Resposta por Marco Antonio Matins Rocha, assessor econômico da campanha de Guilherme Boulos (PSOL)
Devemos ter uma política incisiva para resolver a crise econômica e gerar empregos. Temos um plano de recuperação econômica que não é apenas um plano emergencial, mas também um plano estruturante para a retomada de um projeto de desenvolvimento nacional voltado para atender as necessidades da população brasileira. O programa econômico tem três pilares fundamentais: um plano de política produtiva e tecnológica atrelada a um conjunto de obras públicas, com forte efeito sobre emprego e renda; um plano de reestruturação dos mecanismos de intervenção do Estado na economia, para retomar o papel estratégico das empresas estatais e bancos públicos; e uma proposta de reformulação da gestão macroeconômica, para recuperar a capacidade do Estado de realizar políticas fiscais anticíclicas. Nesse último ponto, é fundamental propor a revogação da Emenda Constitucional 95 (EC95).
Em segundo lugar, precisamos recuperar a capacidade dos agentes privados realizarem gastos e investimentos. As famílias e empresas encontram-se com um nível elevado de endividamento, com o custo das dívidas absorvendo uma parte significativa das receitas. Precisamos promover através dos bancos públicos a renegociação e redução do custo do endividamento privado. Essa medida visa permitir que famílias e empresas reajam mais rápido à retomada do crescimento econômico, elevando o consumo e investimento privado.
Como disse, entendemos que qualquer plano emergencial deve também ser um plano estruturante para que, a partir da crise, se coloque um projeto de desenvolvimento nacional. Precisamos reformular a maneira como é feita a política produtiva e tecnológica no Brasil. É possível atrelar um plano de investimentos focado em infraestrutura social, como mobilidade urbana, saneamento e saúde, mas que comporte uma série de ações transversais que promovam a geração de inovações e o aumento da competitividade de empresas brasileiras em setores que são relacionados com essas atividades, como bens de capital, material de transporte, tecnologias da informação e todo um conjunto de novas tecnologias que terão ampla utilização no tratamento de resíduos, na área de saúde e no controle da logística de passageiros, assim como uma gama ampla de tecnologias voltadas à transição para energias limpas e redutoras do impacto ambiental.
A vantagem desse tipo de desenho de política, que é organizado a partir de missões para a solução de problemas que afligem sobretudo as grandes cidades, é justamente tentar gerar rapidamente contrapartidas para a população, dar legitimidade para políticas industriais e de ciência e tecnologia de grande porte, evitar lobbies setoriais e habilitar as políticas de compras governamentais para a promoção de competitividade em atividades produtivas de maior complexidade. Pretendemos aplicar essa mesma lógica às políticas de desenvolvimento regional, direcionando as instituições voltadas a essa tarefa para políticas que relacionem os problemas regionais com soluções tecnológicas geradas localmente com apoio do setor público.
Nesse sentido, vemos não só as empresas estatais e bancos públicos como peças importantes nesse processo, como todas as instituições públicas de pesquisa, como Fiocruz, Embrapa, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e as universidades públicas espalhadas no país, como instrumentos estruturantes desse programa de desenvolvimento. Outra medida importante é a renegociação das dívidas dos estados e municípios, com a possibilidade de que parte do pagamento do serviço das dívidas possa ser trocado por investimentos públicos realizados pelos Estados e municípios.
Por fim, é necessário recuperar a capacidade fiscal do Estado. O primeiro ponto é modificar a estrutura de regulação sobre as operações financeiras, especialmente o mercado cambial e o interbancário. Com isso, será possível reduzir a volatilidade macroeconômica e reduzir o custo da dívida pública. O segundo ponto é a revisão das renúncias fiscais, com a redução desses gastos tributários e o redirecionamento de certas renúncias para programas que gerem maiores contrapartidas para a população. O terceiro ponto é a ampliação da carga tributária sobre patrimônio e renda incidente sobre os muito ricos. Essa medida, que não terá impacto na classe média e nos mais pobres, juntamente com as demais, tem um potencial de disponibilizar cerca de R$ 260 bilhões nos próximos anos para que seja formado um fundo para a recuperação econômica.
Entendemos que a Previdência é um mecanismo de proteção social aos trabalhadores que não se encontram capacitados para trabalhar, seja por invalidez ou idade, e um mecanismo de solidariedade entre gerações. Portanto, nossa proposta de programa defende um modelo de Previdência baseado em um sistema único de Previdência social calcado no princípio da repartição, sendo financiado por empregadores, trabalhadores e governo. A intenção é ir progressivamente migrando para um sistema que seja quase integralmente baseado em um regime de repartição/solidariedade.
Pensamos que é necessário discutir nosso regime de Previdência atual, mas atrelar isso à solução da questão fiscal no curto prazo é falso
Mesmo uma reforma extremamente prejudicial aos trabalhadores teria poucos efeitos sobre o déficit fiscal federal no curto prazo. Portanto, qualquer reforma deve ser feita a partir de um amplo debate com a sociedade, conduzida por um governo legitimamente eleito, colocando essas questões com um horizonte de médio prazo. Mas, principalmente, dentro de um debate que coloque no centro a reestruturação do sistema de seguridade social, tal como foi estabelecido na Constituição de 1988, e que foi desmontado através de sucessivas rodadas de desvinculação de receitas da União.
