Canalha do bem

João Carlos Albuquerque evita viés humorístico do jornalismo esportivo e conquista fãs ilustres como Jô Soares

Bruno Freitas e Leandro Carneiro Do UOL, em São Paulo
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Assistir ao Bate Bola de João Carlos Albuquerque na ESPN costuma ser um deleite, começando a noite com informação e muito bom humor. Mas é um engano escalar o veterano no mesmo time de profissionais que hoje fazem sucesso com um viés mais cômico no jornalismo esportivo. O Canalha, no apelido que seus espectadores se habituaram a usar, só tenta ser ele mesmo.

Num momento em que o jornalismo busca novas linguagens, dialogando com tendências vindas da internet, João Carlos prefere "não forçar a mão" como um personagem. Mesmo assim, o apresentador do Bate Bola e do Bola da Vez encara as demandas atuais, como a interação ao vivo por mídias sociais. Um dos mais longevos nomes da ESPN, Albuquerque inclusive diz ter popularizado essa cultura de conversar com o espectador – desde a época do fax.  

O Canalha faz citações sobre arte, reflexões sociais, mas também é capaz de "surfar" na mesa do estúdio em um rompante de descontração. Professor e músico, o apresentador da ESPN é bem mais do que esporte no ar, em um estilo despojado que arrebatou a admiração de gente como Jô Soares.

João Carlos Albuquerque veio da televisão mais conservadora do século 20 e, do seu jeito, vai sobrevivendo nos tempos do esporte engraçadinho na TV brasileira.    

 

Jornalismo engraçadinho: "um lixo"

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Lidando com os "haters" ao vivo

Estar ao vivo diariamente na televisão é lidar com os famosos haters. Apesar de fazer sucesso com seu público, João também precisa encarar alguns telespectadores e seguidores no Twitter que preferem a cultura da ofensa pela web.

"Eu acho que eu não cheguei a mandar (para aquele lugar), mas o cara deve ter sentido que a intenção era essa. Eu já falei alguns palavrões assim meios disfarçados também. Porque tem pessoas que são de uma baixeza alucinante", falou.

O conselho dado para o apresentador é que ele não deveria ler mais as mensagens dos seguidores. João chegou até a prometer que faria isso, mas no fim não conseguiu colocar em prática.

Como João Carlos virou Canalha

Comecei a chamar os chatos de "mala". Quando eu saí e voltei (da TV), o "mala" já era uma coisa malhada, não se usava demais. Aí, como gosto de criticar os políticos corruptos, a estupidez, sempre usei o programa para isso. Comecei a chamar esses caras de "canalhas"

João Carlos Albuquerque, apresentador

Às vezes lia um e-mail irônico, e falava assim: "mas olha que canalha". E falava: "no bom sentido, né? Porque canalhas somos todos, só que somos Canalhas com C maiúsculo, e esses canalhas corruptos, estúpidos e violentos são os canalhinhas, com C minúsculo"

João Carlos Albuquerque, apresentador

E comecei a chamar mensagem ou político de "canalha". Aí os caras começaram a me chamar também de canalha, virou essa troca. Eu até gostei. Acho canalha é uma palavra divertida, parece uma bandeira desfraldada assim no vento: "canaaaaalha..."

João Carlos Albuquerque

João Carlos Albuquerque, apresentador da ESPN

Reprodução/ESPN Reprodução/ESPN

Interação com espectador via fax

João Carlos é um dos mais longevos apresentadores da ESPN. O jornalista entrou na emissora em 1998, inicialmente para apresentar o "Limite", atração semanal sobre automobilismo. Mas logo foi convidado por José Trajano, então diretor de jornalismo, para assumir o "Bate Bola" – a princípio sozinho, depois na companhia de Soninha Francine. Neste programa, desenvolveu a cultura de conversar com o espectador. Na época, com a internet engatinhando, a interação funcionava através do fax. 

Na verdade, fui eu que inventei isso, viu? Eu comecei a ler o fax dos telespectadores e achei aquilo demais. Eu lia uns caras chatos e dizia: 'hum, mas que mala!'. E aquilo começou a dar certo, esticaram em 15 minutos o Bate-Bola para eu interagir com os caras

João Carlos Albuquerque, apresentador da ESPN

Exagero de mesa redonda na TV

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Briga com o diretor

João também acumula alguns atritos com membros de suas equipes em sua passagem pela TV. Segundo ele, é uma área em que algumas pessoas se acham "donas de algum pedaço da televisão". "Eu nunca me senti proprietário de nada em televisão, nunca tive uma mesa minha", diz.

