A lente do artista

Três expoentes comentam suas próprias obras, que surpreenderam o mundo em 2017

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Este artigo faz parte do especial "Ano em transformação", do "The New York Times News Service & Syndicate", que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

O mundo natural, sempre mutante, inspirou duas das obras de arte mais discutidas durante o ano que passou, com ambas abrigando ou levando vida a áreas que pareciam desoladas. A terceira é um eco do passado, comparando a destruição atual das cidades sírias com a de Dresden, na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Aqui, os criadores falam sobre seu trabalho.

Samuel Aranda/NYT Samuel Aranda/NYT

Museu Atlântico

Jason deCaires Taylor

Oceano Atlântico, perto da Ilha Canária de Lanzarote

Um ar vagamente sepulcral prevalece no Museu Atlântico, o grupo de instalações esculturais criadas pelo britânico Jason deCaires Taylor, que além de artista é instrutor de mergulho e naturalista subaquático. Ali, em pleno Oceano Atlântico, estão reunidas centenas de figuras humanas, entre a costa do Marrocos e Lanzarote, nas Ilhas Canárias.

As peças que participam da "reunião" submarina, que acontece entre 10 a 12 metros da superfície, foram feitas de concreto de alta densidade e pH neutro, sem metais ou outros materiais corrosivos, para não causarem nenhum impacto negativo no ecossistema marinho e/ou na fauna e flora locais. De fato, as figuras podem se tornar um recife artificial e local de reprodução para a vida marinha, uma vez que foram colonizadas por corais, peixes e outras espécies.

A exposição é acessível apenas a mergulhadores e viajantes com acesso a barcos de fundo de vidro, ou seja, as obras estão fora de alcance, literal e figurativamente. Submersas, sugerem uma imobilidade que remete a Pompeia, ainda que fervilhante de vida. Foi aberta ao público em janeiro de 2017.

Raphael Minder/NYT Raphael Minder/NYT

Declaração do artista:

Trabalhar no mar é totalmente diferente; é outro ambiente. A arte pública tradicional geralmente envolve metais e/ou trabalho de fundição, mas tive que investir um tempão na evolução dos materiais, de modo que se se tornassem adequados para a região submarina e não causassem danos. Na verdade, eles promovem e sustentam vida.

Muita gente diz: "Mas você fez umas esculturas incríveis para jogar no mar? Elas se perderam, vão ser esquecidas." Minha intenção foi mudar esse conceito e fazer o público descobrir que o fundo do mar é, na verdade, um local precioso, verdadeiramente sagrado, que devemos pensar em proteger e valorizar. Colocando obras de arte ali, acho que ajudamos a mudar esse sistema de valores.

O que me chocou de verdade foi a rapidez com que as coisas se desenvolveram. Acho que a biomassa marinha do local aumentou uns 200%. Agora há cardumes com milhares de sardinhas, squatinas raras e raias-borboletas. Uma cadeia inteira de espécies se mudou para uma área que estava praticamente deserta há uns dois anos.

Esponjas laranja imensas praticamente engoliram algumas das esculturas. Surgiram várias espécies diferentes de algas, algumas muito bonitas, vermelhas e verdes, que se movem ao sabor da correnteza.

A figura humana está gravada na nossa psique e, portanto, pode mudar como for, mas sempre será reconhecível. Acho que nos identificamos mais com as coisas que consideramos parte de nós mesmos. Quero que a obra seja um elemento de conexão. O mundo subaquático, profundo, parece um lugar completamente estranho, isolado de nós mesmos. Eu quis poder usá-la para permitir uma conexão com o espaço.

Sebastian Kahnert/AFP/Getty Images Sebastian Kahnert/AFP/Getty Images

Monumento

Manaf Halbouni

Dresden, Alemanha

Instalação antiguerra no centro da cidade de Dresden, na região oriental da Alemanha que pretende recriar uma das imagens mais devastadoras da guerra civil síria. Supervisionada pelo artista Manaf Halbouni, três ônibus de 12 metros de comprimento e pesando 12 toneladas cada um foram içados em frente à magnífica igreja de Frauenkirche, que também foi reconstruída, a partir do início dos anos 90, na praça Neumarkt. A obra foi inaugurada em fevereiro.