Outra questão importante é discutir o quanto do suposto déficit tem origem na Previdência rural e não na urbana. Como os trabalhadores rurais ficaram fora da constituição do sistema previdenciário, o reconhecimento da Previdência rural foi o reconhecimento de uma dívida histórica da sociedade brasileira e tem que ser considerada como tal. Além disso, os benefícios da Previdência rural têm uma importância imensa na viabilização das economias de pequenas cidades no interior do Brasil, que deve ser considerado. Temos que colocar isto na equação, não podemos promover uma reforma da Previdência que possa ter como efeito a desestruturação da economia de diversas cidades no interior do Brasil. Não consideramos a reforma da Previdência, tal como ela está proposta, como algo estruturante da economia, muito pelo contrário. As medidas do governo Temer, incluindo a reforma trabalhista e o teto dos gastos, são medidas profundamente desestruturantes da economia nacional. Devem ser revogadas, juntamente com os leilões do pré-sal realizados no governo Temer, a privatização das coligadas da Eletrobrás e a venda de parte da Embraer.
Não é tanto uma questão de escolha. Como disse anteriormente, o setor privado encontra-se em situação de alto endividamento, com as receitas parcialmente comprometidas com o pagamento de juros. Sem previsão de aumento da demanda, o setor privado não irá investir. Como o comércio internacional demonstra tendência de baixo crescimento nos próximos anos e o setor privado não irá investir por conta do alto grau de endividamento. Somente o setor público terá condição de, no curto prazo, agir para reativar a demanda doméstica. Como pretendemos agir também para a redução do endividamento do setor privado, a expectativa é que, a partir do investimento público, o investimento privado possa se recuperar rapidamente.
Através dos bancos públicos, como instrumentos para acirrar a competição no mercado bancário e promover a redução do custo do crédito. No caso das famílias, a intenção é promover uma ampla renegociação das dívidas com a possibilidade de migração para os bancos públicos.
O segundo ponto a ser estudado é a promoção da facilitação do acesso ao crédito do BNDES por micro, pequenas e médias empresas. Nos anos recentes, o BNDES já vem promovendo a ampliação da participação das micro, pequenas e médias empresas nas suas modalidades de financiamento, e a intenção é ampliar e facilitar o acesso às linhas de financiamento do BNDES para um conjunto de empresas que encontram dificuldades em acessar, seja por conta das garantias exigidas ou pelo custo dos spreads da intermediação financeira.
Uma parte considerável desse contingente é consequência da reforma trabalhista do governo Temer, que não só não reverteu o quadro de desemprego como ampliou o grau de precarização do trabalho. Reconstruir a estrutura de regulamentação do trabalho é necessário inclusive para dar sustentação ao crescimento do mercado de consumo doméstico. Por exemplo, a incerteza quanto ao rendimento e permanência no trabalho praticamente impossibilita um conjunto grande de famílias de recorrer ao crédito para o consumo de bens duráveis que geralmente são pagos à prestação.
Com a reversão da política de ajuste fiscal, será possível retomar o crescimento econômico através de um programa amplo de reestruturação da infraestrutura, sobretudo a infraestrutura urbana e viária, com efeitos diretos sobre emprego e renda e com efeitos de encadeamento importantes sobre a demanda por bens industriais. Essas medidas, dada a capacidade ociosa da indústria nacional, têm capacidade de recuperar rapidamente o crescimento econômico.
Com planejamento estatal e com a reestruturação de políticas de grande porte voltadas ao aumento da complexidade tecnológica e da competitividade sistêmica da economia brasileira. A questão é como reestruturar essas políticas e fazer com que elas dialoguem com a população. Essa é uma condição necessária para que possamos garantir o apoio político amplo a essas políticas. Os desafios não são pequenos, de um lado temos a China, realizando políticas industriais de grande envergadura e ampliando as escalas produtivas em diversos setores onde antes a indústria nacional era competitiva. Por outro lado, temos mais um ciclo de mudança tecnológica se aproximando, com a chamada Indústria 4.0, que pode tornar aumentar ainda mais o hiato de competitividade da indústria brasileira.
Esses desafios impõem pensar a política de reestruturação da indústria nacional em uma perspectiva mais ambiciosa. Qualquer política mais pontual, e sem uma ampla mobilização política, terá pouco efeito sobre a perda de competitividade esperada para a indústria brasileira nos próximos anos. Por isso, é importante que tenhamos um plano de reindustrialização que fuja do recorte tradicional. A Operação Lava Jato teve um efeito devastador sobre um conjunto de grandes empresas brasileiras que formaram os pilares da política industrial do governo anterior. Boa parte dos atores tradicionais aos quais a política industrial no Brasil geralmente se articula não está disponível para assumir processos de diversificação produtiva e transferência tecnológica. Esse é um problema que qualquer governo terá que enfrentar para promover um programa bem-sucedido de política industrial. A estrutura empresarial brasileira foi significativamente afetada e deverá sofrer um processo de encolhimento pelos acordos de leniência. Será necessário repensar a estrutura política da política industrial no Brasil.
