Sangue quente e rubro-negro

Renato Maurício Prado fala sobre Galvão, Felipe Melo e filho descoberto na Colômbia

Bernardo Gentile, Thiago Rocha e Vanderlei Lima Do UOL
Taís Vilela/UOL

Renato Maurício Prado, 65 anos, acha absurdo que a palavra “cachorrada” tenha significado pejorativo, já que ela não simboliza a real essência do cão, que é o companheirismo. A mensagem fica ainda mais nítida ao notar que, durante a conversa com o UOL Esporte, o pastor alemão Rin  Tin  Tin não saiu do lado do jornalista de opiniões polêmicas, pivô de desavenças com Galvão Bueno e Felipe Melo, e que não esconde de ninguém o clube do coração.

A veia crítica e o sangue quente pouco se amansam até quando o assunto é o Flamengo, paixão herdada do pai e defendida por RMP com fidelidade canina, com o perdão do trocadilho inevitável.

Após deixar o Fox Sports, em 2016, ele passou a se dedicar aos animais. Rin Tin Tin é um dos dez cachorros que habitam a casa onde mora, em Itaipava, na região serrana do Rio. Continua indo a eventos, mas agora em outra função, a de criador de cães. Nesta entrevista, o jornalista carioca revisita a trajetória profissional e conta como alguns episódios polêmicos afetaram a relação dele com jogadores e colegas.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

'Flamenguista raiz', viu o título mundial dentro do campo

Comemorar títulos é fácil e saboroso. Forjar-se como torcedor de um clube à base de fracassos é para poucos, quase uma abnegação, mas vira um símbolo de amor à toda prova. Quando Renato Maurício Prado escolheu de fato ser rubro-negro, eram tempos de vacas magras – fim dos anos 1960 e início da década de 1970.

“O meu pai era Flamengo. E digo que sou flamenguista raiz porque, quando eu era garoto, o Flamengo só apanhava. Não sei como não mudei de time. O Botafogo tinha um timaço, um escrete, do meio para a frente: Gerson, Jairzinho, Roberto e Paulo Cesar. E o Flamengo, Murilo, Onça, Guilherme e Paulo Henrique. Dava dó. Não sei como continuei. Mas dizem que na adversidade as torcidas crescem, acho que a paixão cresceu aí”, justifica.

Anos depois, RMP foi à forra. A equipe de Zico, Andrade, Adílio e outros craques traria as principais glórias do clube, como a Libertadores e o Mundial, em 1981, momentos que ele pôde desfrutar também como jornalista.

“Eu estava no Centenário nos dois gols do Zico de falta [na final contra o Cobreloa], estava atrás do banco quando o Carpegiani mandou Anselmo entrar e dar um socão no Mario Soto. Estava atrás do gol do Flamengo no Mundial em Tóquio e vi os três gols [sobre o Liverpool], inclusive fotografando. Uma das fotos do terceiro gol do Nunes que saiu no [jornal] ‘O Globo’ é minha. Vivi aquela fase absolutamente áurea até 1983, quando deixo de ser repórter e viro editor de esportes de ‘O Globo’. Mas justamente na época áurea, porque em 1983 o Zico é vendido e vai embora”.

A geração perdida pós-Zico

Não perdoo alguns dirigentes que jogaram fora a segunda maior geração, que foi Marquinhos, Djalminha, Paulo Nunes, Júnior Baiano, Marcelinho Carioca. Enfim, essa geração foi estragada pelos dirigentes. Primeiro foram paparicados naquela Copinha, dando goleada. Aí todos viraram Zico, estrelinhas entre aspas. Por outro lado, quando subiram ninguém teve paciência com eles. Renato Gaúcho, já veterano, fim de carreira, briga com Djalminha e mandam Djalminha embora. Paulo Nunes reclamou, mandaram Paulo Nunes embora. Agora imagine aquele time mantido o que teria feito. Não sei se as mesmas coisas, a geração do Zico era melhor, mas era muito boa também e não teve nenhuma parecida depois. Mandaram todos embora. É um clube de altos e baixos"

