Como mudamos o mundo?

Nove líderes religiosos e um ateu apresentam, em artigos, sugestões para construirmos uma sociedade melhor

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"Acreditar que as pessoas podem mudar"

Paulo Eduardo Gomes Vieira, pastor presidente da Primeira Igreja Batista de São Paulo*

Como cristão convicto que sou, inicio esta reflexão chamando a atenção do leitor para um dos traços preponderantes e muito visível no estilo de vida de Jesus de Nazaré, o Cristo. O ministério de Jesus foi marcado pela proposta de TRANSFORMAÇÃO! Incansavelmente, Ele desafiava as pessoas acerca da possibilidade e da necessidade de que transformações acontecessem, nas próprias pessoas a quem Ele falava e também nas situações da vida. Quando convidou os 12 discípulos para o seguirem, à maior parte deles Ele falou: "Vinde a mim, e eu vos farei pescadores de homens". Ou seja, "andando comigo, vocês deixarão de ser o que são, para serem transformados em algo que hoje, vocês ainda não são", é o que Jesus estava lhes dizendo. Mudança! Metamorfose! Transformação! Isso foi nuclear nos conteúdos de tudo o que Jesus falava e ensinava.

Aliás, considero ser muito relevante que seja dito acerca de Jesus, o quanto Ele investiu a maior parte de seu tempo, de sua atenção e de seus esforços cuidando de pessoas. A sua preocupação maior nunca foi com a organização chamada religião. O seu foco de atenção jamais esteve voltado predominantemente para as instituições eclesiásticas. Cristo, predominantemente, se ocupava com gente. Andou, ensinou, investiu a sua vida e entregou a sua vida para que gente fosse transformada. Acreditou tanto que pessoas e situações podem ser transformadas, que entregou a sua vida a esta causa.

É verdade que este modo de olhar a vida, crendo que mudanças significativas, que transformações amplas e profundas sempre podem acontecer, pode ser considerado como um olhar idealista demais, uma forma de ver a vida muito utópica. Mas acerca das utopias, gosto de pensar como o filósofo, psicanalista e teólogo Rubem Alves pensava. Ele dizia que precisamos ampliar o nosso conceito de utopia. Utopias são mais do que metas quase irrealizáveis. Para Rubem Alves, utopias são mais do que alvos inalcançáveis ou quase inalcançáveis. Utopias imprimem em nossa vida um estilo de ser. Acreditar em utopias é um modo de olhar a vida. Acreditar em utopias é um jeito de viver a vida. Neste sentido, pessoas utópicas são pessoas que se recusam a serem conformistas. Neste sentido, pessoas utópicas são pessoas que estão constantemente acreditando que, por mais trágico que seja o status de uma situação, esta situação poderá ser metamorfoseada em algo muito bom.

Deixar de acreditar significa render-se ao conformismo. Deixar de acreditar significa cruzar os braços e se conformar com o caos.

    Pessoas utópicas são pessoas que nutrem em suas almas uma permanente expectativa positiva acerca da vida. Pessoas utópicas são sonhadoras, são idealistas. Pessoas utópicas acreditam em milagres!

    Jesus realizou muitos milagres. Os quatro evangelhos, Mateus, Marcos, Lucas e João registram isso. Mas é muitíssimo importante compreendermos porque Jesus realizou os tantos milagres que os evangelhos narram, e muitos outros que ficaram de fora das narrativas bíblicas. Ele realizou tantos milagres porque Ele era o filho de Deus, e como tal, tinha poder para isso. Mas Jesus realizou milagres também porque Ele acreditava em transformações miraculosas. Os seus milagres foram consequências da forma como Ele, Jesus, via a vida. Para Ele, o coxo, sujo, que vivera toda a sua vida até então em estado de mendicância, não teria que viver o resto de sua vida sentado à margem do caminho, sujo, imundo, pedindo esmolas, sujeitando-se a esta condição absurda de indignidade. Para Jesus, este trágico status de vida poderia e teria que ser miraculosamente modificado. Por isso, Ele disse ao coxo: levanta-te e anda. Mediante estas poderosas palavras, o homem aleijado ficou de pé, saiu pelo caminho pulando de alegria e teve a sua vida radicalmente mudada. Deixou de ser um trapo humano para ser um homem vivendo uma vida digna.

    Considerando esta visão de vida de Jesus de Nazaré, permita-me o leitor falar um pouco de algumas utopias que tenho vivido como pastor e como disse acima, como seguidor convicto de Cristo que sou.

