O que eu posso fazer para mudar o mundo?
Como cristão ortodoxo, ao pensar na resposta a tão importante questão, me vem à mente, em primeiro lugar, Deus Todo-Poderoso como Criador deste mundo e de tudo e todos os que nele há, e no sentido da criação, com a liberdade que foi dada por Ele (o próprio Criador) às suas criaturas.
E, como uma dessas criaturas de Deus, sinto-me chamado a encontrar e realizar em mim a essência da obra divina da criação, o que creio que possa e deva ser feito semeando o amor verdadeiro na terra de meu coração e de todos os seres humanos em todo o tempo e em todos os lugares, na esperança de que essa semente germine e cresça pelo poder de Deus, tornando-se uma árvore sob a qual todos possam se abrigar.
A partir de minha fé no Senhor Jesus Cristo, de quem tenho a honra de levar o nome, pois sou ?cristão?, o qual se encarnou para a salvação do gênero humano, vejo que essa salvação foi expressa de forma ativa e dinâmica e não apenas por palavras, pela força e poder do amor que Cristo concretizou na cruz, pois Ele era o amor encarnado. Por isso aceitou a cruz e a morte, mas as venceu por seu sacrifício de amor, logo evidencia-se que o amor é mais forte que a morte. Nada pode deter ou impedir o amor perfeito, verdadeiro, não há poder que possa superá-lo. Somente o amor tem poder para mudar o mundo.
Há quem pense, de forma naturalmente errada, que os atos de amor são demonstrações de fraqueza, mas eu acredito que o amor encarnado é algo concreto e forte, e quem é capaz de amar é forte e tem esse poder.
O amor faz com que aquele que ama, seja quem for, mostre uma face iluminada, que expressa bondade, e isso não pode ser ocultado de quem olha para ele. O amor verdadeiro é o poder de Deus, único capaz de transformar a face da Terra e lançar luz sobre os problemas humanos, como o sofrimento e as injustiças, transformando-os, pelo amor, em refrigério, felicidade, alegria e consolo.
Ao falar do amor e de seu poder, corre-se o risco de, apesar de tudo, não se conseguir impedir que fique apenas uma palavra, sem seu profundo sentido, como algo passageiro e que facilmente se esquece, por isso quero aqui ilustrá-lo com uma pequena história, a exemplo do próprio Jesus, que ilustrava seus ensinamentos com parábolas para melhor e maior compreensão dos ouvintes.
Essa história diz o seguinte: ?Em um país onde o inverno era muito rigoroso, num dia bem cedo, nesse período do ano, uma senhora que vivia numa casa humilde com seu marido e um casal de filhos, saindo para a rua, viu três anciãos sentados na soleira de sua porta.
Ela ficou muito penalizada, se compadeceu deles por estarem sem abrigo num dia tão frio e, movida por seu sentimento de compaixão, quis convidá-los a entrar em seu lar para fugirem do frio extremo e da neve e se aquecerem. Dirigiu-se a eles e os convidou a entrarem em sua casa, e um deles lhe respondeu: ?Senhora, apenas um de nós pode ser convidado a entrar em sua casa e não os três?. Ela se espantou com esta resposta inesperada e insistiu: ?Estou convidando os três e desejo que se abriguem em minha casa?. Novamente ouviu a resposta: ?Somos três irmãos, chamados Amor, Riqueza e Sucesso, e apenas um de nós poderá entrar em sua casa. A senhora deve decidir qual de nós entrará'.
Diante da atitude firme daqueles homens, ela pediu licença para consultar sua família. Entrou, lhes contou o que havia acontecido e pediu-lhes que a ajudassem a decidir qual dos três anciãos deveria ser seu hóspede. O marido respondeu: ?Somos pobres e vivemos em condições humildes. Convide a Riqueza para entrar, pois assim talvez possamos melhorar nossa condição de vida e ter muitos bens materiais'.
O filho deu sua opinião: ?Precisamos também pensar no que virá pela frente em nossa vida e procurar garantir que tudo irá bem. A senhora deve, então, convidar o Sucesso, para que em tudo tenhamos êxito'.
Por fim, a filha lhe disse: ?Mãe, o maior bem e aquilo de que mais precisamos é o Amor. Convide o Amor para ser nosso hóspede, pois assim poderemos ter mais carinho e harmonia em nosso lar e vencer todos os problemas e dificuldades?.
Aquela senhora concordou com as palavras prudentes da filha e, saindo, disse àqueles senhores: ?Contei o que aconteceu à minha família e a consultei sobre quem deveria ser convidado a estar conosco, e cheguei à conclusão de que devo convidar o Amor?.
Ouvida a resposta, os três se encaminharam para entrar na casa, e ela, surpresa, lhes disse: ?Não entendo. Eu queria convidar os três e me disseram que apenas um poderia entrar, e agora que fiz minha escolha os três querem ir. Por quê??.
Então lhe responderam: ?Se a senhora convidasse a Riqueza ou o Sucesso, apenas o escolhido entraria, mas, como a senhora escolheu o Amor, com ele vão também Riqueza e Sucesso??.
Com esta ilustração sobre a importância e os efeitos benéficos do amor, fica mais fácil entender como sua vivência em cada família, em cada comunidade, em cada país e principalmente em cada indivíduo pode mudar o mundo. Também aprendemos com esta história que todo ser humano, por mais que seja possuidor de dons e bens, por mais que acumule riquezas e tenha sucesso, se não deixar lugar em sua vida para o amor verdadeiro, conforme as palavras do apóstolo São Paulo, ?nada lucrará com isso? (I Coríntios 13,3).
Por fim, celebramos, como em todos os anos, a memória do Santo Natal, o nascimento na carne, por amor, do Filho Unigênito de Deus, Jesus, e estando às portas de um novo ano, rogamos a Deus, o Amor Absoluto, que ilumine as mentes dos seres humanos e plante em seus corações a semente do amor, porque apenas com o amor verdadeiro, sincero, podemos, cada um de nós que temos esta fé, combater e eliminar todos os males, as corrupções e até a morte.
O amor é o rei das virtudes e nos dá a vitória, especialmente quando começamos a vivê-lo em nós mesmos e o praticamos em nossas relações com nossos semelhantes --é assim que ele nos fará vitoriosos.
Encerro com as palavras inspiradas do apóstolo São Paulo, padroeiro desta cidade, o apóstolo que evangelizou o mundo e ensinou o amor, com as quais ele confirmou a importância do amor e de seu papel na vida dos seres humanos.
Ele disse: ?Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me valerá. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Assim, permanecem agora estas três virtudes: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor". (I Coríntios 13,1-8a.13)
Aleluia!
* Dom Damaskinos Mansour, 68, sírio, é arcebispo metropolitano da Arquidiocese Ortodoxa Antioquina de São Paulo e de todo o Brasil.