Gostem ou não

Mauro Cezar virou um dos principais comentaristas da TV sendo do contra antes do 7 a 1 e peitando "haters"

Bruno Freitas e Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo
UOL

Mais de 750 mil pessoas seguem Mauro Cezar Pereira no Twitter, em um capital "social media" que sinaliza: o profissional da ESPN é hoje um dos comentaristas mais influentes do Brasil entre fãs de futebol. Também tem sido assim com os personagens que fazem o noticiário, numa atuação que inclui embates bem conhecidos com o ex-ministro do Esporte e o atual presidente do Flamengo.

Parte desta reputação foi construída indo contra o senso comum, principalmente na Copa de 2014. Enquanto a seleção avançava, o comentarista preferiu um tom crítico – não enxergava o time da casa sendo campeão. Mauro então foi alvo da patrulha do patriotismo, mas no fim veio o 7 a 1, impensável em qualquer prognóstico, no desfecho que endossaria sua linha de análise: "Muita gente pediu desculpas".

Em entrevista ao UOL, Mauro Cezar Pereira também fala da perseguição nas redes sociais por causa do time que torce e explica o processo de "block" nos "haters" virtuais. No papo a seguir, o comentarista da ESPN e colunista do Estadão ainda diz que manifestações políticas não devem ser inibidas no universo do esporte e responde se a imprensa brasileira alivia ou não no tratamento ao ídolo Neymar.

Ele ganhou no 7 a 1

Divulgação/ESPN Divulgação/ESPN

Antes da TV, escreveu sobre economia e carros

O comentarista que hoje transita entre temas da cartolagem do futebol e futebol internacional construiu a carreira através de experiências bem diversas. Antes da exposição na TV como homem de opinião, Mauro Cezar lidou com números da economia e o universo dos carros, por exemplo.

O comentarista da ESPN trabalhou em jornais importantes do Rio, como O Globo, Jornal do Brasil, Jornal dos Sports e O Dia. Mauro Cezar também acumula passagens pelas rádios Globo e Tupi. O jornalista nascido em Niterói ainda atuou pelo Valor Econômico e revista Forbes, além de ter cuidado do site do programa Auto Esporte, da TV Globo.

Mauro se mudou para São Paulo em 1993 para trabalhar na redação da revista Placar. Adiante, 11 anos depois, foi indicado para a ESPN por Paulo César Vasconcellos. Aos poucos o jornalista foi aumentando sua participação na emissora, até receber o convite do diretor José Trajano para assumir a chefia de reportagem, em 2004, junto com PVC, ex-colega de Placar. Desde então passou a atuar com exclusividade na empresa. 

Divulgação/TV Cultura Divulgação/TV Cultura

Embate com ministro na TV

Ex-ministro dos Esportes do Brasil, Aldo Rebelo foi convidado do Roda Viva, da TV Cultura, em 2013. Mauro Cezar foi um dos jornalistas chamados para questionar o político, especialmente sobre a organização de Copa e Olimpíada no país. Cinco anos depois, um vídeo do programa passa de 80 mil visualizações no YouTube: "Aldo Rebelo vs Mauro Cezar Pereira e Luiz Fernando Gomes no Roda Viva".

O embate começou quando o comentarista perguntou o motivo do descumprimento de uma promessa de Ricardo Teixeira, antigo presidente da CBF, de que todos os estádios da Copa seriam feitos com dinheiro privado. O debate seguiu para a iminência de os estádios de Manaus e Cuiabá tornarem-se "elefantes brancos" e terminou com acusações de preconceito de lado a lado.

Aldo Rebelo rebateu uma opinião de Mauro Cezar com ironia: "O que me surpreende é que vocês que são homens cosmopolitas, viajados, internacionalizados, há até quem torça por times argentinos, vão para a Europa e lá qualquer cidadezinha tem estádio, então por que não em Manaus e Cuiabá?".

Mauro Cezar respondeu: "Sou eu mesmo. Algum problema, senhor ministro? Você é que está sendo preconceituoso agora."

Meia década depois, o jornalista da ESPN reflete que a Copa no Brasil foi tudo o que se esperava dela: mau uso de dinheiro público, estádios superfaturados e alguns até subutilizados. "O tempo mostrou para quem tinha alguma dúvida", disse.

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A imprensa brasileira alivia para Neymar?

A reportagem perguntou a opinião de Mauro Cezar sobre a relação entre a imprensa brasileira e Neymar, o principal jogador de futebol do país nos últimos anos. Será que há moderação em posturas críticas, em nome de bom relacionamento e de oportunidades de entrevistas, questionou o UOL.