Essa conjuntura indica que o Estado terá que assumir um protagonismo maior em um processo de transformação da estrutura produtiva brasileira, seja pelo tamanho dos desafios colocados pela concorrência internacional, seja pelo nível de esvaziamento da matriz industrial brasileira ou seja pela debilidade em que se encontra a estrutura das grandes empresas nacionais
O programa possui como eixo central a articulação de um plano de geração de emprego e renda atrelado a um plano de desenvolvimento produtivo e tecnológico que tem como base os investimentos em infraestrutura. Entendemos que esses investimentos são estratégicos em vários sentidos. Eles garantem a ampliação da competitividade do sistema industrial como um todo, eles possuem efeitos diretos sobre a qualidade de vida dos trabalhadores, eles geram grande demanda sobre bens industriais que as empresas brasileiras possuem capacidade de produzir e capacidade ociosa para ocupar, e podem atuar como eixos de articulação da política industrial, científica e tecnológica voltada para o desenvolvimento nacional.
É importante requalificar um pouco a afirmação que as “contas estão quebradas”. O problema fiscal é sobretudo um problema de custo da dívida pública e retração das receitas provocadas pela retração econômica. Até mesmo instituições internacionais como o FMI estão revendo suas posições sobre a eficiência de se fazer um ajuste fiscal em meio à crise econômica. No debate internacional, está se formando um consenso sobre o papel do ajuste fiscal em ampliar os efeitos da crise econômica. O problema da dívida pública é muito mais um problema de custo financeiro do que de volume da dívida pública. Para colocarmos a dívida em uma trajetória sustentável, devemos primeiramente recuperar o crescimento econômico. A austeridade provocou uma catástrofe social e aumentou a dívida pública em mais de 20 pontos percentuais desde 2015.
Portanto, retomar as condições para o crescimento econômico é a primeira tarefa fundamental para recuperar as receitas tributárias. A segunda tarefa é reduzir o peso fiscal dos encargos financeiros no orçamento da União e rever as renúncias fiscais que não fornecem contrapartidas claras para a população. Com isso, é possível abrir um espaço para que o gasto público possa ir gradualmente aumentando em áreas como saúde e educação.
O aumento da criminalidade é algo diretamente relacionado à completa deterioração da economia nacional e à falta de perspectiva quanto à melhoria das condições de vida da população brasileira. Por isso, é importante não apartar o problema da segurança pública da questão da desigualdade social e da falta de um projeto de desenvolvimento econômico.
Outro ponto importante é que várias soluções na área de segurança não custam tão caro assim, quando comparadas com outros gastos do governo. Isso significa que é possível melhorar muito os resultados com o redirecionamento do foco das políticas de segurança. Primeiro, é preciso adotar uma nova política de drogas no Brasil e fortalecer a rede socioassistencial, para que se libere recursos para a aplicação na modernização da infraestrutura de trabalho das polícias e para que haja realmente uma política que evite a entrada de jovens na criminalidade.
Em segundo lugar, é preciso que haja um maior controle de armas. O Brasil é um país em que há uma facilidade imensa para se conseguir uma arma de fogo, e além disso, é de fundamental importância que haja uma política voltada para a valorização dos profissionais de segurança pública, com melhores salários e com uma carreira mais bem estruturada, mas também com investimentos em produção de dados, organização e integração dos sistemas de informação e inteligência.
Só gostaria de voltar ao ponto sobre a inviabilidade da política econômica atual. Em 2019, a EC95, que impõe o teto dos gastos públicos, terá pouca chance de ser cumprida. Isso, além de colocar um problema imediato de governabilidade para o próximo presidente, que assumirá o mandato já tendo que negociar com o Congresso eleito a modificação de uma emenda constitucional, correndo o risco de sofrer um processo de impeachment ao fim do ano, vai produzir uma tragédia social em grandes proporções. A emenda tenderá ainda mais a agravar o problema da governabilidade.
A política de austeridade já vem produzindo a desestruturação de todas as políticas públicas, provocando o aumento da mortalidade infantil, a volta de doenças praticamente erradicadas e o aumento do número de famílias em situação de pobreza. Tudo isso, sem nem sequer promover algum tipo de recuperação econômica substancial nem resolver o problema fiscal. Essa política é desastrosa em todos os sentidos, seu único propósito é promover o desmonte do Estado brasileiro e a privatização de todos os serviços públicos. O programa proposto pela candidatura de Guilherme Boulos é uma resposta a essa política e uma proposta de sua substituição por um projeto de desenvolvimento nacional, focado na geração de emprego e na redução das desigualdades.