O que te faz feliz?

Executiva da Ikea diz que o Ocidente atingiu o "pico das coisas", pois as pessoas têm muitas posses

Marie Kondo
Gianfranco Tripodo for The New York Times

Este artigo faz parte do especial Ano em transformações do "The New York Times News Service & Syndicate" que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Em um mundo confuso e caótico, livrar-se da bagunça de nossas vidas começa com uma simples pergunta: como escolher o que nos faz felizes?

A palavra japonesa "tokimeku" significa "centelha de alegria". Aqueles que forem seguir meu método de arrumação devem adotá-la e se perguntar: "Isso me traz alegria?" Essa pergunta é a única base para escolher quais objetos manter em casa e quais descartar.

Então, será que podemos aplicar essa noção de alegria em uma escala maior?

Vivemos em um mundo caótico e desorganizado, grande parte dele fora de nosso controle. Li recentemente que mais de 80 bilhões de artigos de vestuário são produzidos a cada ano, mas insignificantemente poucos são reciclados. Conforme os hábitos de compra das pessoas mudam e a tecnologia leva quase tudo para a nuvem, as pessoas começam a valorizar as experiências em detrimento de coisas materiais. Alguns chegam até mesmo a dizer que atingimos um ponto crítico em termos de consumo de massa —chegamos ao pico material.

Embora às vezes pareça que as coisas ameaçam dominar nosso mundo, podemos concentrar nossa energia e determinação na escolha do que nos faz felizes e, finalmente, mudar nossas vidas. O fato de nos perguntarmos se algo nos traz alegria parece ser um processo muito simples —tão simples que muita gente questiona sua real eficácia. A força do padrão de "centelha de alegria", no entanto, reside em sua ambiguidade.

Vamos considerar, apenas como argumentação, padrões mais precisos para a manutenção ou descarte, mesmo de algo tão básico quanto uma peça de roupa. O número de jaquetas que possuímos deveria ser menor do que dez? Devemos descartar as roupas que não usamos há mais de três anos?

As regras que adotam valores numéricos concisos podem parecer mais práticas, e é por isso que a sociedade muitas vezes nos impõe normas específicas, como a quantidade de dinheiro que devemos ganhar, o peso ideal que temos que manter ou a quantidade recomendada de alimentos a ser consumida todos os dias. Mas o que faz alguém feliz, confortável e saudável varia de uma pessoa para outra, por isso seu padrão ideal individual só pode ser determinado através de sua própria perspectiva. E é aí que a pergunta mágica —isso me traz alegria? — entra em jogo.

John Lei for The New York Times  John Lei for The New York Times

A avaliação contínua da possibilidade de que um objeto em sua vida gere alegria permite que você melhore seu julgamento. Com o tempo, sua capacidade de identificar o que vale a pena manter irá se ampliar de sua casa para sua carreira e para seus relacionamentos. Você será capaz de discernir o que o deixa mais feliz e mais satisfeito em outros aspectos da vida.

Não estou sugerindo que casas arrumadas cheias de gente satisfeita agindo em conformidade com a regra da alegria vão curar todos os males do nosso planeta. Porém, acredito que pessoas satisfeitas com o curso e a direção de suas vidas, que já viram o que sua própria determinação pode conquistar, possam ajudar a criar um mundo mais amável e melhor.

Gostaria de compartilhar algumas ideias sobre como você pode usar o conceito de tokimeku em sua própria vida.

Antes de começar a decidir o que traz alegria para sua vida, você deve primeiro verdadeiramente compreender os problemas que enfrenta. Por exemplo, ao organizar suas roupas, peço que pegue todas as que possui e as reúna em um determinado local, para que possa visualmente compreender o quanto você tem.

O que muitas vezes não percebemos é que os móveis e armários onde guardamos nossas roupas têm um modo notável de esconder verdades que preferimos não ver (uma malha dobrada, por exemplo, que não traz qualquer alegria). É perfeitamente possível aproveitar esse efeito de mascaramento em pequena escala, mas quando a quantidade de coisas que não precisamos aumenta continuamente —juntamente com o tempo e o espaço que dedicamos à acumulação dessas coisas— vamos descobrindo que é cada vez mais difícil mentir para nós mesmos.

 
 
Richard Perry/The New York Times Richard Perry/The New York Times

Basicamente, também trabalhamos da mesma forma. Muitas vezes escondemos nossos problemas dentro do armário de nossos corações, como se nunca tivessem existido. Sempre que meus pensamentos ficam nublados e me sinto oprimida, imediatamente pego um caderno. Anoto todas as emoções que estou sentindo e as possíveis razões por trás delas em uma página em branco.

Assim que identificamos nossos problemas, identificamos as soluções específicas. Para cada problema, atribua uma tarefa concreta, como "contatar e consultar um profissional" ou "responder imediatamente por e-mail". Essas ações devem ser as mais claras e específicas possíveis. De fato, o objetivo final da organização é remediar o estado de desorganização e evitar sua recorrência.

Ao escolher determinadas ações, você nunca deve se esquecer de questionar se cada uma traz alegria e faz sentido para você. Assim que fizer uma lista, a única coisa necessária em seguida é a execução serena dessas tarefas.

Também mantenho uma lista de tarefas em meu caderno. Cada vez que completo uma delas, ponho uma marca ao lado. Ao completar as tarefas uma por uma, tenho uma alegre sensação de leveza, como se houvesse acabado de arrumar toda minha casa. Parece simples, mas esse é exatamente o momento da centelha da alegria para mim.

O padrão da alegria gerada pela arrumação depende do indivíduo. Não dá para forçar as pessoas a serem organizadas, e você também não deveria tentar. Mas pode haver aplicações comuns para essa ideia. Cada vez mais, sinto que a questão da centelha de alegria se torna mais eficaz quando as pessoas podem trocar opiniões e partilhar uma visão comum para o futuro.

Compreender e valorizar o conceito de tokimeku em meio a um mundo confuso e desordenado nos dará a clareza de nossos ideais e nos ajudará a ser mais confiantes na nossa capacidade de levar uma vida produtiva e de desenvolver um senso de responsabilidade em relação àqueles que nos rodeiam. A partir daí, podemos agir com foco e certeza, ao mesmo tempo em que melhoramos nossa vida e nosso belo —mesmo que ainda muito confuso— mundo.

 Natsuno Ichigo via The New York Times Natsuno Ichigo via The New York Times

Marie Kondo é fundadora do método KonMari e autora dos livros de sucesso "The Life-Changing Magic of Tidying Up: The Japanese Art of Decluttering and Organizing" (A Mágica Da Arrumação — A Arte Japonesa De Colocar Ordem Na Sua Casa E Na Sua Vida) e "Spark Joy: An Illustrated Master Class on the Art of Organizing and Tidying Up" (Isso me Traz Alegria — Um Guia Ilustrado da Mágica da Arrumação

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