Renato Maurício Prado, sobre o Flamengo campeão da Copa SP em 1990

Renato Maurício Prado, sobre o Flamengo campeão da Copa SP em 1990

CARLOS COSTA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO CARLOS COSTA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Sangue "ferve" ao comentar o atual Fla

Distante dos tempos de glória, o jornalista não poupa críticas ao time atual do Flamengo. Recuperado financeiramente, o clube tem chegado a decisões, mas não tem conseguido levantar taças importantes. No ano passado, perdeu finais para Cruzeiro (Copa do Brasil) e Independiente (Sul-Americana). Neste ano, foi eliminado na semifinal do Carioca pelo Botafogo. 

"Falta espírito de Flamengo. Falta o que o Junior uma vez falou, a pele rubro-negra. Não tem que ser nascido na Gávea. É entender o clube. Ah chegamos à final de duas competições. Mas não ganharam, amigo, sinto muito. O que define Flamengo é vitoria e derrota. Não ganhou, sinto muito", disse RMP, que deu a entrevista ainda antes das demissões de Mozer, Carpegiani e Rodrigo Caetano.

Lucas Merçon/Fluminense Lucas Merçon/Fluminense

'Jeito sanguíneo' de Abel Braga seria o ideal para o Fla

Se não há “espírito de Flamengo” dentro do clube atualmente, o homem que, na opinião do jornalista, seria capaz de fervilhar o sangue rubro-negro novamente encontra-se em um rival.

“O cara que eu gostaria de ver hoje no Flamengo chama-se Abel Braga”, disse RMP, elegendo o treinador do Fluminense como o favorito dele. “Não é rubro-negro, pelo contrário. Foi criado na base do Fluminense e fez carreira no Vasco, acompanhei muito quando era repórter. Orlando Lelé, Abel, Geraldo e Marco Antonio. Eles riscavam com a ponta da chuteira no chão em 1976 a 1978: daqui, se passar, é da linha para baixo. E batiam mesmo”, explica Renato, citando a linha defensiva vascaína que causava calafrios em adversários.

Para ele, Abel carrega o vigor necessário para despertar um elenco ainda não identificado com a camisa. “Ele tem jeito sanguíneo, a alma que o Flamengo precisava, de não se conformar com derrota. Ele geralmente é paizão dos jogadores, mas se não fizer o que ele quer, vai dançar.”

Abel Braga treinou o Flamengo em 2004, ano em que conquistou o Campeonato Carioca e foi vice-campeão da Copa do Brasil.

Abelão ou Luxa?

Há diferença grande entre Abel e Luxemburgo. Ele [Abel] cuida de tudo no clube, mas não quer saber de negócio de comprar e vender. Esse é o problema do Luxemburgo. Ele quer ser manager. Vender, comprar. Se eu comprar barato e vender caro, quero participação. Aí danou-se. O cara já pensa em quem escalar porque vai dar jeito de vender. Danou-se. Para mim, ele se perdeu aí e não conseguiu encontrar o caminho de volta, por mais que tente. O problema é esse. Ele acha que é o certo. Não admite erro. Por mais que tenha quebrado a cara repetidamente. Egocêntrico para burro, complicado o Luxemburgo hoje em dia..."

Renato Maurício Prado

Renato Maurício Prado

Taís Vilela/TV UOL Taís Vilela/TV UOL

Ele mora com dez cães e virou empreendedor graças a Rin Tin Tin

Fora da TV desde 2016, Renato se “refugiou” em Itaipava. Estar em uma casa, com quintal e menor restrição de espaço para os bichos, estimulou o jornalista a expandir um sonho juvenil: criar cães. Como passou parte da vida morando em apartamento, teve o primeiro animal de estimação apenas na época de faculdade, um vira-lata comprado em Petrópolis sob a condição de bom rendimento no vestibular.

“Era o Tenente. Ele viveu 12 anos, mais ou menos”, recorda. O nome foi referência à aprovação na Escola Naval. “Eu era adolescente, imagine. Não dei a ele a atenção que gostaria, mas ficou aquela vontade. Quando vim para Itaipava, comprei essa casa há cinco anos e disse que a primeira coisa a fazer era ter cachorros.”