Teve uma vez pior, no SBT. Mudei umas palavras por causa de uma chefe de redação muito reacionária, escreveu coisas que não concordava. Ao vivo, eu mudava. Ela quis me enquadrar: "quem você pensa que é?". Falei cobras e lagartos, virei as costas e fui embora

João Carlos Albuquerque, sobre um entrevero nos tempos de apresentador de noticiário em TV aberta

Reprodução/ESPN

Rasgando o roteiro

Esporte + entretenimento

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Time clássico do BB

A combinação com os comentaristas Mauro Cezar Pereira, Paulo Vinícius Coelho e Lúcio de Castro é considerada a formação mais célebre do "Bate Bola". "Foi o que deu a dimensão do programa. O Lúcio muito político, o PVC com aquela memória espantosa, o Mauro, o 'Maurumor', como as pessoas brincam, um cara que tem uma capacidade de se exprimir impressionante", comenta.

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"É o Waldemar"

Um momento folclórico do jornalismo esportivo aconteceu em 2003, quando um diretor do Flamengo conhecido como Vassoura anunciou Waldemar Lemos como técnico do time - para espanto de mídia e torcida. De vez em quando a entrevista é reproduzida na TV. Numa dessas reprises, o time do "BB" caiu numa crise de risada que também ficou famosa: "Aquilo é muito engraçado, Qualquer hora vamos reprisar".

Reprodução/ESPN Reprodução/ESPN

Pink Floyd com Ceni

Num certo período da vida, João Carlos se apresentou em bares do interior paulista com um violão em punho. Na TV, o jornalista já teve oportunidades de mostrar seu talento musical, como na vez que executou "Wish you were here", clássico do Pink Floyd, junto com Rogério Ceni. "Também cantei com o Seu Jorge uma vez, os dois no violão. Foi divertido, também com o Rogério Ceni. Foi tanta coisa, né?", recorda o apresentador.

Um santista assumido na TV

Numa edição do "Bate Bola" no começo de junho, João Carlos Albuquerque olhou para a câmera e disse em tom humorado que iria orientar como o técnico Dorival Jr. deveria escalar o Santos contra o Corinthians. Quem acompanha o apresentador sabe que o time da Vila Belmiro é o seu clube de coração. Ao contrário de outros colegas de televisão, o Canalha não faz questão de esconder a paixão. 

João Carlos não frequenta os estádios com a assiduidade dos tempos em que era repórter de rádio, mas de vez em quando vai ver alguma partida do Santos. Albuquerque viu Pelé jogar e hoje se impressiona com o excesso de religiosidade em comemorações de gol. "Me incomoda. Parece que Deus está do lado do seu time quando você faz o gol", afirma o jornalista.

Amigos de emissora

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Saída de Trajano

"Fiquei chateado quando soube que ele ficou chateado, porque achei que tinha sido um acordo, nunca soube exatamente os detalhes. Mas o Trajano é a cara da ESPN. Até as sugestões que eu dava para ele eram dele"

Divulgação/ESPN Divulgação/ESPN

Amigão enche a bola

"O Paulo Soares uma vez falou para mim: 'João, se você quiser, você apresenta o Jornal Nacional'. Opinião dele, né? Não é nenhuma vaidade. Não estou me promovendo, não, pelo amor de Deus, longe de mim. Mas não sei"

Bronca de Jô virou amizade

Tem uma coisa que sou obrigado a reclamar do lugar onde trabalha, a ESPN, que é o seguinte: ele tinha um horário e mudaram o horário, só para me sacanear (...) isso aqui é dos maiores desperdícios da história da TV brasileira, a meu ver pouquíssimo aproveitado

Jô Soares

Jô Soares, apresentador, quando recebeu Canalha em seu extinto talk show na Globo

Caipira quer fugir da metrópole

Odeio cidade grande, reclamo sem parar, é um barulho infernal. No interior você dorme, acorda e olha os passarinhos cantando. Fora os churrascos regados a violão e meus amigos. Sinto falta disso

João Carlos, sobre a vida em Brotas e São Carlos (SP)

Sou bicho do mato mesmo. Sei lá, sou meio sociopata, meio recluso, solitário mesmo. A imagem que eu tenho mais frequente de mim é eu sozinho lendo um livro num restaurante, numa padaria

