Medo de avião

Em curso que promete dar fim à fobia de voar, repórter do UOL enfrenta seus traumas e vira "pilota" de boeing

Adriana Nogueira Do UOL, em São Paulo

Amo viajar, mas tenho pavor de avião. Sofro antes, durante e depois do voo. Assim que piso no aeroporto do destino, já começo a me angustiar com a volta.

Meu medo ganhou contornos de fobia em uma ida a Nova York, em 2012. Durante o trajeto noturno, acordei como se o avião tivesse descido um grande degrau no céu. A sensação de ser levantada da poltrona foi aterrorizante. Desde então, apelo para um tarja preta contra ansiedade e mais quatro (isso mesmo que você leu, QUATRO) comprimidos fitoterápicos sempre que viajo. É tomar esse coquetel e... Bum! Acordo só no desembarque.

Problema resolvido? Mais ou menos. Tem a ressaca moral de depender dessa muleta e ser um peso para minha família. Não desfruto nadinha da animação do meu marido e nossos dois filhos no saguão. 

Por tudo isso, me matriculei em um curso terapêutico contra aerofobia. Encarei psicólogos, conheci gente que enfrenta o mesmo drama e até pilotei um boeing em um simulador! Portas em automático, afivele os cintos para o embarque imediato à minha jornada.

Viro um zumbi e sento longe dos meus filhos nos voos

O tratamento oferecido pela empresa Voe pode ser individual ou em grupo - como escolhi fazer. Mas minha primeira consulta foi sozinha. O motivo era descobrir se havia alguma doença psiquiátrica associada ao medo de voar, como síndrome do pânico. Não era o meu caso, eu já sabia.

No papo com a psicóloga Fernanda Pamplona de Queiroz expliquei que, além dos remédios que me deixam praticamente um zumbi, desenvolvi manias pré-viagem. A primeira é entrar no modo "monossílabos" a caminho do aeroporto. Outra: na sala de embarque, não sento de frente para janelas para não ver o céu. Contra o barulho das aeronaves, fones de ouvido. 

Revelei esses recursos até chegar ao mais sofrido: no avião, sento longe dos meus filhos. Fico em um assento no corredor e, os meninos, com o pai do outro lado. Além de ficar imprestável para qualquer auxílio - afinal, estou grogue - não sei lidar com a espontaneidade deles. Os garotos adoram falar de como está o céu e como estamos distantes do chão. É o gatilho para me deixar mais nervosa.

Dois dias depois da sessão, num sábado de sol forte, fui cedinho para o primeiro dos dois dias de curso. Seria em uma empresa de simuladores de voo, no Campo de Marte, em São Paulo. Olhem só que ironia: eu falaria e ouviria dos meus colegas sobre medo de voar, vendo e ouvindo aviões decolarem e pousarem, até as 18h. Qual a chance de isso dar certo?

Amanda Perobelli/UOL
Amanda Perobelli/UOL Amanda Perobelli/UOL

Dramas dos fóbicos: hipnose, choro e nada de xixi no avião!

Éramos nove participantes no curso: oito mulheres e um homem. Não, isso não é sinal de que mulheres são mais medrosas que homens. É que eles são maioria no atendimento individual, contou uma das psicólogas. Preferem não expor sobre seus medos publicamente, como nós. 

Os fóbicos de avião são pessoas divertidas, e nem falo isso só porque sou uma. O medo faz com tenhamos um olhar bem-humorado de como nos comportamos nas situações de estresse. Ali, entre iguais, sem vergonha de julgamentos, nos soltamos. E as histórias tragicômicas rolaram soltas.

Foi rindo que uma das minhas colegas, a advogada Mariana Graziela Faloppa, 36, contou que vai e volta chorando quando viaja. Também nunca senta na poltrona pela qual pagou. Após a decolagem, se levanta rapidamente e se acomoda perto dos comissários de bordo. 

Sem voar há sete anos, a bancária Renata Capucci, 38, já tinha experimentado até hipnose em busca da cura. "Em agosto, tentei ir a Florianópolis. Cheguei a entrar no avião e colocar o cinto. Mas fugi correndo minutos antes de decolar".

Fiquei à vontade para revelar um segredinho. Nunca faço xixi em banheiro de avião, não importa se foram horas de voo sem fim. Tenho medo de levantar e, sei lá, desequilibrar a aeronave! Olha o grau da minha loucura...

Amanda Perobelli/UOL

"É possível? É provável?": frases poderosas contra o pânico

Nesse primeiro dia de curso, os psicólogos nos explicaram, incansavelmente, que medo de avião nunca passa. Esse sentimento é parte da gente e o objetivo é aprender a conviver com ele.

O medo e a ansiedade são mecanismos do corpo diante do que o cérebro julga ser uma ameaça. O desafio é "mostrar" ao corpo que as reações dele – como aperto no peito (tão eu!) e taquicardia – são desproporcionais à "ameaça" de voar.

