O fato é que Trump se dá bem com toda essa convulsão ?e acredita que o mundo também, até certo ponto. Como já disse, ele é um sujeito do mercado imobiliário criado em Nova York. O setor é conservador. Isso vale para o que há dentro dele também: Trump chega à beirada do precipício, mas não cai de cabeça. Não há de querer que o metro do metro quadrado despenque. Os mercados, como bem observa, dispararam desde que ele assumiu o governo. Wall Street ama os governos que cuidam dos ricos (principalmente se podem fingir que estão preocupados com o trabalhador).
O mundo do século 21 é uma pirâmide. A tecnologia não só aproximou e deu autonomia ao povo como reforçou a conexão das elites lá no topo, dos caras que têm uma boa visão de tudo e os meios de transformar o que veem em rios de dinheiro. Ocupados com isso, autoconfiantes, com acesso global, beneficiados pela mão de obra barata e a impunidade fiscal, mal notaram que praticamente não tinham mais conexão nenhuma com as massas lá embaixo, cuja visão ainda era nacional, cuja cultura ainda era local e que sofriam, com uma revolta cada vez maior, as consequências da globalização.
Trump percebeu que poderia ser o veículo dessa revolta. Sentiu que o nacionalismo, nativismo e xenofobia estavam prontos para serem resgatados. "Soberania" é o seu lema, mesmo que ?ou, mais provavelmente porque? cada vez mais a vida seja vivida em uma realidade virtual na qual a nação já morreu. A maré reacionária, medonha, ainda não passou completamente. Trump vai tirar até a última gota do sumo político dela a partir de 2018 ?como também os movimentos de direita na Europa, que continuam vigorosos no continente, apesar da vitória encorajadora de Emmanuel Macron na França. Os neofascistas na Polônia e na Hungria continuam sua marcha, pois ainda não exauriram todo seu antissemitismo. Em todas as democracias ocidentais, Trump ajudou a desencadear o que há de mais execrável na natureza humana.
É o último bastião do homem branco, que certamente não terá primazia neste século. A demografia é inexorável, como também os movimentos na mente humana. Wilson poderia ainda falar do colonialismo como algo a ser "ajustado", e não como a exploração branca calhorda das pessoas de cor que foi. As mulheres, no tempo dele, eram meros complementos ao homem. O mundo muda, mas em ziguezague, nunca em linha reta. As linhas de frente raciais não estão mais na Índia britânica, mas sim nas ruas, ou nos trilhos, no âmago das sociedades ocidentais. O eurocentrismo já era. Gênero e sexualidade são o campo de batalha da destruição do pensamento antigo; apesar disso, o velho, especialmente na forma do chauvinismo, nunca se dissipa suavemente. Ele resiste e se revolta.