Fronteiras que não protegem

Negar oportunidades a refugiados e aos que procuram asilo é crueldade, escreve o ex-presidente mexicano

Vicente Fox Quesada
Guillermo Arias/AFP

Este artigo faz parte do especial "Ano em transformação", do "The New York Times News Service & Syndicate", que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Estados Unidos andam para trás em termos de tolerância

Protótipos para um muro ao longo da fronteira entre o México e os Estados Unidos são revelados

Setembro trouxe grande tristeza, revolta e frustração quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu ao Congresso que acabasse com a DACA, ou Ação Deferida para Chegada de Crianças, um programa que assegurou o futuro de cerca de 800 mil crianças de todo o mundo que vivem nos Estados Unidos, protegendo-as de deportação. Quase 80% desse total são de mexicanos, que serão desproporcionalmente afetados com o fim do programa.

Os latinos, especialmente os mexicanos, são o principal alvo dos constantes ataques raciais do presidente Trump. De acordo com Trump, nós somos culpados de todos os tipos de atos criminosos. Fomos chamados de estupradores, traficantes de drogas e ladrões que roubam empregos de americanos. Ele exigiu que pagássemos pelo muro que será construído entre as duas nações, que impediria nossa entrada nos Estados Unidos.

Muitos dos protegidos pela DACA chegaram aqui bebês ou crianças e não conhecem outro lar, porém ainda reconhecem sua terra de origem e valorizam sua pátria, adotando identidades híbridas orgulhosas.

Guillermo Arias/AFP Guillermo Arias/AFP

Cada país tem seus próprios Sonhadores, como são conhecidos esses jovens imigrantes. Conforme crescem, estudam, montam seus negócios e trocam ideias, eles ajudam a fortificar um mundo globalizado, onde as culturas se misturam.

Os moradores dessa moderna ordem mundial endossam um novo tipo de cidadania e democracia. Eles não votam, mas protestam com vontade quando acreditam estarem sendo tratados injustamente. Buscam o crescimento econômico autossustentável. Estão preocupados com as grandes mudanças no clima ao redor do planeta.

Esses cidadãos do mundo sabem seu valor. Independentemente da cor da pele, educação ou nacionalidade, são capazes de prosperar em diferentes tipos de ambientes. Vemos exemplos todos os dias dessas pessoas evoluídas, que lutam para acabar com o racismo e fomentar a igualdade, a inclusão e a representação de seus governos.

Ben Wiseman Ben Wiseman

A imigração tem muitas nuances e complicações, e não há nenhuma resposta simples para a forma com que o governo deve lidar com as questões de segurança nacional. Qualquer um que já tenha comandado uma nação, como eu, entende a prioridade de proteger os cidadãos. A resposta, porém, não é punir os homens e mulheres cuja admiração e dedicação a um país serve de catalisador para seu trabalho árduo e seu sucesso.

Ouvimos muitas histórias de jovens que chegam aos Estados Unidos com seus pais, que sonham em proporcionar a melhor vida possível para seus filhos, que se enchem de coragem e arriscam cruzar uma perigosa fronteira rumo ao desconhecido. Esses jovens foram em busca de educação, de carreiras e de comunidades, auxiliam seus pais a preencher formulários de emprego ou fichas médicas em inglês e enviam ajuda e orientação para seus países de origem. Eles não estão tentando ferir seu país adotivo – na verdade, fazem exatamente o oposto. Só estão querendo ser reconhecidos.

Os EUA são admirados por causa do que parecem representar: igualdade e oportunidade e heterogeneidade. A anulação da DACA seria um enorme passo para trás para uma nação que sempre se orgulhou de sua tolerância. O dano potencial a centenas de milhares de vidas não é quantificável, e o lado positivo não existe. Essa mudança iria punir aqueles que querem tanto viver em um país que arriscaram tudo o que tinham para chegar lá.

Se o futuro trará a noção de uma identidade global e de países sem fronteiras, continua a ser imperativo que priorizemos a preservação e a celebração das nossas tradições culturais. Nossos costumes nos dão uma mistura emocionante de ideias, experiências e histórias com as quais podemos contribuir.

Quando honramos o que cada indivíduo oferece através de seu contexto, o termo "minoria" acabará se tornando um anacronismo. Cada pessoa tem um conjunto único de histórias e habilidades, efetivamente nos igualando em nosso potencial de contribuir para a sociedade.

Bryan Denton/The New York Times Bryan Denton/The New York Times

Movimentos conservadores começaram em oposição a essa mistura cultural, não só nos EUA, mas em todo o mundo, desde o Brexit no Reino Unido até o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, que cresceu nas eleições deste ano. A mudança rápida e o conflito trouxeram instabilidade e preocupação, e em resposta, os líderes conservadores prometem tranquilidade e segurança através de protecionismo e nacionalismo exacerbado.

Não podemos recorrer a essa resposta antiga a uma nova luta. Já não é possível fechar nossas portas em um mundo político, econômico, social e culturalmente misturado. Proibir homens e mulheres de entrar em um país com base em sua religião é intolerância e rancor. Negar a refugiados e aos que procuram asilo as oportunidades que muitos de nossos países lhes podem proporcionar é uma crueldade desnecessária e, como no caso da DACA, só serve para ferir as pessoas mais vulneráveis.

  • Vicente Fox Quesada

    Foi presidente do México de 2000 a 2006

    Imagem: Sem crédito

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