Coisa de Preta é...

...peitar o racismo e a gordofobia. Ser avó e tentar ter outro filho aos 40, mesmo após sofrer dois abortos

Natacha Cortêz da Universa, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

Preta Gil se diz uma "negra privilegiada". O pai famoso, o dinheiro e o cabelo liso amenizaram o racismo que ela poderia ter sofrido. Vez ou outra o preconceito a alcança, sim. Mas Preta não é de levar desaforo para casa.

É assim desde que se lançou como cantora, há 15 anos. Na capa do álbum "Prêt-à Porter", estreou nua e sorridente. Um escândalo para um país que até hoje é cruel com a mulher negra, gorda e bissexual como ela. "Dizem que preciso emagrecer, me chamam de baleia... Mas me acho linda!"

Os julgamentos nunca cessaram. Imagine agora, que se casou com um homem 16 anos mais novo? "Cansei de ouvir que meu marido está comigo por interesse."  

À Universa, Preta conta como reage à discriminação, assunto que permeia seu novo álbum, "Todas as Cores". Fala ainda sobre como é ser avó aos 43, ao mesmo tempo em que tenta ser mãe novamente, após o trauma de dois abortos espontâneos.

"Ser filha do Gil me colocou numa bolha. 'É negra, mas tem pai famoso'"

Bruno Poletti/Folhapress Bruno Poletti/Folhapress

"Minha lista de homens chegou ao fim"

O personal trainer e agora produtor de Preta, Rodrigo Godoy, 27, é o quarto marido da cantora. Mas o primeiro com quem ela se casou na Igreja e de papel passado, foi em maio de 2015. "Minha lista de homens chegou ao fim", decreta, apaixonada.

Preta foi casada com o ator Otávio Müller, pai de Francisco, 22, seu único filho. Também teve relacionamentos com os atores Caio Blat, Paulo Vilhena e o apresentador Marcos Mion. "Se eu der um Google na lista das ex-namoradas do meu marido, não acharei nada. Se meu marido fizer isso, vai achar todo mundo lá. Complicado..."

Acham que só peguei homem bonito. Fico com dó dos feios que não são listados. É importante dizer foram muitos! Não gosto de homem bonito

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

"Amo ser vó. O prazer de ser mãe veio com a angústia"

Preta diz que não estava preparada para ser avó aos 40 anos. Seu filho, Francisco, tinha 19 anos, e a namorada dele, a modelo Laura Fernandes, 17, quando Sol de Maria, hoje com 2, nasceu. "Foi um susto no primeiro momento", diz.

A avó descreve a neta como "um amor súbito". "A Sol é uma das maiores emoções que vivi. Quando fui mãe, tinha só 19 e muito medo. Então, o prazer de ser mãe veio junto com a angústia."

O carinho com a neta e o novo casamento reacendeu um antigo sonho de Preta: ter outro filho. "Rodrigo tem um desejo forte de ser pai. Estamos tentando todo mês, uma hora vai vir um bebê, com certeza."

"Perdi dois bebês e já com a gravidez bem avançada"

"Me endividei na Daslu. Tive que me desfazer de um apartamento"

Bem antes de se tornar cantora e estrela do carnaval de rua, Preta trabalhava no meio publicitário. Ao lado da ex-sócia, Monique Gardenberg, comandava a Dueto Filmes. "Aos 23, eu parecia uma executiva de 30 e poucos. Trabalhava 24 horas, era workaholic". 

O trabalho, segundo ela, "não alimentava a alma". "Era um escape", que rendeu outro escape. "Um dia descobri uma loja que vendia roupas importadas, dessas que eu precisaria viajar para comprar. Era a Daslu. Comprei uma bolsa, um sapato. Do dia para noite me vi comprando muito. Lembro que ia compulsivamente na loja."

Preta só parou de comprar quando a conta do cartão de crédito causou desespero. "Extrapolei o bom senso. Tive que me desfazer de um apartamento, que era meu único bem na época, para pagar as dívidas."