O trabalho de Halbouni se baseou em uma fotografia, tirada em 2015, de três ônibus totalmente destruídos, postos  em pé em uma rua de Alepo, para servir de barricada improvisada e proteger civis da luta entre as tropas do governo e as forças rebeldes. Halbouni, 33, cuja mãe é de Dresden e foi criado em Damasco, disse que não conseguia tirar a imagem da cabeça.

Os ônibus geraram um debate emocionado em Dresden, que foi praticamente destruída quase no fim da Segunda Guerra Mundial, quando os ataques aéreos dos Aliados causaram a morte de milhares de pessoas. Mais recentemente, a cidade se tornou um centro conservador, enquanto o país luta para abrigar os milhares de refugiados que chegam ali todos os dias.

Walter Hahn/AFP/NYT Walter Hahn/AFP/NYT

Declaração do artista:

Na Síria, eu sempre era chamado de "alemão" por causa da minha mãe. Quando me mudei para a Alemanha, virei "o sírio". Eu não me vejo como uma pessoa integrada. Sou local. Não preciso me integrar.

Para esse projeto dos ônibus, trabalhei vários níveis. Dresden foi totalmente destruída em 1945 e muita gente se esqueceu de como ela era após a guerra. Eles também são um lembrete às pessoas que estão vivendo o conflito que elas também terão a chance de reconstruir. Nenhuma guerra dura para sempre. Dresden levou um tempão para reerguer algumas áreas – 72 anos e ainda não acabou.

A extrema-direita tentou classificar minha obra como "uma coisa árabe", "um lance islâmico". Enquanto a instalação ficou ali, toda segunda-feira um grupo ia para lá e ficava gritando para as peças.

Era engraçado ver aquilo. Os ônibus não se moviam um milímetro. Eram muito mais fortes que aqueles que estavam gritando.

Às vezes eu acho que foi meio que uma terapia para aquele pessoal, gente que não é feliz, que tem problemas, e aí descobriu alguma coisa em que podia descontar. Aí voltava para casa, aliviada.

Flor sefirótica: Mergulhando no desconhecido

Makoto Azuma

Baía de Suruga, Japão

De um deserto em Nevada, Makoto Azuma observa a escultura floral de sua criação se elevar a mais de 33 mil metros de altura na estratosfera terrestre. Em outros experimentos, o artista botânico japonês congelou flores em blocos de gelo, colocou fogo neles e os lançou à deriva no meio do mar.

Seu trabalho está profundamente ligado à efemeridade das flores e as emoções básicas que associamos à natureza: a beleza fugidia e a tristeza implícita na vida e na morte, na força e na delicadeza.

Para seu mais novo projeto, “Flor sefirótica: Mergulhando no desconhecido”, Azuma voltou o olhar para o fundo do mar. Em agosto, ele e sua equipe desceram quatro buquês elaborados e o bonsai de uma árvore na Baía Suruga, no Japão, perto do sopé do Monte Fuji. Registrada em fotos e vídeo, a obra é a mais recente instalação de "In Bloom”, série que coloca flores em locais e condições pouco naturais.

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Declaração do artista:

Dificilmente pensamos no mar profundo, mas foi ali que a vida se originou. Nesse projeto, quis combinar flores, criaturas vivas e essas profundezas sombrias e desconhecidas. Meu país de origem, o Japão, é uma ilha com tecnologia marinha avançada, ou seja, foi uma escolha natural para recebê-la. E decidimos pela Baía Suruga porque ali fica a fossa mais funda de todo o território.

Durante três anos, minha equipe e eu planejamos meticulosamente como descer os arranjos e a câmera, já que é um ambiente com uma pressão altíssima. Em parceria com a Agência Japonesa para Tecnologia e Ciência Terrestre e Marinha, fizemos alguns experimentos nas partes mais rasas. Para os arranjos, escolhi várias flores vibrantes, fortes, para se moverem graciosamente nas correntes oceânicas. Quando finalmente estávamos prontos para liberá-las, fomos a cinco áreas da baía, cujas profundidades variavam de 300 a mil metros.

Assim que soltamos as flores, fiquei assombrado com a resiliência que mostraram. Enfrentamos tempestades fortes no primeiro dia, mas elas não se partiram nem amassaram. Ao contrário; flexíveis, passaram a mudar de forma e a flutuar em direção ao fundo do mar. Suas cores ficaram ainda mais vívidas sob a água.

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