ninguém, faremos a diferença para que, no exemplo, outros se motivem a fazer também.

Que Deus, ser único e indivisível, que se ajusta e se apresenta conforme as idealizações de cada um dos seus filhos, possa dar discernimento para que cada um de nós possa entender que podemos fazer muito, que somos todos habitantes de um planeta, que somos seres humanos. Que independentemente de cor, raça, orientações e escolhas de vida, viemos e voltaremos da mesma forma, resta saber se estamos cumprindo com nossa missão.

Posso tudo naquele que me fortalece e com atitudes coerentes. Nada sou além da causa e efeito. Que minha fé e meus ideais não sejam maiores que minha obrigação de respeitar meus semelhantes e lutar incansavelmente por justiça e igualdade social. Somente assim estarei agindo para que tenhamos um mundo melhor.

Agradecemos a oportunidade ofertada pela equipe do UOL, que nos permite ter este espaço valioso para expressar livremente nosso pensamento e posicionamento. O UOL trabalha para um mundo melhor, trabalhe você também!

Saudações e Muito axé!

* Pai Guimarães, 54, é sacerdote umbandista na Abratu - Associação Brasileira dos Sacerdotes de Umbanda, Candomblé e Jurema.