Olho (incansável) no lance

Silvio Luiz morre aos 89 anos. Em 2017, UOL conversou com o narrador sobre a carreira e os bordões

Bruno Freitas e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo
Julia Chequer/Folhapress

Reportagem publicada originalmente em 2017.

Veio a era da internet, as TVs fechadas, e Silvio Luiz continuava com o microfone em mãos, soltando sua voz inconfundível e seu vasto repertório de bordões. Ele narrou até o fim de sua vida: passou mal na final do Paulistão de 2024, quando narrada para a Record TV. Naquele dia, ele sofreu um AVC. Não se recuperou. Morreu aos 89 anos, em 16 de maio de 2024.

Silvio Luiz se notabilizou como um prolífico criador de bordões, frases que transcenderam o mundo do esporte e ganharam a cultura popular. Assim, conseguiu levar sua marca registrada para as mais diversas frentes, como publicidade, videoclipes musicais, desenhos animados e até para o universo dos videogames.

Na conversa com o UOL Esporte, em 2017, o criador de "olho no lance" e "pelas barbas do profeta" revisitou vida e carreira, disse quais eram os únicos colegas que gosta de assistir na TV e relembra quando quis ser presidente de federação, em candidatura-protesto. Silvio Luiz ainda comentou a mágoa da demissão na Band e falou das personalidades que conheceu ao longo da trajetória, de Pelé a Fausto Silva.

Só vê Galvão e mais três na TV

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"Então, quando eu achar que não der mais, eu vou dar um baile, uma festa, e vou dizer: 'moçada, c'est fini la contredanse, acabou a festa'. Quem viu, viu. Quem não viu pega no arquivo".

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Como virou narrador

Quando foi para a TV Record, o proprietário da emissora, Paulo Machado de Carvalho, decidiu por uma nova incursão nas transmissões de futebol - experiente como repórter de campo, Silvio revezava na narração com Hélio Ansaldo. No entanto, logo o locutor viu que não levava jeito para a função: "Seu Paulinho, deixa o Silvio ser narrador porque estou vendo que ele tem mais jeito do que eu".

Divulgação/RedeTV! Divulgação/RedeTV!

E os imitadores?

O êxito de Silvio inaugurou uma nova fase para narradores, com brecha para criatividade e bom humor. Nessa linha, alguns se deram bem, como Januário de Oliveira. Outros, nem tanto. "Se o cara quer ser engraçado ele tem que ser melhor do que eu. E se o cara é engraçado já falam que ele está imitando o Silvio Luiz. Então eu acho que cada um tem que criar o seu estilo. Eu não imitei ninguém, cara", comentou.

Como nasceu o "foi, foi, foi, foi ele"

Arte UOL
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Relação com Luciano do Valle

Já com uma experimentada carreira, Silvio Luiz desfrutou do auge de popularidade quando passou a integrar a equipe da Bandeirantes na TV, nos anos 80 e 90. Ali, antes da explosão dos canais fechados de esporte, o time comandado por Luciano do Valle fez história ao dominar a grade da emissora com suas transmissões.

"Profissionalmente, o Luciano sempre foi um grande amigo meu. Quando a TV Gazeta comprou o Pan-Americano, aquele em que o Brasil ganhou dos EUA no basquete (1987), a TV Gazeta me convidou. Aí o Luciano apareceu também na equipe. E, numa espera de elevador, na garagem da Gazeta, ele perguntou: 'você não quer trabalhar comigo na Bandeirantes?'. E eu falei: 'pagando bem, que mal tem?'".

Saída da Band foi causada por uma cadeira quebrada

O Luciano não tinha lá dentro aquela força. Inclusive, quando ele ficou sabendo, encontrou comigo na porta e disse: 'oh, Silvio, que sacanagem, hein? Antigamente eu dava um berro aqui e os caras resolviam. Hoje eu não mando mais nada'

Silvio Luiz

Silvio Luiz, sobre papo com Luciano do Valle após a demissão na Bandeirantes

Por que não narrou a Copa de 2014?

É evidente que fica uma frustração. Mas depois eu entendi porque houve um pedido da Fox para que eu fizesse. Aí o senhor Amílcare (Dallevo Jr., presidente da RedeTV!) explicou. Eu entendi perfeitamente porque ele não autorizou. Não tem problema, pô

Silvio Luiz

Silvio Luiz, sobre o "não" da RedeTV! para narrar a Copa emprestado no Fox Sports

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A melhor narração

"A vitória do Corinthians em 77, gol do Basílio. Primeiro porque tinha uma amizade grande com o Brandão [técnico do time]. Segundo porque 22 anos numa fila, cara, e aquela torcida ali, levando o time nas costas. Acho que foi por esse sofrimento da torcida do Corinthians, que eu respeito muito."

