Pelado na ioga

Prática milenar indiana ganha "versão nude". Repórter tirou a roupa e conta tudo

Daniel Lisboa Colaboração para o UOL
Lucas Lima/UOL

A nude ioga chegou ao Brasil. Sim, é isso mesmo que você está pensando. Em tempos de timelines obcecadas por #força e #foco, a prática milenar indiana está de novas vestes. Ou melhor, despiu-se delas.

A moda de saudar o sol e fazer a prancha peladão veio de Nova York. Dizem os adeptos que executar as posturas da ioga, do jeitinho que viemos ao mundo, traz autoconhecimento e combate as rejeições que temos com nossos corpos.

O grupo "Nós Naturistas" organizou, em novembro passado, uma aula aberta de nude ioga em São Paulo. O convite postado no Facebook ganhou mais de três mil "likes". Cerca de 100 pessoas se inscreveram, mas só 30 desinibidos estiveram lá. Entre eles, eu.

Eu, que nunca havia ficado nu em público. Eu, que de tão resolvido com meu corpo, compro roupas duas vezes acima do meu tamanho, na esperança de sufocar os complexos sob vários centímetros de tecido.

Vestido, me senti ridículo entre os peladões

O encontro rolou na Casa da Luz - misto de centro cultural e balada escondido entre botecos pé-sujo do centrão. Subi alguns lances de escada e um aroma de incenso me dava pistas da direção que deveria ir.

Uns poucos peladões circulavam pela sala, mas a maioria estava vestida e acanhada. Ficou claro para mim que, quem estava mais à vontade, era da turma naturista. O resto se torturava com as mesmas angústias que eu. "Vão reparar quando eu tirar a roupa?". "Estou sendo ridículo por ainda estar vestido?". "E se chegar um conhecido, meu Deus?"

Nunca fui pudico, nem contestei moralmente a nudez. Meu problema é complexo puro e simples. Não sou desses que transa de roupa por vergonha do corpo, mas tenho minhas amarras. 

Se eu fosse o Tom Hanks em 'Náufrago', faria o filme vestido, receoso que a bola Wilson me julgasse

Engordei e emagreci várias vezes. Perdi uns 15 quilos recentemente, mas estou longe do galã padrão. Já levei a questão para a terapia e minha mãe, que é médica, teme que eu desenvolva um transtorno alimentar.

Naquela aula de ioga, estavam todos os meus fantasmas de aceitação. Eles assombraram minha psique imatura, enquanto eu aguardava o momento de revelar minha nudez a estranhos.

Você pelado é você de verdade

Na posição "flor de lótus", sentado de pernas cruzadas, Fred Schinke, um organizadores do encontro, acalmou minha alma constrangida. Garantiu que a vergonha de estar pelado passaria em alguns minutos. O propósito da nude ioga era justamente naturalizar a nudez, nos livrando dessa máscara diária: as roupas.

Sem a barreira física e simbólica das vestimentas, nos desarmamos do esforço de "passar uma imagem". Ninguém vai demonstrar interesse porque você aparenta ser hipster, maloqueiro ou sertanejo. Nu, só resta ser você mesmo. E fazer isso é terrivelmente difícil.

Claro que eu estava curioso para ver aquelas pessoas ao meu redor peladas.

Uma moça sentou ao meu lado, nua. Temi que o pior (mas natural) acontecesse: uma ereção

Se acontecesse, o que deveria fazer? Correr? Disfarçar? Dizer: "Foi mal aí, galera?". Para minha salvação, pelado no meio de 30 desconhecidos, até meus impulsos básicos ficaram retraídos. Só quem nunca passou por uma experiência como essa sexualiza automaticamente a nudez.

A brisa refrescante que a nude ioga traz

Depois de muita teoria (e mais gente despida) não havia escapatória. A nudez era obrigatória, a regra era clara. Pensei em ir ao banheiro tirar a roupa, mas qual seria o sentido disso? Como quem se prepara para mergulhar em uma piscina gelada, de sopetão, arranquei bermuda, camisa e cueca (e meias, claro, porque seria infame ficar só com elas).

Sem esteira para ioga, estendi a colcha velha que havia levado. Uma ideia idiota: o tecido poderia escorregar com os movimentos e minha experiência terminaria em um passeio nu em uma ambulância do Samu. Doutor Bactéria que me desculpe, mas fiz a nude ioga direto no chão mesmo.

Vestido apenas com uma pequena cinta com um microfone acoplado, Fred nos instruía nos exercícios de respiração. Depois, emendou com uma versão mais demorada da saudação ao sol. Uma aula relativamente simples para quem, como eu, já fez ioga, apesar de minha flexibilidade dizer o contrário.