    Exerço o sacerdócio no centro da cidade de São Paulo. No centro velho, na região da Luz, próximo à Cracolândia. Acredito e acredito sim que esta área da cidade, amplamente conhecida como região da Cracolândia, poderá e será transformada numa região aprazível, propícia para o convívio familiar. Acredito sim que a praça Princesa Isabel, muito conhecida como “a praça do cavalo”, localizada bem em frente à Igreja que pastoreio, será espaço propício para crianças inocentes brincarem sem terem a sua inocência ameaçada. Como sacerdote cristão que sou, tenho buscado incansavelmente ajudar os fiéis da minha igreja a acreditarem que nós podemos e devemos ser agentes de transformação desta região tão caótica. Acredito que o centro de São Paulo deixará de ser lugar marcado pela devastação do consumo e do mercado do crack. Acredito que muitos homens e mulheres que vendem seus corpos como mercadorias expostas nas esquinas do centro de São Paulo, um dia deixarão este estado subhumano de vida, e desfrutarão de uma vida honrosa. Aprendi isso com Jesus, quando Ele disse: eu vim para que tenham vida e vida em abundância.

    Como consequência desta visão, um dia, em um dos nossos cultos na igreja onde atuo como pastor, a Primeira Igreja Batista de São Paulo, eu disse às minhas ovelhas a seguinte frase: “A CRACOLÂNDIA VAI VIRAR CRISTOLÂNDIA”. Deste modo surgiu o projeto, já conhecido por muitos, chamado CRISTOLÂNDIA.

    Sim, reconheço, a frase que eu disse para a minha igreja é uma utopia. Acreditar que a Cracolândia será transformada em uma Cristolândia é uma grande utopia. É verdade que, em termos literais, provavelmente isso jamais virá a acontecer. Mas também é verdade que, como resultado desta frase utópica, ao longo destes oito anos em que o projeto Cristolândia existe, milhares de pessoas já foram tiradas do submundo das drogas, foram arrancadas das ruas e passaram a viver uma vida digna, completamente reinseridas na sociedade como cidadãos e cidadãs dignos, desfrutando de vida familiar, recebendo formação educacional e profissional.

    O QUE POSSO FAZER PARA MUDAR O MUNDO? Coloco esta frase na primeira pessoa do plural. O QUE PODEMOS FAZER PARA MUDAR O MUNDO? Podemos mudar o mundo acreditando que o mundo pode ser mudado. Podemos mudar o mundo acreditando que pessoas podem ser mudadas. Podemos mudar o mundo, acreditando que famílias que vivem em estado de 'campo de guerra' podem experimentar paz, afeto e regozijo no ambiente doméstico.

    Podemos mudar o mundo acreditando que as nossas próprias feiuras e esquisitices pessoais que carregamos dentro de nós podem e devem ser mudadas. E como é importante acreditarmos e investirmos nisto. Afinal, é absolutamente incoerente, e podemos dizer até mesmo que é comportamento hipócrita, desejar que os outros mudem e esperar que o mundo mude, sem que estejamos dispostos a mudar o que precisa ser mudado na nossa própria vida.

    Podemos mudar o mundo acreditando que o país onde vivemos, imerso no lamaçal da corrupção e da injustiça, pode ser mudado. Eu, pessoalmente, insisto em acreditar que o Brasil pode ser mudado porque sou um idealista assumido e também porque me recuso a aceitar que os poderosos maus e corruptos que dirigem esta nação, que causam tanto sofrimento a milhões de brasileiros por causa da ganância e usura desenfreadas, se perpetuem no poder. Acredito que homens humanos e decentes ainda podem conduzir os rumos do nosso país, que de fato é um país abençoado por Deus, é bonito por natureza, mas não suporta mais tanta maldição que sobre ele tem sido imposta.

    Deixar de acreditar significa render-se ao conformismo. Deixar de acreditar, significa cruzar os braços e se conformar com o caos. Eu não farei esta opção. E espero sinceramente, que você, caro leitor, também não faça esta opção. Jamais nos rendamos ao caos. Pessoas podem ser mudadas! Circunstâncias podem ser mudadas! O Brasil pode ser mudado! Entremos em 2018 acreditando nisto e nos propondo a contribuir para isso!

    * Pastor Paulo Eduardo Gomes Vieira, 54, é casado e tem duas filhas. É formado em teologia e psicologia. Há 12 anos é pastor presidente da Primeira Igreja Batista de São Paulo. Também é autor do livro "Cristolândia, esperança na Cracolândia".

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