Resposta por João Ricardo Soares, integrante da coordenação da campanha de Vera Lúcia (PSTU)
Toda e qualquer medida, sejam as emergenciais ou estruturantes, para enfrentar a catástrofe social em que nos encontramos depende, no fundamental, do sentido do diagnóstico.
Agora bem, a afirmação genérica de que o Brasil "é um país quebrado" oculta mais do que revela o sentido da crise atual. Em um país no qual 0,5% da população ativa concentra 43% de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros à Receita Federal, a maioria da classe trabalhadora destina mais de 10% da sua renda (2017) para pagar juros de dívidas, totalizando R$ 354,8 bilhões. Valor que corresponde a 10,8% da renda anual das famílias e o equivalente a mais de 5% do PIB, dando aos bancos lucros astronômicos, em plena "crise". Talvez esse elemento da realidade seja mais próximo de um diagnóstico.
E quem sabe esta contradição aberrante force uma conclusão distinta: "o país está quebrado" para a maioria da população trabalhadora, mas não para uma minoria que figura na lista dos bilionários da Forbes.
O modelo econômico dependente, baseado na exportação de produtos primários, que é incapaz de gerar emprego e distribuir riqueza, administrado pelo PSDB-PT, gerou a ilusão de um "desenvolvimento" fictício, baseado no endividamento das famílias e do Estado, e foi interrompido.
A esta "crise", o governo Dilma/Temer respondeu com medidas profundas de austeridade, cujo resultado não foi outro que aumentar a catástrofe social sobre a maioria da população trabalhadora em todos os seus estratos.
As medidas emergenciais e estruturantes que propomos, todas elas, estão destinadas a inverter a lógica com a qual Dilma/Temer enfrentou o esgotamento do ciclo econômico baseado na exportação de produtos primários.
Diz-se, no diagnóstico do senso comum, que o principal dilema que enfrentará o próximo governo está fundado no tão propalado déficit fiscal, e os que simplesmente olham os números, e não as relações que os determinam, nos apresentam um diagnóstico impressionante: "(O) déficit fiscal é um problema de arrecadação”. Nenhuma palavra sobre a dívida pública e o que ela consome do orçamento do Estado: somente neste ano já pagou mais de R$ 250 bilhões (dados da Fiesp).
Além de absorver, anualmente, cerca de metade do orçamento federal (entre pagamento de juros, amortizações) e boa parte dos orçamentos estaduais e municipais, a chamada dívida pública tem sido a justificativa para contínuas contrarreformas, como a da Previdência, além de privatizações e outras medidas de ajuste fiscal: aumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU) e dos entes federados (Drem) para 30% por meio da EC93 (Emenda Constitucional); e a aberração da EC95, que submeteu o conjunto das despesas primárias a um teto rebaixado por 20 anos, para que sobrem mais recursos ainda para as despesas não primárias, que são justamente as despesas financeiras com a dívida.
A esta sangria do orçamento público, se agregam as obscuras isenções fiscais do governo de Dilma, que, segundo cálculos aproximados, chegam a meio trilhão de reais. Somente em 2017, os benefícios e incentivos fiscais representaram uma perda de R$ 354,7 bilhões, o que significa cerca de 30% da receita líquida do governo no ano. Se agregarmos a farra do Refis, chegou a dar 70% de descontos nas multas e 90% de descontos nos juros. Podemos entender melhor que o tão propalado déficit fiscal é uma decisão política de um punhado de parasitas para assaltar os cofres públicos.
Se o Estado suspende o pagamento da dívida e cobra seus devedores, sem aumentar um centavo de impostos, haverá recursos para investir na saúde, educação e obras públicas.
As medidas emergenciais que tomaremos estão vinculadas a acabar com o assalto do orçamento do Estado: suspensão do pagamento da dívida pública; anulação de todas as medidas de isenção fiscal e cobrança imediata da dívida fiscal estatizando as empresas que não paguem; anulação da EC95, que congela os gastos sociais
A partir daí, os dilemas enfrentados pelo país --a falência da educação pública e qualificação da mão de obra; os investimentos necessários no sistema de saúde pública e as obras relativas a moradia, saneamento básico e mobilidade urbana-- podem ter outra perspectiva.