"Tem o lado da mídia que é voltada para o oba-oba, aquela coisa mais ufanista, e claro que não vão ser críticos com o principal jogador brasileiro do momento. Mas tem gente que critica o Neymar, tem uma boa quantidade de colegas que são críticos em relação ao Neymar. Geralmente as críticas nem são em relação ao futebol dele, que é excelente. Ele é um grande jogador, sem dúvida alguma, mas as críticas são àquilo que o cerca", opinou.

"Sobre entrevistar o Neymar com exclusividade, eu nunca vi uma entrevista dele que vale a pena. Se alguém está investindo nisso está perdendo tempo. Pode até dar audiência, mas o conteúdo é muito pequeno, porque ele não diz nada. Não é só ele, o Messi também", emendou.

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Comentarista pode (deve) ser também repórter?

Nem todo comentarista de futebol da TV atua também na apuração de notícias. Mas alguns fazem isso, incluindo ex-jogadores com rede de relacionamentos entre boleiros, mesmo sem formação tradicional em jornalismo. Para Mauro Cezar, a missão de perseguir a informação não deve ficar em segundo plano. 

"Isso é uma coisa que eu nunca vou abandonar. O mais legal do jornalismo é ser repórter, ter desejo pela notícia, saber o que está acontecendo de fato", disse.

"Você às vezes nem pode dar aquela informação, porque é algo que não pode provar. Mas você sabendo qual é o bastidor, tendo boas fontes, mesmo que você não possa compartilhar tudo o que você conseguiu apurar, diminui a possibilidade de você ser ingênuo de defender uma coisa quando na verdade é outra", acrescentou.

Manifestação política dentro do esporte

Tem torcedores que são punidos por manifestações como reivindicar por um ingresso mais barato, contra o programa de sócio-torcedor do clube ou pedir a saída de um dirigente que julgam ruim. Isso hoje é repelido, a polícia tira faixa. É um absurdo. O torcedor vai virar um bando de acéfalos que só vai lá bater palma e que não tem opinião sobre nada?

Mauro Cezar Pereira, sobre o esporte como ambiente para expressão política

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Nos tempos do "jornalismo engraçadinho"

Em busca de novas linguagens e interação com o torcedor mais jovem, segmentos da imprensa têm usado tendências da internet para produzir conteúdo mais "descolado". Quem assiste a ESPN, que também tem profissionais dentro da linha, sabe que não poderá encontrar esse tipo de teor nas participações do jornalista de Niterói. Mauro diz achar "um pouco confusa" a presença de entretenimento dentro de programas esportivos.

"O problema é quando o entretenimento vira prioridade em um programa jornalístico. Primeiro, o jornalista não é engraçado. Um ou outro colega consegue ser engraçado. A maioria não é, senão seria humorista, e não jornalista. Então, tenta fazer graça sem graça e resvala em coisas um tanto quanto indelicadas. E às vezes a informação, a credibilidade, ficam em segundo plano", diz Mauro.

Curiosamente, o crítico do jornalismo engraçadinho está presente num dos maiores virais humorísticos ligados ao esporte da internet: o "Fora Waldemar" (episódio folclórico de anúncio de técnico no Flamengo). "A gente rachava o bico no ar, as pessoas riam e pediam para colocar. Se dependesse do assinante tinha 'Fora Waldemar' todo dia. Eu vira e mexe coloco o vídeo na rede social porque o pessoal se amarra", relembra.

As pessoas acham que eu sou extremamente sério. Não, eu sou apenas um cara que trata os assuntos sérios de maneira séria. Eu não me preocupo em ficar sendo engraçado porque eu não me considero assim

Mauro Cezar Pereira, sobre sua postura profissional

Professor Mauro Cezar

Um passado pouco conhecido do comentarista é sua experiência como professor universitário. Entre 2002 e 2007, Mauro lecionou Jornalismo ou Rádio e TV em duas faculdades, além de um curso de pós-graduação, em São Paulo. A dificuldade de deslocamento entre as instituições e a redação da ESPN costumava fazer o jornalista chegar sempre em cima da hora para os compromissos. Como ele queria valorizar mais o mercado que se abria, decidiu dar foco à TV e largou as aulas.

Há ainda outra razão, mais subjetiva: Mauro é crítico do modelo estritamente comercial de universidades. O jornalista citou casos à reportagem de alunos "semialfabetizados", que recebiam do professor a orientação para cancelar a matrícula para voltar a estudar. No entanto, lá estavam eles em outro semestre, em período adiante, após entregar um "trabalhinho".