Reprodução/Comitê Olímpico Americano Reprodução/Comitê Olímpico Americano

Caganeira em Barcelona

"A sede do basquete na Espanha era em Badalona [Olimpíada de 1992]. Eu fui com o Edvar Simões, que era o comentarista, para lá e eu tive a desgraça de comer um cachorro quente antes de entrar. Aí você já imagina o que aconteceu. 'Agora é você, Edvar'. Para ser sincero, uma caganeira de primeira."

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Jogadores mimados x Pelé

Silvio Luiz desfrutou dos tempos em que jornalista esportivo batia longos papos com os jogadores depois de treinos, dentro de campo, e eventualmente saia para jantar com alguns craques. A transição de costumes foi impactante para quem vive hoje a era dos assessores e dos comunicados oficiais.

"Hoje em dia é uma frescura que eu vou te contar. O cara se acha a última bolacha do pacote. Ele assina um contratinho vagabundo, já tem um empresário, aí ele arruma um assessor de imprensa e acabou a festa. Para marcar uma entrevista com um cara desses aí, ele diz: 'vou consultar a agenda'. Como se ele fosse o rei da Suécia e não dependesse da gente nos momentos cruciais da carreira dele".

Eu viajei com ele num avião na Copa da Espanha, ele dormindo aqui. Eu estava saindo de um jogo, no meio da multidão, ele passou de carro, me puxou para dentro do carro. Quer dizer, se eu entrevistei o Pelé, convivi com Pelé, por que eu vou me aborrecer com os "pé de rato" que estão espalhados por aí hoje?

Silvio Luiz

Silvio Luiz, comparando Pelé com à geração atual de jogadores

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Sobre ex-jogadores comentaristas: onde está o diploma?

"Eu tenho a minha restrição porque acho que jornalista faz faculdade, jornalista paga a faculdade, jornalista perde tempo na faculdade, jornalista ganha diploma na faculdade e depois não consegue emprego. Aí vem um cidadão que ganhou a sua vida honestamente numa outra profissão, sem faculdade, sem gastar dinheiro de faculdade, sem ter diploma de faculdade e vem para o meu poleiro aqui.

Se cada um desse que você contratar, você contratar dois jornalistas, tudo bem. E acho até que esse pessoal devia fazer uma faculdade para dizer: 'Silvio, eu também sou jornalista, fiz faculdade, gastei meu dinheiro, ganhei meu diploma'."

Ameaças após criticar Edmundo

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É mesmo torcedor são-paulino?

"Consta (que é são-paulino), mas não provam. Na minha casa tem de tudo. Minha mulher é palmeirense, meu mais velho santista, a do meio corintiana e o mais novo são-paulino. Tem de tudo. Graças a Deus não se discute futebol em casa.

Vou contar uma coisa. Depois de tantos anos com a bunda na janela, você cria um círculo de amizades e passa a não torcer para o time. Você passa a torcer pelo amigo que está no time. Por exemplo, o Muricy, o (Oswaldo) Brandão, o Tite."

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Irreverência

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Candidato à presidência da FPF

Em época de popularidade na TV Record, Silvio Luiz encabeçou uma chapa de jornalistas pela presidência da Federação Paulista de Futebol. O protesto visava atacar os dirigentes do Estado e o caos político da época. Num dos atos de campanha, o narrador foi até a sede da entidade de charrete, vestido de cartola. Nas urnas, porém, foi derrotado duas vezes por José Maria Marin.

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Amizade com Flávio Prado

Nas duas campanhas (1982 e 1985), Silvio Luiz teve o jornalista Flávio Prado como candidato a vice. O atual comentarista da TV Gazeta é um dos grandes amigos que o narrador fez ao longo de sua trajetória na comunicação. Silvio Luiz é padrinho de casamento de Flávio Prado e já teve oportunidade de trabalhar com o filho do amigo. O narrador diz que o comentarista é "o rei das pegadinhas".

Reprodução/site oficial Reprodução/site oficial

Experiência na arbitragem

Certo dia, quando trabalhava na Rádio Bandeirantes, Silvio Luiz sugeriu a um colega que ambos ingressassem no curso de arbitragem da Federação Paulista. A missão de reportagem seria descobrir "quem é que está metendo a mão". A dupla de jornalistas passou nas provas com louvor e logo estava apitando jogos de menor importância: "várzea infantil, juvenil, jogo de penitenciária". Aos poucos o narrador foi sendo escalado para partidas mais relevantes. Nos anos 70, chegou a trabalhar em partidas do Campeonato Brasileiro.