O primeiro foi Rin Tin Tin [o nome é referência a uma antiga série protagonizada por um cachorro]. O pastor alemão, além de fiel escudeiro, inspirou RMP a encarar uma nova empreitada: a de criador. Ele montou um canil, o Rancho Ponderosa, que frequenta e fatura medalhas em eventos pelo Brasil. 

“Tenho dez cachorros. É cachorro para burro. E tenho os pastores de competição, que não ficam aqui. Rin Tin Tin já se aposentou das pistas. Ele se aposentou quando me aposentei do jornalismo. Estamos os dois no bem bom”, completa.

É mais fácil lidar com cães do que com o ser humano?

Ah, com certeza absoluta. Não só mais fácil como melhor. Cachorro jamais vai traí-lo, jamais faz cachorrada, por incrível que pareça. Cachorrada deveria ser sinônimo de coisa boa [risos]. Cachorrada é traição. Cachorro não faz nada disso. É de uma amizade, uma fidelidade... Rin Tin Tin está sempre do meu lado"

Renato Maurício Prado, sobre o amor pelos cães

Renato Maurício Prado, sobre o amor pelos cães

ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Herdou do pai o nome e a paixão pelo Flamengo

Nascido em 11 de janeiro de 1953, no Rio de Janeiro, Renato Maurício do Prado Silva é filho de Renato, oficial da Marinha já falecido, e Lourdes. Tem uma irmã mais velha, que é xará da mãe. “Originalidade de família”, brinca. “Sou Renato Maurício porque meu avô era Maurício. Originalidade dupla.”

Do pai, também herdou a paixão pelo Flamengo. “A cena que mais guardo foi no Maracanã, fim dos anos 60. O time do Flamengo era horroroso, perdia invariavelmente, e voltava o meu pai dirigindo o Fusquinha. Rui Porto e João Saldanha comentando [no rádio]. Meu pai xingava um horror, é o time do leprosário, time de cego, tem de colocar guizo na bola. E eu, garoto, achava que qualquer um que botasse a camisa do Flamengo era craque, que não era assim. E ele, não. O único craque era o Doval, o Diabo Loiro. Um excelente jogador, raçudo, e papai me dizia: ‘Quando eu era da sua idade, o Flamengo tinha um time de 11 Dovais.’”

Do outro lado do mundo, a memória afetiva com o futebol provocou lágrimas quando, como jornalista, Renato Maurício Prado cobriu a conquista do Mundial de Clubes, em 1981. “Eu liguei do Japão, e naquela época telefonar era uma aventura cara, só para dizer: ‘Pai, esse time tem 11 Dovais’. E ele chorava do lado de cá, emocionado. Foi muito legal viver isso.”

A única coisa que Renato filho não herdou foi a profissão. Ele até tentou a carreira nas Forças Armadas, mas desistiu. “Quase virei militar por causa do meu pai. Ele era apaixonado pelo que fazia, e entrei na Escola Naval para me tornar oficial igual a ele. Mas descobri que a Marinha que ele me contava existia só na cabeça dele [risos]. Ou, pelo menos, havia sido no tempo dele. Não tinha nada a ver comigo”, recorda.

De aspirante a oficial para o jornalismo

Resolvi fazer comunicação na PUC [do Rio de Janeiro]. Eu sou filho da PUC. Na época em que a faculdade de comunicação da PUC se chamava 'agarre o seu engenheiro'. Por que isso? Porque 90% eram mulheres que diziam fazer comunicação para encontrar um engenheiro na PUC e se casar. Foi uma maravilha, na minha turma só tinha mulher. Tenho muitas amigas da época. O jornalismo foi mais ou menos uma consequência"

Renato Maurício Prado

Renato Maurício Prado

Reprodução Reprodução

Estágio com Gaspari no JB e carreira no Grupo Globo

A primeira oportunidade de trabalho apareceu em 1976, no “Jornal do Brasil”, por intermédio de um amigo da família. Renato vestiu terno e gravata para a entrevista de emprego. Valter Fontoura, o editor na época, lhe deu estágio na editoria de Política para trabalhar com Elio Gaspari, escritor e ícone do jornalismo brasileiro.

