
Este artigo faz parte do especial "Ano em transformação", do "The New York Times News Service & Syndicate", que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.
A fratura em uma plataforma de gelo na Antártida atingiu o ponto crítico e resultou no desprendimento de um iceberg gigantesco, que saiu flutuando no oceano. É a representação perfeita de um mundo que se vê sob pressão e prestes a, bem, tudo – pronto para se desprender e se libertar. A temperatura da política global só faz subir, o futuro da verdade está em discussão e o espectro de um conflito paira sobre nós. Perguntamos à Sua Santidade o Dalai Lama qual, em sua opinião, é a melhor forma de lidar com tudo isso.
Estamos enfrentando um período de grande incerteza e convulsão em muitas regiões do planeta. Quando se trata de transformar o mundo em um lugar melhor, a preocupação com os outros nem sempre se destaca.
A verdade é que nosso futuro está em nossas mãos. Dentro de cada um de nós existe o potencial de contribuição positiva com a sociedade. E embora possa parecer que um indivíduo entre tantos outros seja insignificante no efeito final do destino da humanidade, são os nossos esforços pessoais que determinarão o rumo que nossa sociedade tomará.
A qualquer lugar que eu vá, me vejo apenas como um dos mais de sete bilhões de seres humanos vivos neste momento. Compartilhamos todos de um desejo fundamental: queremos uma vida feliz, e esse é um direito inerente nosso. Não há formalidades quando nascemos e nenhuma quando morremos. Entre um e outro, devemos tratar uns aos outros como irmãos porque compartilhamos a mesma ambição de paz e contentamento.
Infelizmente enfrentamos todo tipo de problemas, sendo que muitos criados por nós mesmos. Por quê? Por nos deixarmos levar por emoções como o egoísmo, a raiva e o medo.
Um dos meios mais eficazes de lidar com esses padrões destrutivos de pensamento é o cultivo da "gentileza amorosa", tendo em mente a unidade que liga todos os sete bilhões de humanos deste mundo. Se pensarmos nos fatores que nos tornam todos iguais, as barreiras diminuem muito.
A humanidade possui uma diversidade rica, que se manifesta naturalmente devido à vastidão do mundo, seja em termos da abundância de idiomas e alfabetos como de normas e costumes sociais.
A compaixão reforça a calma e a autoconfiança, permitindo que nossa maravilhosa inteligência humana funcione sem impedimentos. A empatia está gravada nos nossos genes: estudos mostram que bebês de quatro meses são capazes de senti-la. As pesquisas mostraram e continuam provando que pensar no próximo leva a uma vida bem-sucedida e gratificante; por que então não nos concentramos em cultivar isso durante a vida adulta? Quando ficamos com raiva, o nosso poder de julgamento fica prejudicado e perdemos a capacidade de considerar todos os aspectos da situação. Com a mente calma, podemos ter uma visão integral de qualquer que seja a circunstância que enfrentamos.
Entretanto, quando exageramos na ênfase de raça, nacionalidade, fé, renda ou nível de escolaridade, esquecemos nossas semelhanças. Todos nós queremos um teto sobre a cabeça e comida no prato, a sensação de segurança, filhos fortes e bem encaminhados.
Ao mesmo tempo que cuidamos de preservar nossa cultura e identidade próprias, devemos também lembrar que todos somos seres humanos e precisamos nos esforçar para manter o coração aberto a todos."
Como vimos neste último século, a tendência a resolver os problemas através do uso da força se mostrou invariavelmente destruidora, perpetuando os conflitos. Se quisermos que o próximo seja um período de paz, temos que resolver os problemas através do diálogo e da diplomacia. Já que as nossas vidas estão todas ligadas, os interesses dos outros são os nossos também – e a adoção de atitudes desagregadoras vai contra eles.
Essa interdependência tem vantagens e armadilhas. Embora tenhamos o benefício da economia global e a capacidade de comunicação imediata, sabendo o que está acontecendo no mundo instantaneamente, também enfrentamos problemas que nos ameaçam a todos: a mudança climática em particular é um desafio que nos impele a um esforço único de defesa ao bem comum.
Para aqueles que se sentem impotentes face ao sofrimento insuportável, ainda estamos nos primeiros anos do século 21; ainda há tempo de criar um mundo melhor e mais feliz, mas não podemos cruzar os braços, esperando um milagre. Cada um tem que fazer sua parte, começando por viver uma vida significativa, a serviço dos outros seres humanos, ajudando sempre que possível e se esforçando para não causar mal a ninguém.
Combater as emoções destrutivas e praticar a gentileza amorosa não é algo que se deva fazer tendo em mente a vida após a morte, o céu ou o nirvana, mas sim pensando no aqui e no agora. Tenho certeza de que podemos nos tornar indivíduos mais felizes, comunidades mais satisfeitas e uma humanidade mais realizada se cultivarmos a compaixão, permitindo que prevaleça o que há de melhor em nós.
O 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, é o líder espiritual do Tibete e ganhador do Prêmio Nobel da Paz. Desde 1959 ele vive em exílio em Dharamsala, no norte da Índia.
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