Não éramos tão permissivos assim. Tínhamos namoradas, ficávamos. Não falávamos muito da homossexualidade do Renato [Russo]. Não falávamos muito nem sobre homossexualidade. Quem era gay na turma, hoje eu encontro em Brasília e falo: 'Mas, então, sempre teve uma facção gay na turma?'. 'Sempre teve'. Eu era hétero, tinha minha namorada, o Renato também não tinha saído armário.
Em Brasília crescia muito cogumelo. Você andava 1km e já estava no cerrado, no mato, tinha vaca pastando. Você conseguia matar aula, pegar o carro de manhã cedinho, ver as vacas, colher o cogumelo, comer o cogumelo e ficar viajando o dia inteiro e voltar para casa, sem que seus pais suspeitassem de nada. Naquela época, basicamente era maconha e cogumelo. Bastante maconha. Depois, quando a gente vem para São Paulo, entra cocaína, ácido na equação. Aí a coisa desanda.
Eu lembro que eu viro a casaca e, finalmente, consigo entender o que é punk com "It's Alive", dos Ramones, e me converto, viro cristão novo, obcecado. Pego todas as manias, regras, dogmas possíveis que existiam dentro do punk e viro uma espécie de inquisidor. Era um adolescente de classe média e tudo que eu tinha eu jogo pela janela. Eu tinha acesso privilegiado nos ensaios do Aborto, gravava e ia para casa ouvir. O 'moto' do punk é 'faça você mesmo', que o rock tem que sair das ruas e não dos conservatórios, e aquilo é levado ao pé da letra em Brasília.
Essa música não é fácil nem comum. Renato tem duas músicas assim. Musicalmente é a mesma coisa do começo ao fim. São três acordes, não tem rima nem refrão, e não dá para entender do que o Renato está falando. E a melodia não se repete. Não satisfeito, ele vai lá e faz "Tempo Perdido". Tem que ter talento para fazer isso. Ele é um dos maiores artistas brasileiros e "Fátima" é um exemplo.
"Pneus de carros cantam, thuru, thuru, thuru, thururu". Isso precisa explicar mesmo, porque as pessoas não se dão conta. "And the colored girls go, doo do doo do doo do do doo". Pegamos do Lou Reed, "Walk On The Wild Side", música sobre hedonismo. Realmente, as pessoas não sabem. "Natasha" é da fase das baladas clubbers, ali tinha sua fauna, seus personagens. Não era especificamente sobre alguém, mas era sobre esse mundo à parte.
Acho que essa foto, na capa do disco, foi mexida. Eu estou um pouco maior e não estava tão distante da mesa. Mas continuo gostando de comida japonesa. Comi ontem, aliás. Nesse estúdio, tinha um delivery de "japa" e comíamos todo dia. A comida empilhada era o almoço. A ideia da arte desse projeto foi fotografar a gente gravando. Não tem muita produção.
Ouço música sertaneja (risos). Seja lá o que for, se for algo inconfessável, não vou confessar aqui. Na verdade, falo abertamente sobre quase tudo, não tenho grandes segredos.