O estudante de comunicação ganhou o apelido de Bode na redação do JB. Gaspari o chama desta forma até hoje. Por que Bode? “Porque todos os estagiários eram os bodes expiatórios da editoria. Qualquer coisa que desse errado, era culpa do estagiário. Então, todos os estagiários, não só eu, eram Bode”.

A pedido de Luiz Fernando Cardoso, que era professor da PUC Rio e sabia do interesse do novato pelo esporte, RMP trocou de editoria com a promessa de ser efetivado como repórter. “Fui contratado em 76, fiz eliminatória [da Copa] em 77, e em 78 fui cobrir a Copa do Mundo na Argentina. Fiquei até 79, quando fui para ‘O Globo’ e fiz praticamente toda a carreira lá”.

Nas páginas de “O Globo”, Renato Maurício Prado teve trajetória ascendente, foi correspondente em Madri, na Espanha, e construiu carreira como executivo, sendo um dos criadores do jornal “Extra”, projeto que comandou nos cinco anos iniciais.

Na faixa dos 50 anos de idade, com novos objetivos em mente, surgiu a oportunidade de estrear na TV. Renato recebeu convite da RedeTV! para ser comentarista de uma mesa-redonda apresentada por Juca Kfouri. Mas, como funcionário do Grupo Globo, ele só poderia ir para outro canal com anuência da diretoria. Não houve liberação, e ele começou a compor as bancadas do SporTV em programas como “Bem, Amigos” (do “ex-amigo” Galvão Bueno) e “Troca de Passes” – ele também passou a opinar em quadros no “Jornal da Globo” e na Rádio CBN.

As opiniões contundentes, viraram marcas registradas na telinha. “Foram dez anos, e foi um barato”, resume.

Briga com Galvão Bueno afetou amizade de 30 anos

O sucesso subiu à cabeça?

Não me sinto à vontade de julgar ou analisar atitudes do Galvão. Tem a carreira dele, é inegável, o cara mais importante da imprensa esportiva brasileira, e se tornou com méritos. Se isso subiu à cabeça ou não, não sou eu que vou dizer. Só lamento que, amigo meu de 30 anos, não se mostrou disposto, interessado, depois de iniciativa dele, de sentar, conversar e zerar a pedra. Até os deuses têm amigos. Mas tem de se portar como amigo. Nunca precisei do Galvão para fazer a minha carreira. Graças a Deus, tenho uma carreira bem resolvida, bem-sucedida, assim como ele tem a dele. Cada um tem a sua. Se por acaso, como me parece, ele considerou que a amizade não é mais importante, a vida segue. Ele não precisa de mim para nada, e eu não preciso dele. Cada um segue a sua"

Renato Maurício Prado

Renato Maurício Prado

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

No Fox Sports, briga com Sormani e mágoa por Olimpíada

O incidente com Galvão Bueno marcou o fim da passagem pelo SporTV, mas Renato Maurício Prado voltou à TV meses depois, ao ser contratado pelo Fox Sports, ficando no ar entre 2012 e 2016. O estilo sem papas na língua gerou novas desavenças ao vivo, a mais famosa com o comentarista Fabio Sormani, que se “atreveu” a opinar sobre os bastidores do Flamengo no programa “A Última Palavra”.

"Ali foi bobagem. Começou a falar coisas do Flamengo que ele não conhece. Aliás, a maioria dos jornalistas paulistas não conhece quase nada, com exceção do PVC [Paulo Vinícius Coelho, blogueiro do UOL], que conhece e conhece muito”.

No dia seguinte, provocado por Ricardo Martins, que deixou luvas de boxe na bancada do “A Última Palavra”, os dois fizeram as pazes. O entendimento ocorreu fora do ar também. “Eu comprei as luvas. Coloca lá e acaba a bobagem”, reitera Renato Maurício Prado. “A gente resolveu o bafafá, o que não aconteceu no SporTV. Programa de debate sempre acontece esse tipo de coisa. Só não pode deixar a coisa crescer e ficar de uma maneira...”

