A Grande Questão

A inteligência artificial está melhorando ou está tomando conta da nossa vida?

Valerio Mezzanotti/The New York Times

Este artigo faz parte do especial Ano em transformações do "The New York Times News Service & Syndicate" que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

A inteligência artificial está melhorando ou tomando conta da nossa vida? De carros autônomos a robôs inteligentes, passando por drones e computadores campeões de xadrez, será que a tecnologia está tornando nossa vida mais interessante, conveniente e segura? Ou será que está evoluindo mais rápido do que podemos assimilar?

Garry Kasparov, Nnedi Okorafor, Faith Popcorn, Shauna Mei, Neil Harbisson, Joi Ito e Susan Bennett comentam o impacto da IA em todos nós.

The New York Times The New York Times

Por Garry Kasparov

As máquinas vêm substituindo o ser humano desde que a primeira foi inventada, há milhares de anos – e, logo no dia seguinte, provavelmente já gerou empregos, quando três pessoas tiveram de consertá-la. Somos adaptáveis. E criativos. Usamos máquinas para fazer coisas novas, resolver problemas novos e criar setores que nem tínhamos imaginado. O alarmismo é fácil e natural; vemos o que está sendo perdido, mas não enxergamos as coisas novas até o momento em que elas chegam.

Do que aprendi com as partidas de xadrez que disputei contra o computador Deep Blue da IBM, vinte anos atrás, nós sempre vamos encontrar uma forma de construir máquinas que imitem nosso desempenho. E embora o ser humano continue a jogar xadrez, várias profissões vão continuar se tornando obsoletas conforme as máquinas forem se tornando mais capazes. A boa notícia é que os equipamentos inteligentes também nos libertam do trabalho tedioso, permitindo-nos mais criatividade e ambição – apesar, é claro, de que a liberdade de uns ser o desemprego de outros, pelo menos em curto prazo.

A ambição é essencial para nos mantermos à frente da automatização e é isso que me preocupa muito mais do que robôs assassinos. Os enormes aumentos de produtividade que as máquinas possibilitam devem ser investidos agressivamente, e não desperdiçados. Somos muito bons de ensinar os robôs a cumprirem nossas antigas obrigações, ou seja, a solução é continuar a inventar máquinas novas. A única segurança da raça humana é continuar promovendo o novo e o desconhecido.

(Garry Kasparov é o diretor da Human Rights Foundation e ex-campeão mundial de xadrez. Seu livro, “Deep Thinking”, fala da relação homem-máquina e será publicado pela "Public Affairs" em março/abril de 2017.)

Anya Okorafor-Mbachu/The New York Times Anya Okorafor-Mbachu/The New York Times

Por Nnedi Okorafor

Quando contemplo o futuro impacto da inteligência artificial na humanidade, o que me vem à mente são as estradas africanas. Robôs humanoides gigantes, de produção local, já estão policiando as ruas de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Com quase 2,5 m, movidos a energia solar, ficam parados no meio dos principais cruzamentos, onde mantêm o tráfego fluindo e os motoristas e pedestres seguros.

Criados por Thérèse Izay Kirongozi, engenheira da cidade, as máquinas têm a parte superior do "corpo" rotativa, o que lhes permite fazer o trabalho de quatro semáforos. Também estão equipadas com câmeras que registram e monitoram os motoristas. Esses guardas de trânsito robóticos trabalham em tempo integral e são queridos pela população local (sem contar que não aceitam propina).

Já se fala em levá-los para outros cruzamentos de outras cidades africanas. Uma vez que forem instalados em cidades de trânsito congestionado como Lagos e Cairo, a próxima etapa lógica será melhorá-los com inteligência artificial para poderem cumprir suas tarefas complexas ainda melhor. As ruas das grandes metrópoles do continente ficarão livres, abrindo caminho para a eficiência em uma escala mais abrangente.

(Nnedi Okorafor é escritora de ficção científica e fantasia. Seu romance juvenil, “Akata Witch 2: Akata Warrior”, sai no segundo semestre de 2017.)

