Da cor do Brasil

Na laje que conquistou Anitta, repórter do UOL usa biquíni de fita isolante em busca da marquinha perfeita

Helena Bertho Do UOL, no Rio
Bruna Prado/UOL

Para que a marquinha do bronze apareça sobre o cós da calça, as cariocas costumam usar uma fita adesiva na pele, acima da lateral do biquíni. Erika Martins, 34 anos, viu nesse hábito comum nas praias do Rio uma oportunidade de faturar.

Na laje de seu sobrado, no Realengo, espalhou cadeiras, confeccionou biquínis de isolante e inventou um creme que entrega, em uma hora, o bronzeado de um final de semana inteiro. Nascia o "método Erika Bronze", que atende, em dias ensolarados, cerca de 30 mulheres dispostas a pagar R$ 70 para saírem de lá com a marquinha perfeita.

Até Anitta, a maior catalisadora dos memes e modinhas nacionais, incluiu em seu novo clipe cenas inspiradas no lugar. Decidi pegar um sol por lá. O desafio: transformar meu bronze amarelo-escritório no marrom-bombom das garotas da laje.

Família da "personal bronzer" perdeu laje e outros cômodos

"Pode subir para o bronze!", grita uma voz feminina. Estou na porta do sobrado amarelo, onde Erika recebe a clientela. Passo por uma salinha e vejo uma mesa com bolo, café e frutas. "Sol e fome não combinam. Não quero ninguém passando mal na minha laje". É o meu primeiro contato com a "personal bronzer". É assim que Erika quer ser chamada agora. 

No cômodo ao lado, uma fila de mulheres enroladas em toalhas aguarda para ter colado ao corpo o biquíni de isolante. Fotos de Tati Quebra-Barraco, Ludmilla, Mulher Melancia, Mulher Abacaxi e de todo o hortifrúti que já se bronzeou por lá decoram o ambiente.

Vejo a sombra de uma garota nua - corpão de rainha de bateria - tendo as faixinhas fixadas nas curvas. É a própria Erika quem vai recortando e colando os biquínis. "Faço questão! Nem quero abrir franquia. Vai que sujam meu nome..."   

No quarto onde acontece essa linha de montagem costumava dormir o filho caçula de Erika, Erik, 7. "A bagunça da mulherada e do isolante começou a atrapalhar. Mudei a família toda para o andar de baixo". Além do menino, convivem com as golden girls, o marido, Rafael Gomes, 23, e as filhas Jessica, 17, e Leandra, 11.

Gaze protege mamilos e pelos pubianos do isolante

"Vai ser feliz!", é o que Erika diz ao terminar de montar o biquíni da mulher à minha frente, antes de despachá-la para a laje. "Manda a próxima nudes!", ordena, para que venha a cliente seguinte. Se é uma habituée, ela já começa a colar o isolante sem muito papo. Se é novata, pergunta qual modelo de biquíni prefere.

Eu fui de "asa delta fio dental", o mais pedido. Mas Erika também confecciona com a fita preta modelos mais comportados.Entre os mamilos e sobre os pelos pubianos, é colocada uma fibra cirúrgica. Me arrepio ao imaginar a dor que seria desgrudar o isolante dali se não houvesse essa barreirinha protetora... 

Sobre uma mesa de canto se amontoam os rolos de fita, cada um de uma largura. "Antes eu passava a noite cortando tudo com estilete. Meu marido, que é torneiro mecânico, criou uma máquina que corta a fita. Facilitou tanto minha vida!". Rafael também gerencia a contabilidade.

Enfim, estou nua, diante da personal bronzer. Primeiro ela faz a calcinha: um triângulo sobre a pepeca, as faixas laterais, outro triângulo acima do bumbum e uma fita ligando tudo por baixo. Nos peitos, um triângulo em cada mamilo e faixas imitando a alça do sutiã ao redor do torso e passando por trás do pescoço.

Erika recomenda que eu fique com o braço imóvel, para não interferir na simetria da marquinha. Cronometrei: 7 minutos até que eu ouvisse "vai ser feliz!".

Bruna Prado/UOL Bruna Prado/UOL

Jéssica foi minha guia na saga ao sol

A primogênita de Erika, Jéssica, me conduziu até a laje. Estava ajudando a mãe naquele dia, mas só faz isso quando quer. Querer mesmo, ela quer é ser cineasta, me confessou. 