Com os Jogos Olímpicos de 2016 “em casa”, no Rio, o jornalista acreditava que seria credenciado pelo Fox Sports para a cobertura do evento, o que não ocorreu. Magoado, pediu demissão.

Adeus ao Fox Sports

Acho que não tinha rigorosamente ninguém na Fox com mais conhecimento olímpico do que eu. Eu havia coberto as quatro últimas. Fui a Sydney, Atenas, Pequim e Londres, e não só futebol, como muita gente que vai, mas cobri tudo. Quando não rolou a credencial, eu disse: 'O meu ciclo aqui acabou'. Além disso, tinha comprado essa casa [em Itaipava], e cada vez mais sentia vontade de vir para cá em vez de estar lá. No último dia da Olimpíada, apresentei o 'Boa Noite Fox'. Depois do programa, mandei o e-mail [de demissão] ao Edu [Zebini, diretor do canal]. 'Olha, agradeço muito, foi legal, mas você não ter me credenciado me tirou o tesão de continuar. Prefiro rescindir o contrato'"

Renato Maurício Prado

Renato Maurício Prado

Divulgação/Fox Sports Divulgação/Fox Sports

Canais esportivos viraram circo, e Globo foge de polêmicas

Embora se autodenomine como um jornalista aposentado, Renato Maurício Prado mantém um blog e uma coluna no “Jornal do Brasil”. Programas esportivos de debate, os quais compôs por muitos anos, agora só como telespectador, e olhe lá.

“O SporTV tinha vários ótimos programas, o ‘Documentário SporTV’, ‘Jogos Para Sempre’. Hoje em dia, é só mesa-redonda. A ESPN ainda tem aquele ‘30 por 30’ [série de documentários], são coisas diferentes, o ‘Bola da Vez’, que é legal também. Mas, de maneira geral, ou você vê jogo ou mesa-redonda. A TV a cabo perdeu um pouco a mão. Mesa-redonda é mais barato, mais fácil, prende a atenção, mas está chato. Está começando a virar uma coisa circense que me incomoda muito.”

Na avaliação de RMP, a Rede Globo, emissora para a qual trabalhou, tem influência na queda de qualidade da programação jornalística na TV.

“A Globo, para não entrar em assuntos espinhosos de dirigente com quem não quer brigar porque compra os direitos, começou com a mentira, a falácia, de que jornalismo esportivo não é jornalismo, é entretenimento. Isso é um absurdo, um crime. Claro que é jornalismo. O que não quer dizer que não pode fazer jornalismo de algo que é entretenimento também. Mas tem de ser jornalismo. Todo mundo está seguindo essa onda. Virou um circo mambembe. As pessoas falam não porque acham, mas porque vai gerar graça, polêmica. Isso é muito ruim, cara”, critica.

O que agrada a Renato na tela

Claro que tem bons programas, não vou dizer que não, e jornalistas sérios e importantes. O [André] Rizek é um dos principais jornalistas esportivos da TV. Agora está no 'Seleção [SporTV]' fazendo um belo trabalho, como fez no 'Redação'. Claro que o Juca [Kfouri] é indiscutível. Admiro muito o PVC, e existem outros, não só esses. Em compensação, há uma multidão de engraçadinhos, de Carequinhas fazendo graça"

Renato Maurício Prado

Renato Maurício Prado

Buda Mendes/Getty Images Buda Mendes/Getty Images

Marcio Araújo 'praga' e Fred 'cone': o limite de ser crítico

Arrancar elogios de RMP era façanha para poucos. Alguns jogadores recebiam adjetivos “carinhosos” nas análises. O caso mais emblemático talvez seja o do volante Marcio Araújo. “Era uma praga. Que Deus o tenha na Chapecoense”, disse Renato Maurício Prado sobre o ex-jogador do Flamengo, atualmente no clube catarinense.

Mas a resposta gerou uma dúvida: qual é o limite entre a crítica e a ofensa? Chamar alguém de “praga” não seria radical demais? Um ataque gratuito e grosseiro? Questionado pelo UOL Esporte, o jornalista respondeu.

