Bola de Cristal

Confrontar as questões fundamentais do universo é a maior aventura que já existiu

Yuri Milner
Jeffrey DeCoster/The New York Times

Este artigo faz parte do especial Ano em transformações do "The New York Times News Service & Syndicate" que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Estamos vivendo uma era de revoluções tecnológicas e científicas que, algum dia, talvez seja conhecida como o novo Iluminismo.

Houve muitas forças nos dividindo em 2016, de nação para nação, facção para facção, pessoa para pessoa, mas, por outro lado, há uma força que nos une a todos: a busca por respostas às perguntas fundamentais que nos fascinam desde os primórdios dos tempos.

À testa dessa iniciativa estão os cientistas, verdadeiros exploradores de nossa era. Todo ano eles mapeiam um pouquinho mais do desconhecido, conquistam um tanto mais do que parecia impenetrável. Em 2016, fizeram três descobertas revolucionárias sobre o entendimento do universo e o lugar que ocupamos nele.

De uns anos para cá, a sonda espacial Kepler da NASA e outras missões criaram uma verdadeira revolução na astronomia, sem dúvida tão fundamental quanto a de Copérnico, que nos tirou da posição privilegiada imaginária como centro de tudo. Até agora identificaram quase cinco mil planetas com potencial de vida além do sistema solar, sendo que 21 são rochosos e pode ser habitáveis. Esses números implicam na possibilidade de haver bilhões de outros planetas só na nossa galáxia. “Nossa casa” já não significa necessariamente só a Terra.

M. Kornmesser/European Southern Observatory/The New York Times M. Kornmesser/European Southern Observatory/The New York Times

Em agosto de 2016, o Observatório Europeu do Sul anunciou que os astrônomos que participaram da campanha Pálido Ponto Vermelho tinham confirmado a existência de um planeta semelhante à Terra no sistema estelar próximo ao nosso.

O sistema Alfa Centauro contém três estrelas: duas semelhantes ao sol, na órbita uma da outra, e uma anã vermelha chamada Proxima Centauri. O planeta, provavelmente um pouco maior que o nosso, foi encontrado girando em torno de um terceiro sol, menor. Sua órbita fica dentro a "zona habitável" da estrela, nem muito quente, nem muito frio, onde a água pode ser encontrada na forma líquida.

A descoberta do Próxima b mudou tudo. Em termos cósmicos, é o nosso vizinho de porta. Os astrônomos pretendem estudar sua composição e características para determinar se tem água ou algum tipo de atmosfera. Embora se saiba que o Proxima está na zona Goldilocks, ainda não sabemos se é habitável – ou habitado.

Essa descoberta aconteceu em um momento auspicioso para mim, quatro meses depois que o físico Stephen Hawking e eu, com o apoio de Mark Zuckerberg, do Facebook, lançamos uma nova iniciativa espacial chamada Breakthrough Starshot. É um programa de pesquisa e engenharia que quer projetar, construir e lançar diversas “nanonaves” – sondas minúsculas movidas a laser – que podem chegar ao sistema Alfa Centauro dentro de uma geração.

Em vez de montar um único veículo imenso, que levaria milhares de anos para chegar lá, pretendemos lançar diversas sondas minúsculas, menores que um chip de computador, com uma vela presa a cada um com um feixe poderoso de laser – que, a princípio, aumentaria o aceleramento da nave para chegar a até vinte por cento da velocidade da luz, ou seja, 161 milhões de quilômetros/hora.

Agora, com a descoberta do Proxima b, o Starshot já tem um primeiro alvo. O que será que encontraremos lá?

National Oceanographic and Atmospheric Administration/The New York Times National Oceanographic and Atmospheric Administration/The New York Times

A segunda descoberta revolucionária deste ano pode nos dar uma pista: em julho, uma equipe de biólogos liderada por Bill Martin da Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf, na Alemanha, reconstruiu o genoma de “Luca”, o Último Ancestral Comum Universal (na sigla em inglês), ou seja, o organismo monocelular que gerou toda a vida que há na Terra hoje.

Durante a reconstrução, os biólogos analisaram milhões de genes de milhares de espécies de micróbios, isolando os 355 mais antigos, ou aqueles que tinham maiores chances de estar presentes no Luca. Acontece que fizeram mais do que simplesmente identificar ancestralidades; em vez disso, criaram um retrato do próprio organismo, mostrando-nos uma criatura que vivia uma vida extrema, metabolizando hidrogênio em vez de oxigênio, presa nas paredes de fontes hidrotermais subaquáticas.

