Guru feminista

Djamila Ribeiro, a ativista que conquistou Taís Araújo, Fernanda Lima e renovou o debate de gênero no país

Natacha Cortêz Do UOL, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

A cada 15 dias, às terças-feiras, Djamila Ribeiro, 37 anos, tem ponte aérea marcada. A filósofa deixa sua rotina em São Paulo para dar aulas de feminismo a um seleto grupo no Rio de Janeiro. Na casa da atriz Camila Pitanga, uma de suas alunas, se reúnem para ouvi-la outras estrelas globais como Fernanda Lima, Bruna LinzmeyerTainá Müller e Juliana Alves. “Elas querem estar empoderadas de informação”, explica a professora.

A trajetória de Djamila como guru feminista das famosas começou nas redes sociais. Com suas teorias sobre a condição feminina e o racismo, ela ganhou milhares de seguidores e um convite para ser consultora do "Amor & Sexo" - o programa mais vanguardista da Globo. A ideia de tê-la ali é justamente a de levar visões mais inclusivas e diversas para uma atração que fala com o grande público. Suas visitas ao “Saia Justa”, a mesa redonda feminista do GNT, é outra incursão da filósofa na televisão.

"Nem todo mundo lê textão no Facebook, mas o país inteiro vê TV. Quero disseminar o feminismo para não-convertidos", diz Djamila. "O Que é Lugar de Fala?", seu novo livro, faz isso: explica quando e por que uns devem falar e outros devem - apenas - ouvir a mulher. Especialmente a mulher negra.

Nesta entrevista, Djamila diz que não se sente representada pela única ministra negra do governo Temer, recorda o dia em que bateu de frente com o juiz Sergio Moro e prova por que, nas palavras da pupila Taís Araújo, é "uma mulher que deve ser ouvida com atenção nos dias de hoje".

"Quero discutir por que tem pouco negro na Globo"

As teorias acadêmicas de Djamila ganharam contornos pop nas redes sociais. É lá que ela segue acompanhando as opiniões do brasileiro sobre o racismo. "Vejo pessoas indignadas no Facebook, querendo mostrar o quanto são inteiradas do debate racial, sem antes fazerem um questionamento sobre o preconceito que carregam em si", diz.

A filósofa costuma dizer que, no Brasil, o racista só se incomoda com o racismo do outro. "As pessoas têm essa ideia de que racismo é humilhar o outro. Não entendem que é bem mais, que é um sistema de opressão que nega direitos a um grupo. E é esse debate, do racismo como sistema, que falta para avançarmos."

Nunca vi um político branco, que roubou milhões, ser amarrado e linchado. Um negro que rouba um celular é amarrado no poste

"Quero discutir por que na Globo há poucos negros. Quero discutir por que nas universidades há poucos negros."

"Era doloroso para a menina negra da minha geração assistir a Xuxa"

"Até me aceitar como negra, passei por processos difíceis"

Djamila nasceu em berço político. Caçula de quatro irmãos, filha de um estivador e de uma dona de casa comunistas de Santos, litoral paulista, cresceu frequentando protestos. "Meu pai batalhou e brigou muito para que a gente estudasse. Ele sabia que era o único caminho possível para os filhos", recorda.

No entanto, por mais que o discurso em casa fosse engajado, nos anos 80 a infância era passada em frente à televisão. "Não havia garotas negras na Xuxa. Via as paquitas e não me enxergava nelas. Era doloroso". Aceitar o cabelo crespo foi outro processo difícil. "Alisei muito, minha cabeça chegava a criar feridas". 

A religiosidade foi outro tema espinhoso na vida de Djamila. "Minha mãe era do Candomblé, sou iniciada na religião desde os 8 anos. Eu ia para a escola toda de branco e as crianças arrancavam o turbante da minha cabeça."

Neguei o Candomblé por muitos anos, mas há um tempo voltei ao terreiro. No Brasil, acham lindo a mitologia grega, mas a africana sofre perseguição

O que dizem as pupilas de Djamila:

Divulgação/TV Globo Divulgação/TV Globo

Taís Araújo

"Djamila é importante para todas as mulheres deste país, negras ou não. É uma acadêmica, mas se comunica de um jeito esperto e multiplica o que sabe. Eu me vejo nela. Precisamos parar para ouvi-la com muita atenção!"