“Praga é ele jogar pelo Flamengo. Olha aqui, veja bem, entendo o que você fala, mas discordo. Tem determinado tipo de brincadeira... Essas coisas são do futebol, gente. Brincadeira. Futebol não é assunto tão sério como às vezes acham. É esporte, coisa lúdica”, justifica. “Acho que um dos problemas do Brasil é que está ficando chato o politicamente correto. Ah, que coisa desagradável.”

Em sua defesa, ele cita o caso do atacante Fred, apelidado de “cone” pela torcida por conta das atuações apáticas no último Mundial. “Chamar o Fred de cone. Qual é o problema? Ele foi um cone na Copa. Ele é jogador de futebol. Ele não é um cone na vida. Ele é um cone no campo. Fred não é o primeiro a ser chamado. O Deivid [ex-atacante] era dois cones, um em cima do outro.”

Bengala x Chupeta

Digo que hoje somos bengalas e chupetas [no futebol]. Ou o cara que sabe jogar saiu dos juniores, mas está de chupeta ainda, ou o cara é bom, mas já está de bengala, que são os que voltam [do exterior no fim da carreira]. Os que não têm bengala nem chupeta são medíocres, pernas de pau. Não tem erro. Porque quem sabe jogar, vai embora assim que tira a chupeta e volta depois de bengala.

Renato Maurício Prado, sobre a decadência do futebol no Brasil

Renato Maurício Prado, sobre a decadência do futebol no Brasil

AFP PHOTO / NELSON ALMEIDA AFP PHOTO / NELSON ALMEIDA

'Tite precisa tirar de Neymar a necessidade de ser estrela'

Para falar de seleção brasileira e as expectativas para a Copa do Mundo da Rússia, Renato Maurício Prado evoca o lado comentarista. E a preocupação dele tem nome: Neymar. A questão física do atacante do PSG, em recuperação por cirurgia no pé direito, nem é a parte mais alarmante. Ele teme que o estrelismo do jogador fale mais alto e prejudique o trabalho de Tite.

“Ele pode tanto nos dar a Copa como tirá-la. Ele não vai chegar 100% por causa da lesão. Vai chegar clinicamente curado, que é uma coisa. Tecnicamente pronto é outra. Basta ver o Diego, do Flamengo, que chegou jogando um bolão, teve problema, operou o joelho e até hoje não voltou a jogar [bem]”, comparou.

“A minha esperança é que o Tite consiga enfiar na cabeça do Neymar que ele precisa diminuir um pouco a necessidade de ser estrela”, prossegue Renato. “Esse é o problema. Aquela ânsia de ser ele o craque, o cara, mostra isso muito claramente. Toda a atitude da carreira depois que saiu do Brasil foi de ‘eu sou melhor, vou ser o melhor do mundo, jogo para isso’. Aí briga com o juiz, simula falta. Neymar é aquela moeda que joga para o alto e pode dar cara ou coroa. Cara: ele desequilibra e ganha a Copa. Coroa: ele é expulso. Ele é Deus e demônio ao mesmo tempo.”

'Eu tenho medo da cabeça do pai do Neymar'

Tempo perdido com Dunga

Depois do Tolima [a eliminação do Corinthians para os colombianos na fase preliminar da Copa Libertadores de 2011], o Tite foi simplesmente campeão brasileiro, da Libertadores e do Mundial. Ele pega a seleção destroçada pela ideia estúpida que alguém teve de trazer o Dunga de volta. Um dos momentos de maior imbecilidade do futebol foi aquele. Quando me disseram que ele ia voltar, eu pensei: não é possível, ninguém é tão imbecil assim. Pois era. Tite pega aquela seleção de anões, porque virou a seleção dos sete anões, e transforma no que transformou"

Renato Maurício Prado, sobre a opção da CBF em não contratar Tite logo após a Copa de 2014

Renato Maurício Prado, sobre a opção da CBF em não contratar Tite logo após a Copa de 2014

