O povo pelo planeta

Quando o presidente dos EUA deixou de combater a mudança climática, a população assumiu a tarefa

Laurence Tubiana
Josh Edelson/AFP/Getty Images/NYT

Este artigo faz parte do especial "Ano em transformação", do "The New York Times News Service & Syndicate", que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

A declaração do presidente Donald Trump em 1º de junho de 2017, retirando os Estados Unidos do Acordo de Paris (que eu ajudei a projetar), foi vista como um chamado ao nacionalismo, ao afirmar ter sido "eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, não de Paris".

Mas 75% dos habitantes de Pittsburgh votaram em Hillary Clinton, que era a favor do acordo, e desde então, os prefeitos de Pittsburgh e de Paris juntos endossaram o documento, com o objetivo comum de construir um mundo mais limpo, mais seguro.

Conforme os governos locais vão percebendo como a mudança climática está ligada ao bem-estar dos cidadãos, tomam ações concretas, como estabelecer metas de qualidade do ar, proibir carros a diesel ou motores de combustão e adotar sistemas de energia renovável.

Jon Han/NYT Jon Han/NYT

Isso foi demonstrado apenas alguns dias após o anúncio de Trump, quando mais governadores, prefeitos, empresas, universidades dos EUA declararam "We Are Still In" (ainda estamos dentro), comprometendo-se a cumprir as metas do Acordo de Paris. O compromisso de mais de 2.500 desses líderes está agora formalizado na "Promessa Americana", e todos trabalham sobre isso. É um movimento extraordinário e inovador: cidadãos aderindo a um acordo global, que é uma obrigação do governo, e assumindo sua responsabilidade como atores da comunidade global.

O setor privado já percebeu que este é o futuro e as empresas estão investindo em conformidade: a indústria automotiva busca avidamente a mudança para veículos elétricos, enquanto que investidores privados relutam em investir em novas usinas de carvão.

A batalha sobre a mudança climática no encontro deste ano do G20 ilustrou claramente o crescente isolamento de Trump. Apesar de uma tentativa fracassada dos Estados Unidos de formar uma coalizão pró-combustível fóssil, incluindo uma visita à Polônia e um apelo aos céticos - muitas vezes através de redes sociais e da imprensa de extrema-direita, tentando equiparar a ação climática a um confronto entre as elites globais e as pessoas comuns -, todos os outros 19 países reafirmaram seu compromisso com o acordo de Paris, deixando os Estados Unidos sozinhos.

A alegação de Trump de que essa atitude vai ajudar a economia americana não tem base alguma. Só na área de geração de energia elétrica – que muda rapidamente –, duas vezes mais americanos trabalham com tecnologias solares do que com combustíveis fósseis, e o corte do financiamento federal para a pesquisa vai ferir a competitividade do país.

Estamos também em uma época em que eventos extremos estão se tornando mais frequentes e mais caros. Todos os anos, temos uma tempestade com uma força que não se via há séculos e, anualmente, temperaturas altas recordes são registradas. O furacão Harvey, que causou grande estrago no sudeste do Texas, tornou-se o desastre natural mais caro da história dos Estados Unidos: seu preço estimado de US$190 bilhões pode exceder os custos combinados do furacão Katrina, em 2005, e do Sandy, em 2012.

A mudança climática pode ser chamada de "multiplicadora de ameaças", contribuindo para a instabilidade e piorando seus efeitos. A seca e a desertificação levam à fome e à disputa por água, alimentando conflitos regionais e instabilidade política, além de ampliar a migração. A severidade da seca da Síria de 2007 a 2010 foi causada pela mudança climática, e analistas acreditam que a seca foi um fator significativo da guerra civil que é hoje o maior desastre humanitário do mundo. No total, cerca de 203 milhões de pessoas foram deslocadas por catástrofes naturais de 2008 a 2015.

 

Brendan Smialowski/AFP/Getty Images Brendan Smialowski/AFP/Getty Images

Embora Trump prefira ignorar a realidade no nível do governo federal, estamos vendo uma ação sem precedentes de líderes no nível subnacional e local, juntamente com corporações e sociedade civil."

Laurence Tubiana

A discussão continuada sobre a saída dos Estados Unidos pode ser uma distração mortal e dispendiosa do trabalho que temos pela frente. Não podemos deixar isso acontecer. Há uma clara necessidade de liderança para reforçar a coalizão em torno do acordo de Paris, que permanece constante.

Vamos nos concentrar em avançar mais rápido, em ir mais longe, em alcançar a meta de emissões para 2020 e chegar a zero até o final do século. Muitas regiões ainda enfrentam questões sobre o fim paulatino da produção de CO2 na geração de energia e na indústria. A Europa precisa dar o exemplo em casa e, com a liderança da França e da Alemanha, precisa continuar a envolver a China e a Índia, incentivando-os a cumprir as metas mais ambiciosas.

O movimento global que foi fundado sobre as evidências apresentadas na Convenção de Paris tem a ver com as pessoas, com a preocupação dos cidadãos, com as expectativas econômicas e com o desenvolvimento tecnológico. Não é um documento legal tecnocrático, nem requer o abandono da soberania nacional. Estamos trabalhando com a visão compartilhada de um futuro comum, com o objetivo de preservar o planeta para todos.

  • Laurence Tubiana

    É diretora-executiva da Fundação Europeia do Clima e professora da Sciences Po, em Paris. Ela foi nomeada embaixadora francesa da Conferencia de Mudança Climática COP21 de 2015, onde foi uma das principais arquitetas do Acordo Paris.

    Imagem: Stephane de Sakutin/AFP/Getty Images

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