"Eu sou o rei do Rio"

Joel Santana mostra como é ser querido por rivais, fala de decepção com Parreira e do 'pode to be'

Vanderlei Lima Do UOL, no Rio de Janeiro
Arte/UOL

Joel Santana tem um currículo como treinador que dificilmente alguém consegue atingir no futebol brasileiro: comandou quatro clubes rivais no Rio de Janeiro, foi campeão com os quatro e é querido por todos eles. Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo credenciam "Papai Joel" a um título que nenhum técnico carioca terá tão cedo: o Rei do Rio.

“O Renato (Gaúcho) quis pegar o meu bastão, mas um dia eu falei: ‘Renato, rei só existe um. Eu vou falar um negócio, rei sou eu, a coroa está aqui e o bastão está aqui comigo, mas não vai dar certo em você. Agora, tem o seguinte: você, Romário, Edmundo, Sávio, Viola vão ser tudo meus príncipes’”, contou Joel Santana em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Com quase 40 anos de carreira como técnico, para Joel não há lugar em que se sinta mais à vontade do que dentro de um clube carioca. Ele conhece o território, os jogadores... Papai Joel também vai além das fronteiras cariocas. Na conversa, ainda falou de polêmica com Carlos Alberto Parreira por causa da Copa de 2010, a famosa prancheta e, claro, o sucesso do pode ‘to be’.

Joel foi reconhecido em assalto e saiu ileso: "libera que é parceiro"

Jorge Araújo/Folhapress Jorge Araújo/Folhapress

Sobre o fracasso no Corinthians: "entrei no meio do tiroteio"

Nem tudo foi carinho e títulos pelos times em que passou. No Corinthians, em 1997, Joel se magoou e durou só 15 jogos. Deixou o clube a três rodadas do fim do Brasileirão daquele ano e com risco de rebaixamento. Foram nove derrotas, quatro vitórias e dois empates. O treinador admite ter assumido o time na hora errada.

“Eu entrei no meio do tiroteio. Não só no Corinthians, eu entrei em três clubes: Corinthians, para cair, Cruzeiro, para cair, e Internacional. Eu tenho grandes amizades até hoje nesses clubes. Hoje eu me cobro, mas eu entrei no meio de um tiroteio, eu não sabia quem era quem, eu entrei de braços abertos, é diferente”, explicou.

Clive Rose/Getty Images Clive Rose/Getty Images

"Quase eliminei o Brasil de Dunga"

Joel Santana já deu um susto na seleção brasileira. Não foi como jogador, não foi como treinador da amarelinha. Como adversário na Copa das Confederações de 2009, Joel, comandante da África do Sul, sufocou o Brasil de Dunga naquela semifinal, vencida pela seleção por um sofrido 1 a 0.

“Eu perdi o jogo pro Brasil, estupidamente, com aquele gol do Daniel Alves, que entrou de lateral esquerdo, que ele não tem nem jeito para ser. Ele pegou de três dedos na bola, bateu a falta e fez o gol. Meu goleiro bobeou, se ele fica, pega a bola e iriamos pra prorrogação. Arriscava de ganhar o jogo”, analisou Joel.

Na disputa do terceiro lugar, Joel também deu azar contra os espanhóis. “Perdi para a Espanha na prorrogação, Espanha que foi campeã do mundo, com todo mundo, Xavi, Iniesta, aquele time todo que encantou o mundo. Eu peguei, fiz 3 a 2 em uma prorrogação e eu podia ter feito o gol”. 

"Pode to be!" Piada com inglês virou sustento de Joel

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

Joel ficou chateado por ter sido trocado por Parreira

Joel Santana e Carlos Alberto Parreira se revezaram na seleção da África do Sul. Em 2008, Parreira deixou o comando para cuidar da mulher, Joel assumiu o cargo, mas foi demitido menos de um ano antes da Copa do Mundo. Quem voltou ao posto foi justamente Parreira.

Joel diz que ficou chateado na ocasião, mas ressalta a importância de Parreira em sua trajetória. “Eu queria ir, eu já tinha feito uma Copa das Confederações boa, o time estava praticamente organizado e a programação estava feita. Isso é uma história que já tem oito anos e está enterrada. A princípio, me machucou muito pelas coisas que estavam sendo feitas, mas não deu e não adianta eu ficar aqui resmungando. Até porque o Parreira é um cara que eu respeito”, ressaltou.

Arte/UOL

"Parreira me chamou para a seleção, mas eu disse não"

Entre tantos times treinados, Joel Santana não vestiu a camisa mais desejada para alguém do mundo do futebol brasileiro, o uniforme da seleção de seu país. Oportunidade não faltou. Em 1994, ele foi convidado por Parreira para ser seu auxiliar técnico, mas disse “não”.

“O Parreira me convidou, mas eu estava compromissado em 94, ele me chamou para ser auxiliar dele. Aliás, o Parreira me chamou para todas as seleções que ele trabalhava depois que me conheceu nos Emirados Árabes”, disse.