Não era para ser 7 a 1, e sim 10

O Brasil tentou jogar para vencer a Alemanha, vamos ser justos. Felipão fez a escolha de ir ao ataque. Quando bota o Bernard no lugar do Neymar, ele está tentando manter o time para a frente. Acho que pôs tanto para a frente que tomou 7 a 1. Quanto mais levava, mais o David Luiz tentava fazer gol. A coisa se descontrolou totalmente. Se jogar os mesmos dois times, com o Bernard, mais dez vezes não vai ter 7 a 1. O Brasil vai perder a maioria, mas de goleada, não. Foi um momento... Inexplicável. E era para ser 10 a 1. Não foram 10 porque os alemães tiraram o pé. O cara que fez dois gols no segundo tempo [Schurrle] era reserva, entrou e quis mostrar serviço."

Renato Mauricio Prado, sobre o maior vexame do futebol brasileiro

Renato Mauricio Prado, sobre o maior vexame do futebol brasileiro

Tudo que o Messi faz, o Zico fazia...

Zico fazia o que Neymar não faz

O Casagrande [comentarista da Rede Globo] falou uma coisa que o pai do Neymar ficou zangado, mas acho que falou bem. O Neymar começa a driblar e só passa a bola se ele sente que vai perdê-la. É perfeita essa análise. O Zico passava, driblava, mas fazia a melhor jogada. Neymar nem sempre faz isso. A primeira opção é driblar todo mundo e fazer o gol. Se perceber que não vou fazer, aí eu toco. Acho que é aí que o Tite tem de trabalhar. Neymar, sempre a melhor opção. Não interessa se tem um zagueiro só na frente. Se o Gabriel Jesus estiver livre, toca nele, entendeu?"

Renato Mauricio Prado

Repdrodução Repdrodução

Chamado de 'corno' por F. Melo, caso foi parar na Justiça

Segundo o jornalista, jogadores e treinadores se incomodavam com os comentários dele na TV ou em artigos para jornais. Alguns o rebatiam, outros o boicotavam.

“É importante explicar. Como sempre fui um cara muito crítico, muita gente não queria vir ao meu programa [‘A Última Palavra’, no Fox Sports]. Faz parte também”, conforma-se.

Com Felipe Melo, volante atualmente no Palmeiras, a troca de farpas chegou aos tribunais. Em 2013, a possibilidade de o jogador reforçar o Flamengo naquela temporada virou tema da coluna de RMP em “O Globo”. No texto, ele disse que Melo, revelado pelo clube, não jogava “bulhufas” e conturbava ambientes por conta do temperamento. “Que fique bem longe do Fla! Está aí o tipo de jogador que só traz problemas, nunca soluções. E ainda é caro! Vade-retro”, escreveu na ocasião.

No Facebook, Felipe Melo chamou o jornalista de “corno, chifrudo, babaca e covarde”, e baseou os xingamentos em episódio peculiar: uma namorada que Renato “dividia”, sem saber, com o ex-lateral Roberto Carlos. Ele processou o jogador por danos morais. O caso ainda corre na Justiça.

“Ele ganhou em primeira instância, e fui condenado a pagar R$ 3 mil. Ganhei em segunda, e ele foi condenado a pagar R$ 20 mil [risos]. No momento, eu ganho R$ 17 mil. Mas meu advogado não se conformou com o fato de o juiz me dar ganho de causa, mas manter os R$ 3 mil, entendeu? Ele diz: se ganhou, ganhou, não tem de pagar R$ 3 mil antes. A briga é por R$ 20 mil integral. Esses R$ 20 mil não farão diferença para mim”, diz.