"Eu me sentia participando de uma farsa. Eu dei aula num curso de pós-graduação de jornalismo esportivo e tinha alunos nessa situação. Lembro que tinha um aluno que eu perguntei: 'Você estudou em qual universidade? Roubaram você por quatro anos. Você deveria ir lá e pedir todo o dinheiro de volta. Olha aqui o seu texto: um bom aluno de 12 ou 13 anos vai escrever melhor do que você'. Era pôr o dedo na ferida, mas era necessário. Eu me enchi de nadar contra a corrente", desabafa o jornalista, que mesmo assim pensa em voltar a dar aulas futuramente.

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"Tatiquês" afasta o espectador da TV

Outra tendência no futebol atualmente retratado na mídia são as análises táticas mais aprofundadas, que falam sobre esquemas, linhas altas e baixas, transições, compactação, etc. Já há programas e profissionais especializados neste tipo de linha, como na própria ESPN. Mauro Cezar diz ser defensor do uso de estatísticas mas prefere a moderação naquilo que chama de "tatiquês".

"Esse movimento incorporou ao vocabulário do jornalismo esportivo novas expressões, e algumas eu acho que são inadequadas para a comunicação com a massa. Na televisão você está falando com um público muito abrangente. Acho que o linguajar, que chamamos de 'tatiquês' é um pouco exagerado. Precisa de um aprimoramento, até para que você consiga seduzir mais pessoas para que elas se interessem pela tática. A gente não pode enfiar goela abaixo", opina o jornalista.

"Eu não trabalho para o Flamengo"

O "fetiche" do torcedor de descobrir o time dos jornalistas

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A paixão pelo Racing

Quem acompanha o trabalho de Mauro Cezar está familiarizado com a paixão do comentarista pelo Racing, popular time do futebol argentino. Este sentimento aflorou em uma transmissão da TV Bandeirantes em 1992, quando o narrador Luciano do Valle estava abismado com a cantoria incessante da torcida da equipe, que perdia a final da Supercopa para o Cruzeiro: "Aquilo mexeu comigo", descreveu Mauro. 

"Hoje eu tenho muito seguidor que é torcedor do Racing, gente do próprio clube. Já apareci até na homepage do clube, quando me deram uma camisa do (Diego) Milito. Passou a fazer parte da minha vida. Estive lá em 2014, quando o time foi campeão, e foi um dos momentos mais sensacionais que já vivi no estádio", acrescentou.

O argentino tem essa relação de uma forma diferente do brasileiro. Aqui, quando o time vai mal, o torcedor não se sente incomodado em dizer: 'Esse time está uma merda, nem quero saber, nem tô vendo, nem estou acompanhando'. É muito comum. O brasileiro não se envergonha disso, o argentino é o contrário, se orgulha de estar na podre e na boa

Mauro Cezar Pereira, sobre a diferença de atitude entre torcedores argentinos e brasileiros

Hugo Pontoni/Divulgação Hugo Pontoni/Divulgação

Sem demonizar as organizadas

Ainda dentro da cultura de arquibancada, Mauro tem sido uma voz destoante na imprensa em relação às organizadas e à questão da violência de estádios. 

“É muito mais fácil o jornalista discursar de forma conservadora, demonizando a organizada, falando como se todos fossem bandidos. É um discurso barato, vazio, desconectado da realidade, porque já proibiram torcida organizada e não aconteceu nada. Você não consegue proibir a reunião de pessoas. O mais engraçado é que tem jornalista discursando assim, porque é um discurso fácil, não exige estudo, aprimoramento no assunto, não precisa pensar muito”, emendou.

As pessoas não entendem que a violência é uma coisa, a festa na arquibancada é outra. Violência das organizadas não significa que elas não possam fazer coisas boas. São as organizadas que tradicionalmente fazem o espetáculo nos estádios, sempre foi.

Mauro Cezar Pereira, em reflexão sobre a violência ligada às torcidas de futebol

Os critérios do block nas redes sociais

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Uma trégua aos bloqueados

Em 12 de abril, Mauro lançou uma campanha no Twitter: por meio de mensagens marcadas com a tag #bloqueadoarrependido, prometia avaliar pedidos de pessoas que estavam bloqueadas por ele, mas que gostariam de voltar a interagir. O comentarista anunciou a ação  como "um dia do desbloqueio". Naquele momento, mais de 3 mil pessoas não podiam comentar suas publicações. 

Em apenas quatro dias de campanha, mais de 600 usuários do Twitter entraram em contato com o jornalista, dizendo estarem arrependidos por mensagens ofensivas ou piadas e acabaram desbloqueados. Mauro Cezar também é perdão.

Confira mais trechos da entrevista com Mauro Cezar Pereira

Jornalista fala sobre a imprensa esportiva na TV e temas atuais do futebol. 

Assista ao vídeo.

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