Jéssica orientou a outra Jéssica, esta funcionária da casa, sobre como me bronzear. Jéssica 2 é quem anota em um caderninho o nome de cada cliente e controla os horários de todas se virarem na espreguiçadeira, para que o bronze fique ao ponto. Pensou em filé na frigideira? É por aí mesmo.

A laje tem uns 40 m², quinze espreguiçadeiras de plástico lado a lado. Eram 9h30 de sábado e 14 mulheres já estavam tostando, com seus corpos surpreendentemente parecidos. Barriguinhas chapadas, bundas e seios avantajados num design tão arredondado, que dificilmente a natureza seria capaz de esculpir. Tudo adornado com tatuagens.

Meu bronze começou de bruços. Seriam 40 minutos naquela posição. Jéssica-funcionária enfiou dois espaguetes - daqueles de natação - debaixo do meu quadril, para que a dobra do bumbum não deixasse uma marca indesejada. No meu derrière em elevação, ela besuntou mais creme bronzeador.

Recebi ordens de ficar quietinha e deixar o sol fazer seu trabalho. Funk e pagode bombavam na minha orelha.

"Depois da dieta sem carbo, tu faz a lipo e a bunda de uma vez!"

Cabelão loiro, maquiagem escorrendo por causa do suor, Aline Reis, 20, era minha vizinha de espreguiçadeira. Era uma das que mais estava curtindo a trilha sonora na laje: suas unhas de acrílico pink cintilavam ao sol, conforme ela mexia as mãos no ritmo do funk. Funcionária da construção civil, Aline é cliente fidelizada de Erika. 

"Comecei a vir aqui tem um ano e não largo mais". Há alguns meses, ela precisou de uma marquinha emergencial para uma viagem ("não posso chegar branquela na praia, né?") e não conseguiu horário com Érika. "Fui em um lugar que faz bronze artificial e que arrependimento! Gastei R$ 150 e não parecia nem metade dessa marca aqui", contou, mostrando a faixa de pele branca milimetricamente desenhada na pele dourada.

Não é para os homens que faço tudo isso, é para mim. Não importa o que digam, eu me acho linda!

Minhas seminuas coleguinhas se divertiam tirando selfies e batendo um papo animado. O assunto principal: cirurgias plásticas.

O tamanho e firmeza dos bumbuns na laje começaram a ganhar explicação para mim. "Hidrogel" e "metracril" - substâncias usadas em cirurgias plásticas, mas desaconselhadas pelos médicos - eram termos repetidos pelas bronzeadas. As poucas mulheres que ainda não tinham feito um preenchimento, eram convencidas.

"Depois que terminar a dieta sem carbos, tu faz a lipo e a bunda de uma vez", uma mulher com a cicatriz ainda vermelha de algum procedimento na barriga orientava.

"Bronzeado é como academia. Tem que sofrer, amiga!"

Olho meu celular e o termômetro marca 23ºC. Mas minha sensação térmica era como se estivesse no clipe da Anitta - aquele outro, gravado no deserto. Uma ponta de esperança para sobreviver ao calor vem em minha direção: é Paula, outra funcionária de Erika. Carregando um aparelho semelhante ao de dedetização, cheio de água, ela passa a regar nossos corpos.

Paula vestia manga comprida, calça e meia, para se proteger do sol. Entre uma rega e uma bronca, tentava vender produtos da casa. "Garotas, vamos acelerar esse bronze com suco de beterraba? Uma cápsula de betacaroteno?".

Aceitei o suco, a cápsula eu passei

Minha lombar doía e passei a rezar pela hora de mudar de posição na espreguiçadeira. Sabe quando você está no fim da festa, desesperada para descer do salto e aliviar a dor? Era eu querendo descer do espaguete de natação. E o fim da festa estava longe.

A essa altura, várias já haviam mudado de posição e algumas mulheres até tomavam sol de pé, para queimar as laterais do corpo. Já eram quase onze e as cervejas começaram a ser pedidas também.