Divulgação Divulgação

Fernanda Lima

"A Dja é uma militante doce, mas ao mesmo tempo, é pé na porta! Fiquei encantada com esse equilíbrio, além dos textos dela. Depois que participou do 'Amor & Sexo' pela primeira vez, não saiu mais de perto de mim."

Divulgação/TV Globo Divulgação/TV Globo

Juliana Alves

"Na luta das mulheres negras, a Djamila é uma combatente elegante e inteligente. Ela fortalece e ajuda a nos empoderar através do conhecimento e do debate. Sou muito grata a ela, nossos encontros foram enriquecedores"

"Não quero falar de feminismo para convertidas. Na TV eu furo a bolha"

Alan Marques/Folhapress Alan Marques/Folhapress

"A ministra Luislinda Valois não me representa"

Luislinda  Valois é ministra de Direitos Humanos no mandato Temer e única mulher negra nos primeiros escalões do governo. Mas Djamila não se sente representada por ela. A filósofa prefere criticar suas últimas atitudes. 

Luislinda reivindicou aumento para acumular seu atual salário com a aposentadoria de desembargadora. A cereja do bolo veio quando a ministra afirmou que deixar de receber o dinheiro "se assemelha a trabalho escravo".

Quando aparece um negro reacionário como a ministra, acham que nós, negros, temos que dar conta dessa pessoa. Ninguém lembra da cor do Temer ao criticá-lo como presidente

Djamila também já ocupou um cargo público. De maio a dezembro de 2016, foi secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo. Na época, a gestão municipal era de Fernando Haddad (PT). "Quando assumi a Secretaria de Direitos Humanos, ficaram escandalizados com o meu salário. Era o salário de todo secretariado. Por que eu ganharia menos?"

A filósofa fala aos seus haters na internet. "As mesmas pessoas que me humilham online, foram as que julgaram meu pagamento."

"Temer é uma vergonha nacional. Já o Dória... Lamento profundamente"

O dia em que Djamila confrontou Moro

Maio de 2017. Em um evento na London School of Economics, em Londres, Djamila estava na plateia para assistir a uma mesa redonda na qual o juiz Sérgio Moro era um dos convidados.

Quando perguntas foram abertas, a professora questionou o magistrado sobre seus posicionamentos à frente da Operação Lava Jato, criticou seu discurso de "populismo penal" e disse que os aplausos dados a ele eram "preocupantes". A situação foi filmada e o vídeo foi parar na internet e acabou viralizando. "Logo depois do impeachment da Dilma, um juiz, numa canetada, decide interromper as atividades do Instituto Lula. O que isso significa? Um juiz ser visto como herói nacional é extremamente preocupante. Juiz não deve ter lado, não deve ter partido. O judiciário brasileiro atual vive uma verdadeira ditadura, uma ditadura do judiciário."

Percebo uma arbitrariedade no Judiciário. O fato de um juiz ser aplaudido é preocupante

Dilemas feministas: professora Djamila responde!

  • Homem pode ser feminista?

    "Homens precisam discutir a masculinidade antes. Entender que ela foi construída de um jeito tóxico, pautada na agressividade. Simone de Beauvoir disse: 'o único homem feminista é o que enxerga a mulher como sujeito'. Como ainda são raros os que fazem isso, então digo que não, homens não podem ser feministas ainda."

  • Qual o papel do homem no feminismo?

    "Contribuir para a vida das mulheres. Se é um legislador, deve discutir a descriminalização do aborto, por exemplo. Se é um professor, deve pensar na bibliografia do seu curso: há quantas mulheres? Aliás, se você é professor, reprima um aluno que está assediando uma colega!"

  • Dá para ser feminista e dona de casa?

    "É possível sim. Porém, devemos lembrar sempre das mulheres que sequer tiveram a opção de não serem dona de casa. Agora, a mulher que de fato teve a escolha de ser, que são poucas, qual é o problema?"

  • Uma mulher religiosa pode ser feminista?

    "Sim. A religião negra no Brasil não é o candomblé, é a evangélica. Conheço feministas cristãs fazendo o trabalho importante de falar para essas mulheres que não só basta orar, tem que denunciar seu companheiro abusivo."

Dizem que sou raivosa e que poderia ser 'mais doce'. Qual o problema de uma mulher negra ser confiante? É isso que esperam de nós, que estejamos ali, de cabeça baixa, pedindo licença pra existir

Djamila Ribeiro

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