Além de técnicas de manejo do desconforto – como a meditação –, exercitei o pensamento racional em aula. Com as psicólogas, entre outras coisas, treinei a aplicabilidade de duas perguntas: "é possível?" e "é provável?".

Até é possível que um avião caia. Mas não é provável que aconteça. Sacou?

As especialistas nos apresentaram então dados como "a taxa de acidentes é 1,61 para cada milhão de voos" (dados de 2016 da Associação Internacional de Aviação Civil).

Balanço do dia 1? Terminei a primeira etapa tão imbuída desses conceitos, que me achava capaz de entrar em um avião sem dramas.

Amanda Perobelli/UOL Amanda Perobelli/UOL

"E se o motor pifar?" A incrível capacidade de imaginar o pior

Dia 2 do curso, domingo, Campo de Marte. Voltei empoderada! Mas aí veio a etapa que eu chamaria de "tratamento de choque" do processo.

Um instrutor de pilotos de Boeing estava ali para responder nossas perguntas mais catastróficas. E os questionamentos da minha turma eram nesse nível:

E se o motor do avião pifar?
"O piloto tem condições de pousar com o outro".

E se o outro motor também pifar?
"Ele ainda pode planar".

O coitado do instrutor respondia com uma cara de espanto diante da nossa capacidade de imaginar o PIOR. Destrinchamos todos os últimos grandes acidentes da aviação moderna em busca da certeza absoluta que podemos confiar naquela máquina que voa. Quando ouvi que turbulência raramente derruba avião, meu dia estava ganho.

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Não guio nem bicicleta, mas fui pilota de boeing!

Depois de sermos abastecidos com toda teoria possível sobre a segurança aérea, chegou a hora do momento mais emocionante do curso. Virtualmente, pilotaríamos um Boeing 737 em um simulador de voo. Logo eu, que nem jogar videogame com meus filhos curto...

Assim que entrei na cabine do simulador, a consciência de que tudo ali era de mentirinha sumiu. Mesmo estando colada ao chão, tudo naquele lugar era tão realista que as sensações pré-viagem tomaram conta de mim. Aperto no peito, nervosismo... 

Me acomodei no lugar do piloto e fui - tentando - seguir as orientações do instrutor Mauro Ramalho. A maior dificuldade era alinhar horizonte e avião e cumprir o plano de voo. No caso, pousar a aeronave na pista de Congonhas, em São Paulo. 

Como me saí? Pousei completamente fora da pista! "Matei meus 300 passageiros!", disse, brincando, ao ver minha aeronave sambando na pista. Mas meu instrutor me tranquilizou: "Matar não matou, mas deu um belo susto na galera das primeiras fileiras". 

Nada que me surpreendesse. Não tenho licença para dirigir e não piloto nem bicicleta.

Amanda Perobelli/UOL
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No dia que testei minha coragem, chovia em SP

Estava ansiosa para saber como me sairia em um voo de verdade. Fiz isso com uma bate-volta na ponte-aérea. Quando abri a janela no dia da viagem, uma provocação cósmica: a segunda-feira amanheceu feia, com chuva fina. 

Tive uma vontade irresistível de deixar o voo para outro dia. Mandei um whatsapp para a terapeuta Paola Casalechi, da Voe. Refizemos as perguntas: "É possível?" e "É provável?" para todas as possibilidades de catástrofe que me ocorriam.

Se não for seguro viajar com chuva, o voo será cancelado, mentalizei sem parar

No caminho para Congonhas, Paola me mandou uma mensagem dizendo que a Fernanda, a outra psicóloga do curso, me encontraria para um bate papo ao vivo. Ensaiei fazer a linha "imagine, não precisa", mas aceitei!

Juntas, no saguão, relembramos a conversa com o instrutor no simulador e fizemos um exercício de imaginação, colocando dentro de uma bolha toda minha ansiedade. Foi o suficiente para eu retomar as rédeas. Com o meu nervosismo dentro de uma bolha média, despedi-me da terapeuta e embarquei. 

Amanda Perobelli/UOL
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Vitória: não apelei para os remédios!

São Pedro colaborou comigo: o tempo feio abriu! Senti que era um bom presságio: fóbicos estão sempre à procura de sinais. 

Sentei de frente para a pista, nada de virar as costas para a janela. Fiquei assistindo decolagens e aterrissagens por quase duas horas.

Meu voo atrasou. Foi a pitada de drama para meu enredo

Acomodada o avião, senti a bolha de ansiedade menor. Certifiquei-me de que o áudio com a meditação guiada - material do curso – estava no celular. Mas na ida, nem precisei. Mesmo tendo rolado uma leve turbulência.

Como era só um teste, eu não tinha nada programado para fazer no Rio, voltei na mesma aeronave que fui. Bateu uma vontadezinha de ir para a rodoviária. Mas respirei fundo e, depois de um pit stop de cinco minutos no banheiro do Santos Dumont, embarquei de volta. Encarei o voo de 46 minutos e, voilá: desembarquei em São Paulo. E sem apelar para remédios.

A sensação era de uma pequena vitória. Como um voo curto de ponte aérea. 

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