Como mudamos o mundo?

Nove líderes religiosos e um ateu apresentam, em artigos, sugestões para construirmos uma sociedade melhor

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"A atitude ritual e o comportamento social devem ser coerentes"

Rabino Michel Schlesinger*

?É esse o jejum que escolhi? (...) A isto você chama de jejum? (...) Assim deveria ser o jejum: rompa as cadeias da iniquidade, desate os grilhões da opressão, envie o oprimido para a liberdade e quebre toda forma de dominação. Compartilhe seu pão com o faminto, abrigue em sua casa os pobres errantes, cubra o nu quando o vir e não ignore o seu próximo.?

De maneira dramática, o profeta Isaías nos convida a refletir sobre o objetivo de nosso jejum. Convida-nos, principalmente, a uma coerência entre nossa atitude ritual e nosso comportamento social.

De nada adianta jejuar, na opinião do profeta, se não traduzirmos essa nossa demonstração religiosa em atos de tzedaká, justiça social. O jejum faz sentido apenas quando acompanhado de um comportamento social ético e moral.

Nosso compromisso precisa expressar-se em relação ao próximo para somente então ter legitimidade em relação a Deus.

Infelizmente, constatamos que uma conduta religiosa diligente nem sempre vem acompanhada do mesmo cuidado no campo da moral. Não são raros os casos de pessoas que cumprem meticulosamente as leis divinas e abandonam, com impressionante facilidade, suas obrigações para com os homens.

Assim, é possível encontrar indivíduos que oram regularmente para Deus, mas não pagam seus impostos. Cuidam com muito empenho de sua alimentação, contudo não têm o mesmo cuidado com aquilo que dizem. Preocupam-se com o que colocam em suas bocas, mas não se incomodam com o que sai delas. Preservam o sábado e suas minuciosas leis e, no entanto, desprezam os sentimentos daqueles que os cercam.

Para esses indivíduos, o profeta Isaías diz: não jejuem mais assim. Enquanto o indivíduo não conseguir encontrar coerência entre seu comportamento em relação a Deus e seu compromisso para com o seu semelhante, o jejum será irrelevante ou mesmo uma afronta ao Criador do Universo.

Em nossos dias, é possível ainda identificar indivíduos que não apenas abandonam seus compromissos sociais e dedicam-se ao ritual religioso, como também encontram na religião a justificativa para o desprezo em relação ao seu semelhante.

Vemos pessoas de diversas religiões agindo de forma imoral em nome de seus deuses. Mesmo um Deus que sempre pregou o amor, a justiça e a paz é usado para legitimar atitudes de desamor, injustiça e guerra. Como se algum conflito pudesse ser santo, como se algum destrato ao ser humano pudesse ser legitimado pela vontade de Deus.

As religiões pregam a compaixão e o comprometimento social; certos falsos religiosos pregam exatamente o contrário.

Para esses indivíduos, o profeta Isaías diz: de nada vale seu jejum. Não existe um caminho religioso para embranquecer as máculas sociais. Não há Deus ou religião que se presta a legitimar o antiético e o imoral.

Por isto, o jejum deve ser a celebração de um comportamento de justiça social. O ritual do jejum comemora a conquista de um nível espiritual que precisa condizer com nosso comportamento moral

No judaísmo, diferentemente de outras religiões, não há separação entre o corpo e o espírito durante a vida. Não existe a possibilidade de um corpo pecador e uma alma pura ou o contrário. Quando optamos por uma conduta, o fazemos com corpo e também nossa alma.

Emmanuel Levinas, filósofo lituano que viveu na França no final do século passado, acreditava que as leis judaicas são dotadas de uma mensagem ética. O jejum nos ensina a pensar naqueles que não têm condição de se alimentar com dignidade. A alimentação casher nos ensina que devemos tratar os escassos recursos naturais com consciência. O Shabat nos ajuda a entender que nossos empregados e também nossos animais merecem pelo menos um dia de descanso semanal.

Acreditamos que a religião pode ser a porta de entrada para um comportamento ético e moral. Quando não deturpadas, as condutas religiosas ajudam o indivíduo a ordenar sua escala de valores e redirecionar suas atitudes.

Assim, como nos ensina o profeta Isaías, o jejum faz sentido apenas quando acompanhado de uma atitude social coerente. O jejum pode ser uma excelente oportunidade de redirecionamento comportamental, ele nos pode colocar em contato com o sagrado. O jejum pode nos elevar espiritualmente e ser o primeiro passo na mudança de postura em relação à vida.

?Compartilhe seu pão com o faminto, abrigue em sua casa os pobres errantes, cubra o nu quando o vir e não ignore o seu próximo.?

Neste Ano-Novo civil, que sejamos confirmados no livro da vida e que nossas práticas religiosas sejam nossas bússolas na direção de um comportamento socialmente ético e moral para o aprimoramento do mundo.

Feliz 2018!

* Michel Schlesinger, 40, é rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Confederação Israelitas do Brasil para o diálogo inter-religioso.

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