A parte da frente do meu corpo foi besuntada com o acelerador e me pediram para renovar o protetor no rosto. Paula colocou papel toalha molhado sobre meus peitos e a parte de baixo do biquíni, porque a fita isolante esquenta demais.

De frente para o sol, comecei a ficar vermelha e a sentir o calor me maltratando. A toda hora pedia pelo borrifador de água para aliviar. "Vai treme o bumbum", o funk martelava minha cabeça. Com o sol na cara, achei que em breve começaria a alucinar. 

"Bronzeado é que nem academia, amiga, tem que sofrer", disse Carol Guimarães, 23, que estava perto de mim. Também era a primeira vez ali dela ali, mas sua capacidade de resiliência era bem maior que a minha.

Depois de tanto sol, vem o banho de lua

Vibrei de alegria quando Jéssica, a filha, veio me avisar que tinha dado minha hora! Nem reclamei de não passar pela seção de bronzeado lateral.

Eu consegui ver na pele a marca quase geométrica da fita isolante gravada na minha pele. Mas não tinha acabado. Na descida da laje, meninas se pincelavam com um produto branco. Pintadas dos pés ao pescoço, pareciam figuras saídas de um ritual ancestral. E o nome fazia jus: o banho de lua. Cortesia da casa para deixar os pelos dourados e dar "aquele up" dourado.

De volta ao biombo de vidro, Erika me examinou, deu uma levantadinha no isolante e disse: "você está no ponto". Então me mandou tirar o biquíni no banho, porque a água amolecia a cola. O problema é que a fila para o chuveiro estava enorme e desisti de esperar: puxei a fita a seco. Ardeu pra caramba.

"A paulista queimou!", comemoraram algumas das meninas ao ver minha marquinha reta feito desenho. Se eu fizesse mais duas sessões, fixaria por meses, me disseram.

A mulher mais dourada da laje rebolou com Anitta

A mulher mais dourada que já vi: Celina Souza, 35. Cabelos amarelos, unhas cor de ouro, colar relógios e anéis no tom. E a pele, principalmente, a pele. Era o moreno-ostentação e todas as mulheres ali batalhavam por ele.

Celina é vizinha de Erika e presença frequente por lá. Além da marca de fita bem desenhada, ela tinha tatuagens espalhadas por todo o corpo. Corações, rostos e frases em várias línguas. Mais do que cliente, Celina é amiga de Erika e conta certos privilégios. O mais recente: foi figurante no clipe da Anitta, "Vai Malandra".

"Eu nem imaginei que fosse rebolar com a Anitta, aí foi aquela coisa toda". Celina é estudante de gastronomia e sonha trabalhar na área, mas está aproveitando os holofotes: o irmão, que promove festas em comunidades, estava na laje, fazendo transmissões ao vivo de seu bronzeado, para promover a irmã e "aproveitar a coisa toda do clipe".

Quem não gosta disso é o marido de Celina. "Só contei para ele que dancei no clipe quando saiu em um jornal. Ele ficou bravo que minha bunda vai ficar famosa. Mas fazer o quê..." 

O que aprendi na laje: padrões de beleza não são apenas os da moda

O saldo da minha aventura: pele bem vermelha e, apesar de o bronze ter ido embora uma semana depois, a marquinha persistiu. Depois descasquei.

Mais do que a marca do isolante, ficaram as imagens daquele ambiente na minha cabeça. Erika com suas mãos ágeis, colando e cortando a fita sem parar naquelas dezenas de corpos "feitos". Jéssica e Paula regando as mulheres com jatos de água, como se estivessem em um jardim.

Erika faz jus ao meme "o Brasil que dá certo" em tempos de crise. Mas ela é também um exemplo de que a indústria da beleza pode ter seu jeitinho brasileiro.

Na busca do bronze perfeito, mulheres encaram sol, desconforto e até risco à saúde para atingir um padrão de beleza. Não me refiro ao das capas de revista de moda ou das passarelas, mas sim ao dos bailes e das comunidades cariocas. Na laje, o mecanismo de opressão que tortura mulheres do mundo todo encontra parâmetros estéticos que não são de musa fitness, nem da modelo magérrima.

Gisele Bündchen, se surgisse ali, precisaria de algumas sessões para deixar de ser branquela e ouviria umas boas dicas de como dar uma turbinada nas curvas.

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