Victor Jeffreys III/The New York Times Victor Jeffreys III/The New York Times

Por Faith Popcorn

Sim, é possível que milhares de pessoas sejam substituídas por robôs: segundo a Universidade de Oxford, 47%o dos trabalhadores norte-americanos perderão o emprego para a automatização nas duas próximas décadas. Pepper, o robô humanoide, está roubando o emprego das recepcionistas; o serviço de inteligência artificial Brain.fm está compondo a música que nossos atletas olímpicos ouvem enquanto treinam; o programa Quill está escrevendo notícias financeiras. Uma renda mínima garantida será instaurada nos EUA em breve, quando os salários forem coisa do passado.

Porém, ao mesmo tempo, o reconhecimento de voz e o software de transcrição nos permitirão falar, e não escrever, nossos Grandes Romances Norte-Americanos. Aplicativos de tradução estão a ponto de fazer fluir as conversas em tempo real ao redor do mundo. Watson, o supercomputador da IBM, pode ter salvado a vida de uma mulher em Tóquio, descobrindo seu tipo raro de leucemia quando os médicos não conseguiram fazê-lo. Robôs como Robear (um robô cuidador/enfermeiro com cara de urso) ajudarão a aliviar a solidão quando nossa perspectiva de vida espichar para os 150 anos. Com a mente livre do tédio e dificuldade do trabalho, talvez consigamos elevar o nível de nossa sociedade e aproveitar uma nova Era Dourada. Estou dentro.

(Faith Popcorn é futurista, escritora e CEO da consultoria estratégica Brain Reserve.)

Marcos Fecchino/The New York Times Marcos Fecchino/The New York Times

Por Shauna Mei

Quando compramos roupa, pensamos no tamanho, no preço e na cor, mas outros fatores são igualmente importantes: o estilo, a sensação e o caimento no corpo e o impacto de sua produção na economia local. Esses elementos devem ser definidos por um ser humano.

A inteligência artificial melhora esse julgamento; aprende seu “estilo”, sua propensão em relação ao “consumo consciente” e seus hábitos de compra para então escolher itens específicos de um catálogo com uma eficiência que você jamais teria. Esse filtro prevê suas compras muito melhor do que as recomendações de qualquer stylist, por mais experiente que seja.

No AHAlife.com, começamos a usar algoritmos para nos auxiliar com dois comportamentos de previsão: mostrando os produtos certos ao cliente antes mesmo que ele saiba que os quer e fornecendo a cópia correta para encorajá-lo a comprar. No mundo novo das "compras de descobertas" on-line, mesmo quando suas preferências guiam sua procura, as escolhas são muito amplas. A inteligência artificial com um toque humano o ajuda a ganhar tempo e fazer compras mais coerentes.

(Shauna Mei é CEO e fundadora da AHALife, portal de venda de produtos selecionados.)

Hector Adalid/The New York Times Hector Adalid/The New York Times

Por Neil Harbisson

Não acho que as máquinas terão interesse em nos matar ou destruir; não seria inteligente – e, aliás, o ser humano já sabe fazer isso. Evitar a morte por robôs, porém, não é a nossa única preocupação, agora que a inteligência artificial começa a despontar. Se não queremos que a tecnologia seja mais inteligente que nós, então os humanos precisam se tornar mais tecnologia. Se nos transformarmos em ciborgues, poderemos evoluir na mesma proporção que nossos correspondentes tecnológicos. Adicionando sentidos artificiais ao nosso corpo, poderemos aumentar a nossa percepção da realidade, adquirir mais conhecimento e nos tornarmos mais inteligentes.

Somos a primeira geração que pode realmente decidir o que quer ser enquanto espécie. Podemos acrescentar novos sentidos e órgãos para aumentar a capacidade do nosso corpo de vivenciar o mundo. Podemos, de fato, nos reprojetarmos. Nosso passo evolucionário atual é a fusão com a tecnologia e, assim, tomar parte ativa no nascimento da nossa própria versão futura.

