Uma mulher viril

Andréa Beltrão fala de amor (e poliamor), diz que sofreu assédio, e que, aos 54, gostaria de ser mais feminina

Adriana Nogueira Do UOL, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

Personagens ousadas, que enfrentam tabus com deboche, estão entre as mais marcantes de Andréa Beltrão. A Zelda Scott, da série "Armação Ilimitada" (1985), mantinha uma relação aberta com dois surfistas. Já como a protagonista de Radical Chic (1993), a atriz vivia uma adepta do sexo casual que, à beira dos 40, nem pensava em maternidade. 

Bem diferente delas, Andréa é casada há 23 anos com o diretor Maurício Farias e tem três filhos. Mas quem disse que uma mãe de família não pode ser uma mulher de vanguarda? Das novas formas de amar é uma observadora curiosa. "Poliamor é o maior barato. Só não é para mim". Também não tem medo de se posicionar diante de temas espinhosos. "Chega de mulher morrer fazendo aborto! Tem que descriminalizar!". "A Dilma sofreu golpe. Foi eleita, mas tirada de um jeito estranho."

Nesta entrevista, Andréa revela uma situação de assédio sexual na adolescência, diz como consegue manter um diálogo franco com os filhos, e que, aos 54, descobriu-se uma mulher masculina e viril, em busca de mais feminilidade.

"Gritei no ônibus: 'o homem está encostando o peru no meu ombro!'"

"Detesto esse lugar de 'mulher do diretor'"

Os seriados "A Grande Família" (2001-2014) e "Tapas e Beijos" (2011-2015), os filmes "Verônica" (2008) e "O Coronel e o Lobisomem" (2005) foram alguns dos trabalhos nos quais Andréa e o marido, Maurício Farias, dividiram o set. "Detesto esse lugar de mulher do diretor. Gosto de trabalhar com ele porque é um dos melhores do país."

Para separar a relação do trabalho, o casal tem um tratamento especial nos bastidores das gravações. "Um câmera que trabalhou comigo me deu o apelido de 'DiBeltrão'. Sou disciplinada, como um soldado", diz a atriz. "Meu marido nunca me chama de Andréa, só de DiBeltrão e eu respondo: 'pois não, senhor!'. Isso cria uma distância bem-humorada."

A atriz derrete-se ao falar do parceiro. "Acho o Maurício lindo, maravilhoso. Sempre olho para ele e penso: 'Tenho de tomar cuidado'."

Juntos desde 1994, os dois se casaram no civil em 2003. "Foi um casamento bagunçado, na nossa casa, com meia dúzia de pessoas e os nossos filhos de bermuda."

Todo dia é uma comemoração no nosso casamento. Quando nos encontramos o sentimento é de 'voltei para ele e ele para mim'

"Não busco barriga tanquinho. Aos 54, nem poderia"

Andréa mantém o corpo esguio e atlético aos 54 anos graças à prática de natação e vôlei. Mas garante que não tem nada a ver com vaidade, nem com preocupação com a saúde.

Sou louca por esporte. É o lugar da minha vida que não tem nada a ver com a minha profissão

Para ter esse espaço no dia a dia, ela acorda às 6h. Nada, joga vôlei e se exercita com a mesma professora --ela não usa a expressão personal trainer-- há 20 anos.

"Esse momento do dia não é o da barriga tanquinho. Nem poderia mais ser, com a minha idade. É a minha hora, na qual ninguém entra. É a hora da minha saúde mental."

"Nossa amizade é para alegrias e dores", diz Marieta Severo

A atriz Marieta Severo, 71, fala sobre a relação de décadas que cultiva com Andréa. 

"Andréa é uma das minhas melhores amigas há quase 30 anos. Juntas, fundamos dois teatros aqui no Rio, o Poeira e o Poeirinha, que só sobrevivem graças ao dinheiro que injetamos mensalmente. Esse sonho nasceu nos bastidores de 'A Grande Família'. Nossa amizade é de todas as horas, de todas as alegrias e de todas as dores. Difícil me acontecer algo, de bom ou de ruim, que eu não compartilhe com ela"

"Sempre falei de sexo com meus filhos. Nunca pequei por omissão"

Filhos da atriz estudaram em escolas públicas

Os pais de Andréa se separaram quando ela tinha dois anos. A atriz foi criada pela mãe e pela avó materna. O único irmão, Arthur, morreu aos 19, vítima de um aneurisma cerebral, quando ela tinha 31.

Marilena Viana, mãe de Andréa, é professora e inspirou um dos papéis mais famosos da atriz no cinema. No filme "Verônica" ela vive uma professora do governo que tem de enfrentar, em seu dia a dia, assaltos, tráfico de drogas e roubo de equipamento escolar. 

A atriz defende a escola pública não só no discurso, mas também nas escolhas. Os três filhos, Rosa, Francisco e José estudaram no Pedro 2º, colégio em que a avó deu aula.

Não tenho nada contra as escolas particulares, mas as públicas promovem uma mistura de conhecimento, de status social, de famílias

Esse interesse pelo tema deve render mais um novo projeto artístico. Andréa quer transformar a história de "Verônica" em um seriado para a TV. "Não seria para alimentar meu ego de atriz, de reviver uma personagem que gostei, mas para falar de um assunto palpitante, que é a educação."

"Chega de mulher morrer fazendo aborto"

O tema ainda é delicado e, uma pesquisa recente divulgada com exclusividade pelo UOL, mostrou que mais da metade dos brasileiros acredita que uma mulher que faz aborto deve ir para a cadeia.

Andréa, no entanto, não foge do debate e dá sua opinião.

O que você pensa sobre a descriminalização do aborto?
Faz aborto quem quer. Claro! O que é isso? Chega de mulher morrer fazendo aborto no quintal de não sei onde. Aborto faz quem quer.

É uma questão de saúde pública?
Claro. Como a camisinha, o anticoncepcional...

Você já fez um aborto?
Isso é uma questão de foro íntimo.

"Não acredito em Deus. Acredito nas pessoas"

A banda comigo toca de outra maneira. Meus encantos são outros. Sou uma mulher muito masculina e viril. Mais do que gostaria.

Andréa Beltrão

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