A segunda medida emergencial está vinculada ao genocídio social fruto do desemprego. Segundo o IBGE, a população fora da força de trabalho (64,9 milhões de pessoas) cresceu 0,8% (ou mais 537 mil pessoas), em relação ao trimestre de setembro a novembro de 2017, e chegou ao seu maior nível na série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012. Frente ao mesmo trimestre de 2017, houve estabilidade.
No segundo trimestre deste ano, existiam mais 15,2 milhões de lares onde ninguém trabalhava, comparado ao período de 2018. Um em cada cinco domicílios não tinha renda fruto do trabalho formal (ou informal).
Tudo isso ocorre depois de aprovada a reforma trabalhista de Temer, cuja principal justificativa para retirar direitos duramente conquistados era “gerar empregos”.
Qual a razão de tamanha insanidade? Temos fora da força de trabalho uma população superior à da Argentina (43,85 milhões).
Isso significa miséria, pobreza, degradação moral e violência. Seres humanos submetidos à humilhação de todo tipo porque não conseguem alimentar suas famílias.
Propomos, de imediato: a anulação da reforma trabalhista de Temer; a redução da jornada de trabalho. E, com os recursos advindos da suspensão do pagamento da dívida, a estruturação de um plano de obras públicas voltadas para a melhoria da qualidade de vida -- saneamento básico e moradias -- entre as prioridades que permitam minorar esse descalabro social.
As medidas de curto prazo devem ser vinculadas a uma profunda discussão sobre a falência do capitalismo brasileiro em garantir emprego, saúde, educação e um futuro para a juventude, que encontra emprego como soldados do narcotráfico pela insanidade da criminalização das drogas.
Uma imagem talvez possa explicar melhor do que mil palavras o modelo de "desenvolvimento" tocado pelo PSDB/PT: o Brasil importa trilhos de trem da China, que o fabrica em empresas estatais com o minério de ferro exportado pela Vale, uma estatal privatizada.
Com 76% da população concentrada nos espaços urbanos (pela nova metodologia do IBGE), e tendo como centro de sua economia a exportação de produtos primários, com uma agricultura voltada para a exportação, e cada vez mais mecanizada, jamais será encontrada qualquer solução para o ritmo de crescimento de empregos urbanos e o nível de investimento necessários para criá-los.
Enquanto um pequeno setor da população -- exportadores e os bancos que os financiam -- segue ganhando rios de dinheiro e financiando os partidos que se renovam no governo para manter o mesmo modelo, não há qualquer possibilidade de mudanças reais.
A exclusão de mais de 60 milhões de pessoas da força de trabalho não afeta, no fundamental, os seus lucros.
Assim, a estatização do sistema financeiro brasileiro pode reunir as condições para que o Estado conduza o ritmo de investimentos necessários não somente à criação de empregos, mas e também para reverter a localização do país na divisão internacional do trabalho.
É necessário interromper o curso da reversão colonial trilhado nestes anos, não há qualquer futuro para um país que na época da nanotecnologia tem como um dos principais grupos econômicos uma empresa de exportação de carne.
Qual seria a lógica econômica que determina o fato de que cerca da metade da população economicamente ativa não gere riquezas?
O capitalismo brasileiro traçou o limite de sua própria expansão ao concentrar-se nos produtos primários. Ao mesmo tempo em que os grandes monopólios industriais nacionais, dependentes da importação de tecnologia, tampouco estão a favor de uma ruptura da ordem atual que implique em autonomia tecnológica e destinar uma fração dos seus lucros para qualquer autonomia neste terreno. Preferem que parte do país seja excluída da geração de riquezas para manter os baixos salários e assim seguir acumulando com a miséria.
A incorporação dos milhões de excluídos de um modelo capitalista parasitário e concentrador de renda, principal problema do país, implica em romper com a subordinação do país como produtor de produtos primários, e isso envolve toda a cadeia produtiva. Ao dar este passo, seguiremos inexoravelmente para a estatização dos cem maiores grupos econômicos nacionais.