Tratei meu vício na terapia. Descobri que estava descontando toda minha angústia nas compras

"Sofri com remédios para emagrecer. Fiz lipo por impulso"

Para muitas mulheres, ser chamada de gorda é ofensivo. Não para Preta - e olha que isso acontece todo dia nas redes sociais da cantora. Quando ela posta uma foto só de calcinha em seu Instagram, os ataques são mais agressivos.

Uma imagem recente de biquíni, que virou notícia na internet, causou revolta. "'Você deveria ter vergonha de postar uma foto dessas, cheia de celulite’ foi o mínimo que li", diz. "Gorda nunca foi um xingamento para mim. Sei que as pessoas são cruéis, mas aprendi a ignorar a carga preconceituosa."

Hoje sou feliz com meu corpo. Ele é resultado das minhas escolhas, da minha história e da mulher que me tornei 

Mas nem sempre foi assim. Preta diz que já sofreu muito para tentar se enquadrar nos padrões. "As pessoas me cobraram tanto, que comecei a comprar as nóias que elas me impunham."

Preta diz que a busca pela perda de peso a fez cometer loucuras. "Sofri, fiquei histérica por causa de remédios para emagrecer, fiz uma lipoaspiração por impulso. Quando fiquei magra, não me via naquele corpo. Foi uma época muito triste."

"Bela pede para trocar cheeseburger por quinoa. Não dá!"

As comparações entre as irmãs Preta e Bela Gil são constantes e já renderam até campanha publicitária pautada nos discursos antagônicos que as duas representam. Nada que crie rusgas entre elas - que já enfrentaram situações bem mais delicadas. 

"Bela tinha 15 anos e eu uns 28 quando namorei o JP [João Paulo Demasi, hoje marido de Bela Gil]. Durou uns dois anos a relação. Passou um tempo e um dia minha irmã me contou: 'Estou namorando o JP'. Lembro que apenas disse pra ele: 'Cara, cuida da minha irmã!'. E é o que ele tem feito, é um homem incrível".

Você já quis ser Bela Gil por um dia?
Quase todos os dias! Ela é uma das mulheres mais corajosas que conheço. Influencia toda uma geração de maneira positiva.

Como é a relação de vocês?
Bela sempre foi minha amiga. Quando nasceu, eu tinha 13, então ela foi minha boneca. Trocava o laço, vestia de Minnie...

Quando as pessoas comparam vocês duas, o que sente?
Não ligo. A verdade é que ainda sou essa pessoa que acorda de manhã e come um cheeseburger com refrigerante. Não tenho orgulho de me alimentar mal. Quando Bela fala: 'você podia substituir esse cheeseburger por uma salada de quinoa', eu digo 'Não dá! Não tenho maturidade para isso'. Mas fico triste quando vejo as pessoas fazendo piada com essa coisa da substituição.

Preta sempre foi minha ídola. Com uma risada contagiante, ela transforma os almoços da nossa família em festa. Sempre me senti mais feliz ao lado dela. Só amor de irmã explica

Bela Gil

Quem Preta inspira (e quem é musa de Preta)

Bruno Santos/ Folhapress Bruno Santos/ Folhapress

Pabllo Vittar

"Descobri há dois anos no YouTube e fiquei fascinada pela voz. Parecia Tetê Espíndola! Chamei para participar do meu novo álbum, 'Todas as Cores'. Quando nos conhecemos, ela me contou que, na adolescência, me viu no palco e foi tocada. Que bom que de alguma forma libertei um menino gay, afeminado, que talvez não conseguisse se assumir"

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Gal Costa

"É minha madrinha, mas demorei para tomar coragem e convidar para cantar comigo. No estúdio, enquanto gravávamos 'Vá se benzer' para meu novo álbum, vieram lembranças da infância, de quando ela me levava para passear. Era uma loucura, as pessoas a paravam na rua, ela parava o trânsito. Eu a via e achava aquilo tudo o máximo!"

"A bancada evangélica cresce e nós temos que gritar pelos nossos direitos"

Eu tinha medo de ser infeliz. Hoje, não tenho mais medo de nada. Quero continuar fiel a mim e a todas as minhas bandeiras. Sou uma mulher negra, gorda, assumidamente bissexual e feliz

Preta Gil

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