A pergunta “O que posso fazer para mudar o mundo?” supõe que o mundo precisa ser mudado. Concordo com essa premissa. Também eu não estou contente com o mundo em que vivo. Contudo, longe de me incluir no grupo dos pessimistas, sou alegre, sinto-me bem, gosto de me relacionar e de viver. Como, porém, estar satisfeito com um mundo que conseguiu globalizar a economia, as ciências, a arte etc., mas não conseguiu globalizar a solidariedade, a partilha, a justiça etc.?
É preciso fazer alguma coisa. Mas o quê, se sou limitado e não tenho os poderes de um presidente dos Estados Unidos, não sou o dono da Microsoft e nem consigo, nos meios de comunicação, o espaço de um Neymar ou de uma Ivete Sangalo?
Diante da imensidão de desafios que encontro ao longo da vida, sinto, como qualquer cidadão, que também poderia ter a tentação experimentada por Severino, no poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto. A um dado momento, o retirante pergunta a alguém se vale a pena continuar vivendo, diante de uma vida tão severina. Ouviu, então, como resposta: é melhor lutar com as mãos do que deixá-las abandonadas para trás.
Sim, navegar é preciso; todavia, contrariando o poeta italiano Petrarca (século 14), estou convencido de que também viver é preciso.
Mas, o que fazer diante dos tsunamis que enfrentamos no dia a dia? A vida me ensinou que as grandes transformações do mundo nasceram de pessoas que tiveram a capacidade de sonhar grande e repartiram seus sonhos com outras pessoas que, por sua vez, os assumiram como seus. E há sonho mais belo do que aquele que diz respeito a uma vida que seja melhor para todos e não apenas para alguns?
Como veem, já estou me posicionando. Tenho a convicção de que só conseguirei mudar o mundo se olhar o outro --isto é, cada pessoa-- como um irmão ou uma irmã. Se para Sartre “o inferno são os outros”, para mim os outros me completam, me enriquecem, me ajudam a conhecer meus limites e despertam em mim mil energias. Longe de ver o outro como um adversário ou inimigo, vejo-o como um irmão que torna a minha vida melhor. Não viveria contente numa ilha isolada e inacessível aos outros, mesmo que nela eu tivesse à disposição tudo aquilo de que necessito.
Dou minha colaboração para mudar o mundo à medida que trabalho e luto para fazer dele uma casa para todos --insisto, para todos, e não apenas para um grupo
Há quase 60 anos a maioria dos países do mundo assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi um gesto louvável, que fez nascer a esperança no coração de muitos. Mas são necessários ainda muitos outros passos para que a esperança se torne realidade.
Enquanto houver pessoas ou famílias que não têm pão, casa, escola, saúde e emprego, não poderei abandonar minhas mãos para trás. Alegro-me ao ver se multiplicarem iniciativas que despertam em multidões o desejo de assumirem trabalhos voluntários. Tais pessoas deixam um rastro de luz à sua passagem.
Vivo num mundo que vê se multiplicarem marcas de violência por toda a parte. Bem dizia um dos personagens de Guimarães Rosa, em “Grande Sertão, Veredas”: “Viver é muito perigoso!”. Em contrapartida, animo-me com dom Helder Câmara, com a afirmação que é como que um resumo de sua vida: “Feliz de quem tem mil razões para viver!”.
Não tenho medo do futuro, porque descubro, a cada passo, o quanto de capacidade para o bem há no coração humano. Aprendi com meu mestre e senhor, Jesus Cristo, que é preciso conjugar, a cada dia, verbos como amar, doar-se, repartir, perdoar, respeitar, conviver etc. São “verbos” difíceis de se colocar em prática, eu sei, eu os experimento. Mas Jesus nunca afirmou que segui-lo e imitá-lo seria fácil. Conto, para isso, com Sua ajuda e procuro anunciá-Lo, pois compreendo cada vez melhor sua autoapresentação: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
É isso que enche minha vida de alegria; é isso que eu quero que todos experimentem. Anunciar Seu Evangelho é a melhor maneira que encontro para mudar o mundo, tornando-o melhor, muito melhor.
* Dom Murilo S.R. Krieger, 74, é arcebispo católico da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, primaz do Brasil. Catarinense de Brusque, é religioso, membro da Congregação dos Padres do Coração de Jesus e vice-presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).