A baiana nasceu tímida e com o dom misteriosamente apurado. Sua mãe, Dona Mariah, passou os nove meses de gestação cantando. Queria que o rebento viesse ao mundo musicista. Deu certo. O instrumento natural que Gal dominou foi aprimorado na cozinha. Passava horas com uma panela grande na cabeça experimentando, no eco, até onde sua voz podia alcançar.
"Eu queria ser cantora e sabia que eu iria ser. Tudo que um cantor precisa eu sabia intuitivamente, respiração, diafragma. Nunca estudei canto. Eu vim ao mundo para fazer isso", diz.
Aos 18 anos já tinha essa certeza, quando teve a sorte de cantar para João Gilberto. Depois de uma longa audição informal em uma calçada na Barra Avenida, em Salvador, o mestre da bossa nova falou sem rodeios: "Você é a maior cantora do Brasil". Mas foi com a Tropicália --que, há 50 anos, jogou uma bomba de irreverência e contracultura em tempos obscuros -- que Gal alcançou o canto total, legal, global.
Com "Divino, Maravilhoso", de Caetano Veloso e Gilberto Gil, a cantora renasceu como um avatar hippie. Cabelo black power, roupas coloridas e o canto rasgado, que deixava o refrão da canção ainda mais destemido: "É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte".
Era a primeira de muitas rupturas que fez ao longo dos anos. "Estava totalmente engajada naquela postura revolucionária, mas também foi uma revolução pessoal minha", lembra.
Eu usei o grito muitas vezes como expressão. Percebi assim que sou corajosa, não tenho medo, eu enfrento as coisas. Eu acho que, quando você arrisca e quando você se joga nas coisas sem medo, você se transforma. O período tropicalista foi isso.
Nas ruas, o visual deixava as pessoas agressivas:
Eu me vestia como ia para o palco. Me chamavam de piolhenta, mandavam eu tomar banho.