João Carlos, sobre a personalidade introspectiva

Quero dar aula ainda, de qualquer coisa. Minha concepção de escola é tão diferente. Queria muito ter uma escola. Aí eu fico dando aula para mim, sabe? Estudando cinema, lendo muitos livros

João Carlos, sobre voltar a trabalhar como professor

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Voz e imagem

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O começo no rádio

A trajetória começou ainda com 16 anos, em Santos. Foi por lá que João deu os primeiros passos no mundo do jornalismo. Largou a oportunidade quando foi para São Paulo. Na capital, estudou Direito e trabalhava com o pai advogado. Até que um dia surgiu um convite para ir para a Rádio Capital. O desafio era a Copa do Mundo de 1978, na Argentina. Foi na rádio em que passou muitos apuros com torcedores e até teve de improvisar uma narração quando seu locutor foi "atacado"

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Âncora-galã na Manchete

Antes de fazer sucesso com o público do esporte, João foi âncora da extinta Manchete. De terno e óculos, ele passava uma imagem de seriedade, mas também de galã. Ou "bonitão", como se auto intitula. "Um cara bonitão é um cara que é normal. É bonito, mas nem tanto. Eu nunca fiz pose de galã, nunca me preocupei". Foi com essa imagem que acabou ganhando o apelido de Clark Kent. "O que posso fazer, né? Mas nunca me subiu nada para cabeça, nunca fiz pose de galã"

Lembro de ter narrado um finalzinho de jogo entre Santos e Ponte Preta, em Campinas, porque a torcida da Ponte se voltou contra a cabine da Atlântica. O Valter Dias estava narrando, e eles jogaram o equipamento, tiraram a cabine do ar. Tive que narrar olhando o jogo, a polícia e tudo. Depois a gente saiu escoltado pela polícia

João Carlos Albuquerque , sobre ter narrado um jogo de dentro de campo, na época do rádio

Basquete com Galvão Bueno: "não chuta!"

Fala, Canalha

  • Rogério Ceni

    "Um super goleiro, aceitou um desafio que, se você não tiver muita coragem.... coloque-se no lugar dele. Herói, ídolo. Você trocaria no ano seguinte de fardamento e assumiria a bronca de técnico? Eu não"

    Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
  • Cristiano Ronaldo

    "O cara é um fenômeno como jogador, como atleta. Eu acho ele um 'xarope' em outras coisas, ficar fazendo pose de fortinho, mostrando o peitinho. Mas é admirável o cara como atleta, é show de bola"

    Imagem: Sergio Perez/Reuters
  • Neymar

    "Tem seus espasmos de estrelinhas e tal, mas está virando o melhor do mundo. Tem esses negócios aí, que eu acho que não é culpa dele, de grana. Mas o cara é um avião, o cara joga muito"

    Imagem: Pedro Martins/MowaPress
  • Neymar pai

    "Já tive uma discussão com ele no Bate Bola. Ele defende os interesses do filho, agora eu não sei até onde ele vai, há acusações graves de desvio de fundos, que não foram devidamente declarados"

    Imagem: Francisco Cepeda/AGNews
  • Felipe Melo

    "Eu não gosto das atitudes dele, de ser o cão de guarda, o valentão. Dá uma entrada para dizer: 'aqui quem manda sou eu'. Não gosto disso. Mas acho bom jogador, tem um físico privilegiado, se impõe"

    Imagem: Jales Valquer/FotoArena/Estadão Conteúdo
  • Tite

    "Eu acho o Tite demais. Antigamente não gostava das entrevistas porque achava tudo muito teatral. Acho que ele é o melhor, que a seleção já é a melhor do mundo, ganha da Alemanha jogando assim"

    Imagem: Pedro Martins/Mowa Press
  • Michel Temer

    "Sou radicalmente contra o político. Ele entra nessas condições para tomar desesperadamente as decisões que o grupo dele considera importantes, antes que seja cassado, ou que haja outra eleição"

    Imagem: AFP Photo/Andressa Anholete
  • Galvão Bueno

    Galvão é Galvão, né? O cara, quando vira instituição, vai falar o que? Você pode gostar mais ou menos de um cantor, de um narrador... o Galvão é um Roberto Carlos do futebol. É até difícil de achar um parâmetro num narrador

    Imagem: Reprodução

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