Micróbios que compartilham uma alta proporção desses 355 genes ainda são encontrados nessas fissuras até hoje – e é esse exatamente o ambiente em que alguns teóricos colocam a origem da própria vida. A descoberta dá a entender que ela pode ter começado em "células" não vivas formadas naturalmente na rocha vulcânica e que os processos básicos de conversão de energia, que continuam até hoje em cada uma de nossas células, aconteciam ali antes de a primeira partícula orgânica ter evoluído.

A análise do Luca dá aos biólogos evolutivos dados concretos sobre a vida nos primórdios do progresso de um ponto específico – que podem usar para olhar para frente, perguntando-se quando e como esse organismo se transformou em micróbios multicelulares e, eventualmente, organismos complexos. E podem também olhar para trás, questionando como a vida lentamente se formou na rocha aquosa que se tornou a nossa Terra vital.

Ainda não sabemos quais as condições em Proxima b. Ele pode ter um clima relativamente suave, como a Terra de hoje; pode também ser “travado sazonalmente”, com um hemisfério torrando permanentemente sob a luz de seu sol e o outro congelado, de cara para o espaço vazio. A verdade, porém, é que se a vida pode surgir nas condições das fontes hidrotermais, não se pode descartar a possibilidade em um mundo de extremos.

Simulating eXtreme Spacetimes/The New York Times Simulating eXtreme Spacetimes/The New York Times

A nanonave do Starshot pode ter instrumentos para medir sinais de potencial de vida. Se a tecnologia der certo, serão necessários outros 20 anos para superar os mais de 40 trilhões de quilômetros até Proxima b, e quatro para que as fotos e medidas que tirarem sejam enviados de volta à Terra.

Além do Proxima b, nosso objetivo maior com o Starshot é promover uma busca planetária unificada pela exploração e o conhecimento, dando os primeiros passos, como espécie e como planeta, na galáxia.

Enquanto isso, os cientistas aqui continuam a fazer as perguntas universais. O que são aqueles quilômetros de escuridão que a nanonave vai atravessar? O que são esses anos que teremos que esperar? A terceira descoberta feita este ano esclareceu a natureza básica do espaço e do tempo.

Alguns meses antes do anúncio do Breakthrough Starshot, os físicos do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser, nos EUA, disseram ao mundo que, após anos de espera, ouviram um “gorjeio” – ou melhor, um sinal breve indicando a detecção de ondas gravitacionais no espaço, consequência da colisão de dois buracos negros há mais de um bilhão de anos atrás.

Esse ruído confirmou as previsões da teoria geral da relatividade de Albert Einstein, que diz que o espaço e o tempo não são dimensões isoladas, mas estão ligados como uma quarta dimensão de “espaço-tempo” – que não é um cenário estático, mas sim dinâmico, alterado pela presença de corpos imensos. E Einstein também previu que ele pode fluir.

Isso significa que o que as ondas gravitacionais LIGO detectaram não eram ondas de fluido, energia ou qualquer outra substância conhecida; eram ondas de espaço-tempo. Se tudo o que vemos no universo são as pinceladas de uma pintura, uma onda gravitacional pode ser um tremor na própria tela.

Esse ruído também inaugurou o campo da astronomia de onda gravitacional, ou o uso delas como instrumento de observação, reforçando o nosso poder para explorar ainda mais além. Dizem que a descoberta abre uma nova janela no universo, mas ela só revelaria uma visão diferente. Isso parece mais a evolução de um órgão de um sentido totalmente novo, que permitirá aos astrônomos diferenciar eventos ultraviolentos previamente invisíveis a nós – como as colisões entre os buracos negros gigantescos que se escondem no centro da maioria das galáxias. E pode oferecer uma visão do universo como ele era pouco depois do Big Bang.

Nossa curiosidade sobre tudo o que descobrimos este ano estimulará novas conquistas – e o sentimento não é compartilhado somente pelos cientistas na vanguarda da exploração, mas toda a humanidade. Confrontar as questões fundamentais é a maior aventura que já existiu e todos nós – não importa onde moramos ou o que fazemos – podemos investir nelas.

Breakthrough Prize Foundation/The New York Times Breakthrough Prize Foundation/The New York Times

Yuri Milner, investidor em tecnologia e filantropo das ciências, é um dos fundadores da firma DST Global, cujo portfólio inclui algumas das companhias de maior destaque na Internet, como Facebook e Alibaba.

Em 2012, criou uma fundação de se tornou a Breakthrough Initiatives, que inclui um projeto de US$ 100 milhões para revigorar a busca por inteligência extraterrestre.

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