Neste ponto, a diferença entre fazer ioga vestido e pelado é óbvia: você tem mais liberdade para fazer os movimentos. Fora isso, você vai sentir coisas que, provavelmente, nunca sentiu na vida. Por exemplo, você, homem. Quando realmente sente um ventinho refrescante, ali, nas intimidades? Se você vai gostar ou não é outra história. Mas o fato é que essas partes tão sensíveis quase nunca têm essa oportunidade.

Esqueça a ioga idealizada do Instagram. A nude ioga é um festival de pelancas e orifícios expostos, balançando ao vento. Isso não é ruim: é quem somos

"As pessoas deveriam andar nuas por aí"

Conheci na aula a Ana Zanesco, 26, uma estudante de Pedagogia. Sua primeira experiência de nudez em público havia sido bem mais intensa - e teatral - que aquela que eu estava vivendo.

"Nunca tinha parado para pensar muito em nudez antes de ficar pelada em uma peça do Teatro Oficina, com o Zé Celso. Me impactou muito!", me contou. "Você é 100% você quando está nu"

Ana diz que, na nude ioga, ampliou ainda mais essa busca por "ela mesma". "Gosto de explorar novas possibilidades com o corpo, nunca tive pudor. Por mim, as pessoas poderiam andar nuas por aí".

Com a nudez, o brasileiro, é antes de tudo, um bobo

Quando o assunto é nudez, o brasileiro é, antes de tudo, bobo. Caso você se ofenda, aqui vai um mea culpa: antes de morar na Áustria e na Espanha, eu também agia como macho brasileiro ao ver pessoas peladas: um misto de criancice com euforia grosseira.

Só me dei conta disso ao visitar, com minha então namorada austríaca, as praias naturais do rio Danúbio ao redor de Viena. Lá, encontrei famílias inteiras, vovós com seus netinhos, peladas com uma naturalidade de fazer inveja ao Oscar Maroni. Quando fui à Dinamarca cobrir o festival musical de Roskilde, vi jovens nadando pelados num lago. E não, não era algo que chocasse. 

Como é possível que eu, nascido em um país tropical com quase 7,5 mil quilômetros de costa, ainda tenha pudores com a nudez? O Brasil só tem oito praias de nudismo oficiais. Oito! E as mulheres ainda precisam organizar "toplessaço" para reivindicar respeito, mesmo com os seios à mostra.

Todos esses questionamentos me perturbaram enquanto eu saudava o sol peladão. E, como havia prometido meu instrutor, o Fred, eu já estava bem relaxado com a minha nudez. 

A segunda vez (pelado) a gente nunca esquece

Minha experiência na nude ioga me deixou tão intrigado, que quis repetir a dose. Dez dias depois da minha estreia na nude ioga, lá estava eu para mais uma imersão despido. Dessa vez, em um evento que aconteceu com uma turma iogue-naturista, em uma casa na Vila Mariana.

Diferentemente da Casa da Luz, quando a seção foi aberta, agora apenas naturistas veteranos estavam presentes. Em comum nas duas seções, estava o Fred, ministrando novamente a aula. Intimidade com o professor dessa vez não seria um problema. 

Uma certa ansiedade surgiu quando, no apertado hall, topei com pessoas nuas. Não é todo dia que você chega num estabelecimento e logo de cara tem bundas desnudas a poucos centímetros do seu nariz (eu estava sentado e ainda vestido).

Depois, o único momento mais complicado foi naquele instante em que, de novo, me dei conta: preciso tirar a roupa. No meio de naturistas veteranos, minha patética inibição ficou mais evidente.

Sejamos felizes com a nossa nudez!

Sentir-se confortável peladão é difícil e a nudez precisa parar de ser tratada de maneira tão rasa. Fora os padrões do que é "um corpo bonito", que só nos aprisiona. Não estou defendendo que a gente vá à padaria com a baguete de fora (desculpem, não resisti). Mas ficou claro para mim que precisamos parar de tratar nossos corpos com todo esse pudor.

Pagar pau para gringo é chato, eu sei. Mas não dá para ignorar: as sociedades mais bem resolvidas tratam a nudez com mais naturalidade. Não pode ser apenas coincidência.

Quando esteve no Brasil, minha ex-namorada austríaca quis aproveitar um dia de sol em São Paulo para tomar sol na piscina  do prédio. Ela já ia saindo para o elevador com os peitos de fora quando foi alertada pela minha mãe que não era uma boa ideia. E não era mesmo. Mas é constrangedor ter que explicar isso para uma estrangeira.

O que aconteceria? Um vizinho toparia com ela no elevador e, "seguindo seus impulsos de macho", a atacaria? Alguma criança do prédio, ao vê-la fazendo topless, estaria fadada a crescer como uma predadora sexual?

Vamos pensar nisso? Namastê. 

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