Vencer virou questão de honra

A questão é a seguinte: eu quero ganhar a causa. Porque o critiquei como jogador, e ele me atacou como pessoa. Essa é a diferença. Eu tenho de ganhar essa causa, e tenho certeza de que vou ganhar. Acredito na Justiça. Se ele vai pagar 5, 10, 15, uma mariola mordida, um cigarro Holanda... O que quero é botar na coluna: 'Atenção, Felipe! Você foi condenado a me pagar um sorvete de baunilha e uma pipoca melada, mas pague porque faço questão de comer isso em público'"

Renato Maurício Prado, sobre a briga judicial com Felipe Melo

Renato Maurício Prado, sobre a briga judicial com Felipe Melo

Martin Thomas/Reuters Martin Thomas/Reuters

Foi um jogador medíocre no Flamengo, diz sobre Felipe Melo

A implicância com Felipe Melo não tem um quê de parcialidade? O jornalista não deixou o lado torcedor falar mais alto na hora de se manifestar? Renato Maurício Prado defende a opinião e a livra de clubismo, embora ache que o volante não teve boa passagem pelo Rubro-Negro, no início de carreira.

“Perseguir, não. Eu nunca gostei dele como jogador, é diferente. Foi um jogador medíocre no Flamengo. Medíocre. Eu não nego isso, é óbvio, tecnicamente ele sabe jogar muito, mas tem cabeça completamente desmiolada. Basta ver o que fez no Palmeiras quando chegou. ‘Vou dar soco no uruguaio’. Olhe o que aconteceu, a confusão, entendeu?”, explica RMP, citando a briga em que Felipe Melo se meteu com jogadores do Peñarol, na Copa Libertadores de 2017.

Já que ele contou a análise da “chupeta e bengala” nesta entrevista, não custa perguntar: Felipe Melo se encaixa na teoria ou é perna de pau? “Nesse futebol brasileiro aqui, se ele mantiver o mínimo de cabeça no lugar, nada de braçada. Porque nesse futebol de chupetas e bengalas, ele é uma bengala não tão grande ainda e vai nadar de braçada.”

Sem saber, dividiu uma namorada com Roberto Carlos

Taís Vilela/UOL Taís Vilela/UOL

Conheceu um filho colombiano quando ele já tinha 29 anos

Renato Maurício Prado casou-se duas vezes, e da última união nasceu Luiza. Há dez anos, ele teve uma enorme surpresa.

Em 1977, em viagem à Colômbia para cobrir as eliminatórias da Copa do Mundo do ano seguinte, o jornalista engatou um rápido relacionamento. “Era um triangular, em Cali. O Brasil ganhou de 8 a 0 da Bolívia, o Zico fez 300 gols, ganhou do Peru com gol do Gil e se classificou. Passei 15 dias em Cali. No primeiro dia, eu conheci uma colombiana modelo, estonteante, e tivemos 15 dias juntos. Estela Luz. Na verdade, Luz Estela. Tenho contato”, descreve.

Ele voltou à Colômbia em 1981 e reencontrou a jovem. Com ela, havia um garoto chamado Michael. Bateu uma dúvida, ele perguntou se era o pai do garoto, e ouviu um “sim”, mas a questão não avançou. “Naquela época não existia teste de DNA, internet, nada. Mundo jurássico”, lamenta.

O tempo passou, e Michael, com 29 anos, resolveu procurá-lo. “Dez anos atrás, ele me mandou e-mail”, detalha. Eles resolveram fazer um teste de DNA, que atestou a paternidade. “Não deu outra. Aí peguei avião, passei uma semana [na Colômbia], trouxe-o para o Brasil, aluguei casa em Búzios [litoral do Rio]. Ele ficou uma semana aqui, conheceu a família toda, e a partir daí vem todo ano passar férias aqui.”

Ainda que desconfiasse que tinha outro filho, descobri-lo já como adulto não deixa de ser um choque de realidade. “Uma coisa é você se preparar para ter filho. A Luiza, por exemplo. Foram nove meses de espera, muita ansiedade, porque a Kátia [ex-mulher] perdeu um antes. Quando nasce, vem aquela explosão de alegria. Agora, de repente, um filho pronto, adulto, um homem. Mas é emocionante para burro também. São sentimentos diferentes, por incrível que... São dois filhos, mas um você criou, sabe tudo, e o outro, por mais que não seja, é um estranho que a gente procura acabar com essa coisa de não ser tão próximo uma vez por ano”, explica.

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Confira mais trechos da entrevista com Renato Maurício Prado

Veja os extras do vídeo do bate-papo com o jornalista.

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