Na madrugada de 1º de setembro, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) concluiu julgamento que barrou a candidatura ao Palácio do Planalto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a decisão, Lula fica impedido de concorrer, mas o PT tem o prazo de dez dias (a partir da decisão) para indicar um substituto. O nome natural é o do vice na chapa, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad. Até o momento, o partido diz que a candidatura do ex-presidente está mantida, e que a sigla vai recorrer da decisão ao STF (Superior Tribunal Federal). Mas a expectativa é de que, com um candidato ou com o outro, o programa econômico do PT permaneça o mesmo.
Resposta por Marcio Pochmann, assessor econômico da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Estado mínimo ou desenvolvimentismo, não há no momento uma discussão por terceira via. Por um lado, você tem uma agenda do golpismo, que é a continuidade destas reformas que começaram em 2016. Por outro, temos a agenda do legado, que é recuperar os legados dos governos petistas. Você vê que, no debate, mesmo o Lula não estando lá, a discussão ficou em torno destes dois caminhos.
Esse oitavo programa de governo do PT -- já apresentamos outros sete nas eleições passadas -- talvez seja o mais ousado de todos, principalmente em duas propostas para a sociedade que não estavam presentes nos programas anteriores. Vamos romper com a herança do atual governo, não haverá nenhuma continuidade.
A Ponte para o Futuro precisa ser enfrentada, desconstruída. Nos outros programas, havia críticas aos governos anteriores, mas nunca sinalizamos com um rompimento total com o que estava sendo feito. Desta vez, temos uma oposição muito radical à agenda do golpe.
Depois disso, de rearrumar a casa sem resquícios do golpe, temos que olhar para o que vem pela frente: sinalizamos a necessidade de uma nova Constituição/Constituinte. É a única forma de fazer as reformas necessárias. Com este Congresso, não vai ter conversa, não vai mudar nada. Precisamos fazer a reforma dos meios de comunicação da mídia, reforma política, bancária, tributária. Isso tudo só sai por meio de uma Constituinte. É preciso reformar a Constituição, esse é o ponto. A forma como vamos fazer isso ainda não está detalhada. A Constituição de 1988 foi tão mexida. Nós precisamos do ambiente da Constituinte para conseguir avançar com as reformas necessárias. O PT foi governo por 13 anos, tentou várias vezes mexer nestes pontos e não conseguiu. Com o nosso Congresso, é muito difícil trabalhar.
A crise econômica junto com a sensação de insegurança está muito ruim e muito pesada para o brasileiro. A questão é urgente, olhar a segurança sem ser apenas pela ótica da repressão. É só ver o Rio pós-intervenção militar. A situação só piorou.
Também precisamos de um plano econômico de emergência: caímos em uma armadilha recessiva. Colocam o problema fiscal na frente do problema da falta de crescimento econômico. Está errado, o país tem que voltar a crescer primeiro, para daí, sim, resolver a questão fiscal. É preciso, antes, gerar emprego e renda para resolver o déficit.
Entendemos a questão da reforma da Previdência como algo necessário, mas outro tipo de reforma e entendida fora do ajuste fiscal, do corte de despesas.
A forma apresentada pelo Temer e defendida por várias candidaturas leva a uma polarização ainda maior na sociedade, com a qual vai ser muito difícil conseguir qualquer avanço. A experiência do PT foi de sempre tentar aperfeiçoar o sistema de seguridade social. A proposta que está apresentada, na prática, acaba com a seguridade social no Brasil. Na nossa visão, o problema da Previdência são os privilégios de alguns vários regimes especiais de previdência, não o regime geral que atende ao trabalhador. O problema da Previdência são os privilégios e desigualdades, não o sistema em si.
Também vamos tratar a reorganização e controle do sistema financeiro. O Banco Central, conosco, terá duas funções: 1 - a função que já existe, que é garantir a estabilidade monetária; e 2 - meta de crescimento: hoje, o BC não tem isso, ele é responsável apenas pela estabilidade da moeda, custe o que custar. Na nossa visão, ele deve ser responsável também pelo crescimento econômico, e deve garantir o melhor custo benefício para os dois fins, e não apenas a estabilidade. Hoje, para segurar a inflação, elevam-se os juros que causam estagnação na economia.
Em segundo lugar, vamos fazer um tributo regulatório sobre os juros. Até determinado ponto, os bancos ficam livres de tributo. A partir de um certo ponto, serão tributados de forma progressiva de acordo com os juros que cobrarem.
O sistema bancário brasileiro, o mercado de crédito, é o segundo mais concentrado do mundo, o primeiro é a Holanda. Nisso, a ideia é colocar os bancos públicos a serviço do país, operando com uma lógica diferente da de bancos privados, que é como os bancos públicos operam hoje. O banco privado está lá, em última instancia, para dar lucro para os donos. O banco público não está lá para dar lucro, está lá para servir aos interesses do país, não de algum dono.
Na economia mista, como a do Brasil, as empresas públicas têm uma função social. Não fosse assim, não teria sentido nenhum em ter bancos e empresas públicas. Então, vamos colocar os bancos para forçar a competição, sim.
Sobre a reforma tributária, temos duas iniciativas: a primeira é ampliar a quantidade de renda disponível para o trabalhador, através de uma isenção maior na faixa de renda e correção da tabela de imposto de renda. Agora, não temos condição de abrir mão de receita neste momento, muito pelo contrário. Assim, em segundo lugar, vamos aliviar a carga tributária na base da pirâmide e cobrar mais do topo.
Vamos cobrar imposto de renda sobre lucros e dividendos, que o FHC cortou quando era presidente. Entendemos que a reforma trabalhista que foi feita prejudica a arrecadação, tanto do governo quando do INSS, ao estimular o trabalho informal e precário, e isso também terá de ser corrigido
Também vamos tentar simplificar o sistema tributário, talvez substituindo boa parte dos tributos existentes por um sobre transações financeiras, o modelo ainda está sendo desenhado.
Sobre as obras de infraestrutura, que precisam ser retomadas, apontamos para a criação de um fundo para infraestrutura, ciência e inovação. Com um pedaço das reservas internacionais, estudos conservadores apontam para 10% dos US$ 380 bilhões de reservas, seria suficiente para começar. Isso seria o lastro de financiamentos concedidos pelo BNDES, com emissão de debêntures para as empresas interessadas em participar destes projetos em forma de concessão ou parcerias. Isso seria uma sinalização importante para atrair mais investimentos privados para estas obras. Liquidez internacional existe, mas ninguém vai investir antes de o pais voltar a crescer de forma sustentável, antes de saber o que esperar.