(Neil Harbisson é um artista britânico e ativista ciborgue. Daltônico, tem uma antena implantada no crânio que o permite estender sua percepção de cores além do espectro visual.)

Mizuka Ito/The New York Times Mizuka Ito/The New York Times

Por Joi Ito

Grande parte das pesquisas sobre inteligência artificial (IA) hoje se concentra no aprendizado das máquinas, ou seja, os engenheiros as “treinam” para aumentar a inteligência coletiva de nossos governos, mercados e sociedades. Essa versão “estendida” (IE) provavelmente se tornará a forma dominante. Só que há um problema: os algoritmos que a criam são treinados por humanos e, consequentemente, podem propagar as mesmas tendenciosidades que atingem a sociedade, perpetuando-as sob a ilusão de "inteligência". Veja, por exemplo, os algoritmos de previsão de policiamento usados para determinar quais os bairros devem ser mais vigiados por causa das atividades criminais, ou quem deve ser classificado como terrorista. A menos que usemos uma base ética e moral, a tecnologia que deveria melhorar o nosso bem-estar, pode, de fato, ampliar os piores aspectos de nossa sociedade.

O uso bem-intencionado de tecnologias em desenvolvimento pode dar errado. Em 2003, fui um dos autores de um trabalho que previa que uma internet aberta teria um papel significativo na democratização das sociedades e na instauração da paz. Mais tarde, nos primórdios da Primavera Árabe, a impressão foi a de que a rede tinha, de fato, ajudado a começar o levante – mas conforme ela se torna um espaço cada vez mais tomado pelo preconceito e pela trollagem maliciosa, além de se tornar plataforma para organizações como o Estado Islâmico avançarem sua onda de ódio, fico imaginando o que foi que deu errado. Tenho o mesmo tipo de preocupação em relação ao desenvolvimento e uso da IE.

É absolutamente essencial desenvolver um modelo de evolução para o desenvolvimento de nossa ética, governo, sistema educacional e mídia na era da inteligência da máquina. Temos de dar início a uma discussão mais ampla e mais profunda sobre como a sociedade se desenvolverá junto com essa tecnologia, bem como montar um novo tipo de ciência da computação que seja não só "inteligente", mas também responsável socialmente. Se permitirmos que a IE se desenvolva sem um direcionamento cuidadoso da forma como se integra e afeta a sociedade, ela pode ampliar tendências e entidades perigosas. E talvez percebamos isso só quando for tarde demais.

(Joi Ito é o diretor do Media Lab do MIT, laboratório de pesquisas dedicado à integração da tecnologia com a arte e o design.)

Tyrone Myrick/The New York Times Tyrone Myrick/The New York Times

Por Susan Bennett

Parece que não temos de usar o cérebro tanto quanto antes. Qualquer um de nossos dispositivos digitais pode nos fornecer a informação que antigamente nos teria exigido pesquisa, a leitura de livros... usar o computador que temos na cabeça. Será que o cérebro atrofia da mesma forma que o músculo que não é usado? Enquanto as máquinas estão ficando mais inteligentes, será que não está acontecendo o contrário conosco?

Se os robôs não forem programados com emoções humanas, teremos então novas criaturas inteligentes que não odiarão umas às outras por causa de raça, credo ou religião, coisa que os humanos parecem incapazes de fazer nos seis mil anos que o homem dito civilizado está no planeta – mas será que conseguirá criar arte, música, literatura, comédia?

Estamos prestes a descobrir isso nos próximos anos. Talvez a IA substitua os humanos e a Siri nos leve tranquilamente para o mar. Sorte que o comando não será o meu, pois, desde o i0S7, a Apple mudou as vozes originais da Siri no mundo todo. Quem sabe seja a do Morgan Freeman?

(Susan Bennett é atriz, dubladora e, em 2011, se tornou a voz original do Siri no iPhone da Apple.)

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