Qual árbitro não é xingado? Mas aprendi uma coisa com o Armando Marques, meu professor. Quando você for apitar, entre sempre em campo com o time da casa. Você não é vaiado

Silvio Luiz

Silvio Luiz, sobre a malandragem nos tempos como árbitro

Troquei muita roupa atrás de pé de mamona em campos de futebol por aí. É, cara, a vida de árbitro não foi mole, não. Hoje em dia está tudo sossegado, está tudo bem, tudo maravilha

Silvio Luiz

Silvio Luiz, sobre as dificuldades em apitar jogos no interior do país

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Primeiro emprego como ator

Na juventude, Silvio Luiz mantinha o hábito de frequentar os estúdios da Rádio São Paulo, onde a mãe trabalhava como locutora. Depois de perturbar bastante um diretor, conseguiu uma oportunidade para participar de um rádio teatro. O primeiro papel do futuro narrador esportivo foi de um carteiro, com uma única fala: "uma carta para o senhor".

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Como virou repórter

Pouco depois Silvio foi trabalhar na TV Paulista, onde recebeu o convite para ser repórter de campo (em seguida foi para TV Record). Logo se habituou a trabalhar com o microfone de grandes dimensões: "Era uma caixa deste tamanho, com uma antena. Só que você não ouvia o que os outros falavam, só você podia falar, você não sabia se estava sendo ouvido".

Por que parou de narrar no PES

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Dublando no filme "Carros 3"

A voz de Silvio Luiz aparece no filme da famosa franquia da produtora Pixar. O veterano interpreta um narrador de uma corrida que tem o herói Relâmpago McQueen em ação. Everaldo Marques e Rômulo Mendonça, da ESPN, também atuam na dublagem para o Brasil.

"Eu sou um caminhão que está anunciando a corrida lá", contou Silvio Luiz.

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Veneração pela mãe

Silvio Luiz é filho da falecida atriz Elizabeth Darcy, que teve muito êxito no rádio e nos primórdios da televisão brasileira. A artista criou os filhos praticamente sozinha, após a morte precoce do pai dos meninos. "Ela foi realmente uma heroína, morreu com 97 anos. Eu que peguei o sucesso dela, não ela o meu. Ganhou um (prêmio) Roquette Pinto comigo uma vez. Ela foi realmente macho, como a gente diz. Criar três não foi fácil."

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Um filho comportado

Ao lembrar da infância, o narrador diz que foi um jovem que não deu problemas a mãe. "Acho que eu fui um bom filho, e a minha mãe foi mãe e pai, porque perdi meu pai cedo. Para me sustentar, ela teve que trabalhar, e eu me comportei sempre bem. Quando achei que devia trabalhar para ajudar, ela disse: 'se você quiser parar de estudar e trabalhar, você vai ter a responsabilidade de pagar a água, a luz e o telefone'. Acabei fazendo as duas coisas."

Casamento de 48 anos

O casamento é uma arte de engolir sapos, dos dois lados. Ela engoliu muito meu, e eu engoli muito dela. Assim dá certo. Se vai pegar a ferro e fogo, desiste. Tem que haver uma simbiose e, às vezes, você engole jacaré, elefante, sapo, aranha. Mas dos dois lados

Silvio Luiz

Silvio Luiz, sobre a duradoura relação com a cantora Márcia

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Amigos

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  • Mário Sérgio

    "Saudade. Ainda outro dia falei com a mulher dele no Facebook. Saudade, um puta companheiro. E manjava muito de bola. Esse foi campeão"

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  • Jorge Kajuru

    "O Kajuru agora é político. Kajuru é meio xarope, é meio louco. Mas não deixa de ser uma boa pessoa. Quando é seu amigo ele é um cara leal"

    Imagem: Silva Junior/Folhapress
  • Fausto Silva

    Esse é outro cara que a gente tem que respeitar. É um cara que consegue ajudar os outros sem ninguém saber. Venceu pela capacidade, criatividade e caráter. Um beijo grande ao Fausto. Faz tempo que eu não vou na pizza dele

    Imagem: Felipe Assumpção e Philippe Lima/AgNews
  • Galvão Bueno

    Outro dia ele falou de mim no programa dele. Falei: "Galvão, paga um espumante para mim". É que eles jantam muito tarde. Como eu vou sair do restaurante cinco horas da manhã? Minha mulher me bota para fora de casa

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Doença nas cordas vocais superada

Um contratempo de saúde tirou Silvio Luiz das transmissões por um ano. Em 1999, o narrador teve descoberto um pólipo benigno numa corda vocal. Depois de uma cirurgia, a estrela da TV acabou não seguindo à risca as recomendações de médico e fonoaudióloga. Então, precisou encarar um tratamento longo até recuperar a potência da voz.

"A cicatrização do nosso corpo vem de dentro para fora. E ali é o seguinte, cara, é um negócio tão justo que se tiver um fiozinho de cabelo a mais você desafina. Então foi preciso esperar que a cicatrização acontecesse e que juntasse de novo para que continuasse dando os sons devidamente harmônicos", explicou.

Na volta ao batente, Silvio Luiz narrou uns 30 jogos em VT para se preparar, sozinho. Quando foi para valer, sentiu medo de estourar a corda vocal. Mas logo superou a barreira psicológica.

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