A chance passou em 94, Joel viajou muito, treinou muitas equipes e se arrepende. “Eu gostaria mais de ter servido ao meu país aqui dentro, porque eu viajei tanto, eu divulguei tanto o nome desse país. Onde eu passei, eu fui campeão e eu não consegui servir ao meu país do jeito que eu queria, isso me dá às vezes uma dorzinha no coração. Gostaria de ter colocado a camisa canarinho, o manto sagrado deste país tão sofrido, com a minha colaboração de tudo que eu aprendi, foi o que a vida me ensinou”.

Ele vai ser no ano que vem o melhor do mundo. Ele tem que aprender alguns requisitos que o futebol te ensina. Ele chama muito o jogo para ele, a falta para cima dele. Isso não é coisa de conversa, porque um jogador da qualidade dele a gente não ensina, a gente conversa com ele, procura dar conselhos como se fosse de pai para filho. E como ele é tão importante, eu gostaria de ser muito mais um amigo dele

Joel sobre como tratar Neymar

O Tite é simples e grosso. Ele conseguiu fazer de um time desacreditado, hoje, o favorito junto com a Alemanha. Eu só estou torcendo. Eu estou levando fé nesse time, porque eu acho que o time está encaixado. Agora, não vem com essa de favorito porque Copa do Mundo não é um campeonato, é uma competição. Depois que passa da primeira fase é mata-mata e em mata-mata tudo pode acontecer

Joel sobre hexa

Joel não abriu mão de prancheta por tablet: "não é basquete"

Joel treinou os quatro grandes do Rio, mas torce para o Olaria

O atleta Joel começou a carreira aos 14 anos, no Olaria. O clube tem um lugar especial no coração do treinador, que diz ser torcedor. “Olaria, porque é uma questão de paixão, porque eu nasci em Olaria e minha vida toda começou lá. Eu fiz muita coisa de garoto, de rapazinho, tinham aqueles bailes de domingo, ia dançar...”

“Eu vou falar o Olaria, sabe o que acontece? Eu tenho o meu público e dentro do meu público, eu não sei qual o clube dele. Foi que nem na Bahia, eu falei uma coisa e os caras transferiram para outra coisa e ficou batendo naquilo e pronto. As pessoas são muito gratas comigo onde eu chego, são muito fiéis a mim. Então eu tenho que levar isso até o resto da minha vida, porque são essas pessoas que me dão alegria, que me dão prazer e que fazem eu me lembrar de tudo aquilo que apareceu”.

"Papai Joel, sim. Agora não vem com Vovô Joel"

Evelson de Freitas/Folhapress Evelson de Freitas/Folhapress

Virada contra o Palmeiras teve dedo e "tchan" do Papai Joel

Uma final continental na primeira semana como treinador do Vasco. Foi esse o cenário que encontrou Joel Santana em 2000. A final da Copa Mercosul era contra o Palmeiras e parecia um desastre. O time paulista terminou a primeira etapa vencendo por 3 a 0, no Palestra Itália, mas o Vasco virou com um jogador a menos. Final: 4 a 3. E com o dedo de Joel, que conta o que passou em sua cabeça naquele jogo.

“Nosso time era muito bom, tivemos algumas divergências na chegada, porque tinham muitas cobras criadas e eu não podia colocar todo mundo. Só posso colocar 11. Tomamos três gols em oito minutos e o que passou na minha cabeça? ‘Pô, cara, eu nem cheguei e minha batata já vai assar e vai assar muito’.”

Joel decidiu trocar Nasa por Viola, esse era o ‘tchan’ que só técnico tem. “No treinador bate uns ‘tchans’ na cabeça diferente de todo mundo. Me deu o tchan na cabeça, fiz uma mexida e é aí que entra o jogador. O jogador entrou e o time encaixou, foi um massacre. O primeiro pênalti, que o cara rasgou o joelho do Euller, o juiz não deu, mas os outros ele teve que dar. Era um timaço, os jogadores foram muito fiéis comigo”.

Taís Vilela/UOL Taís Vilela/UOL

Aposentado? Joel está tranquilo e cutuca técnicos novos

Com 69 anos e quase 40 deles vividos como treinador de futebol de times dentro e fora do Brasil, Joel não fala que se aposentou do futebol, mas curte a vida em sua simplicidade no Rio de Janeiro.

“Não que eu não queira trabalhar sábado e domingo, mas é que, normalmente, no sábado e domingo, eu pego minha cadeira e meu chapéu, sento ali na praia e fico ali batendo papo com o pessoal. Então, esse pedaço é a minha vida, esse pedaço de Copacabana. Eu venho da missa e vou tomar café na padaria, que é o lugar que eu mais gosto, porque o pão é o melhor pão do mundo. Gosto de comer pão com ovo de domingo. Eu não tenho coragem de sair daqui”.

Joel também corneta os treinadores atuais, os “estudiosos da bola”. “Hoje é muito fácil ser treinador. É muito fácil, são muitos estudiosos. No meu começo, eu passei cinco anos na categoria de base, eu fui trabalhar no exterior, eu criei a minha maneira de ser. Taticamente já usei todas as táticas, mas hoje os caras inventam números, tudo é uma diversificação de um para o outro. O que acontece hoje: o futebol é muito mais uma questão de interesses do que a competência do profissional. Tem que ter currículo”.

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