Sempre no limite

O estilo desenfreado levou o comentarista Alê Oliveira à fama, mas também trouxe muita dor de cabeça

Leandro Carneiro e Luiza Oliveira Do UOL, em São Paulo
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Ele quase abandonou a televisão

Alê Oliveira, um dos comentaristas mais polêmicos do jornalismo esportivo, conhece de perto as faces do amor e do ódio. Foi essa dualidade que despertou em seus anos de ESPN. Entre decretos, piadas e polêmicas, ganhou uma legião de fãs nas redes sociais e provocou a raiva de quem torcia o nariz para o seu humor politicamente incorreto.

A saída da ESPN, depois de 18 anos, foi traumática. Alê já tinha causado um rebuliço no fim do ano passado quando soltou o decreto "assistiu ao penta já aguenta" e foi chamado de pedófilo. No último mês, foi acusado de praticar insultos racistas contra uma maquiadora do canal. Deixou o canal após um acordo dos dois lados. Mas o baque foi grande.

"A minha ideia era voltar para a atividade de origem. Ser treinador, trabalhar nos clubes, faculdades. Porque esse lado da exposição se tornou muito cruel para mim. Eu nem tinha me recuperado de um tipo de acusação, que eu era pedófilo, e veio outra muito forte em cima. Justamente para tentar preservar as pessoas que amo, estava repensando essa condição".

O UOL conversou com Alê antes e depois dessa última acusação. A primeira entrevista falava de suas origens, do sucesso na TV e de como construiu a sua imagem. A segunda foi feita após sua saída da emissora, falando de seu estado de espírito e sobre os planos para o futuro na nova casa, o Esporte Interativo.

Por questões contratuais, nesse segundo momento ele não falou sobre a polêmica ou a antiga empregadora. Mesmo assim, quem ler a entrevista inteira vai ter acesso ao homem por trás do decreto, entender de onde ele vem e o que está fazendo cada vez que aparece em sua TV.

Por que não voltei para minha origem? Pelo carinho das pessoas que gostam do meu trabalho. Foi impressionante o apoio que recebi de grande parte do pessoal que chega até minhas redes. E também pela forma como o Esporte Interativo me abraçou. Me senti confortado. Senti que se tomasse a decisão que cheguei próximo de tomar, as pessoas que gostam do meu trabalho, que se sentem bem me ouvindo, iam pagar um preço que não merecem

Sobre porque não abandonou a TV e voltou a ser técnico

Quem me odeia, me odeia com força

"Falo de futebol com qualquer um"

Tem grandes jornalistas conceituados, da antiga, que adoram fazer brincadeira também. Talvez não gostem da brincadeira dos outros porque não veio da cabeça deles... Ninguém tira da minha cabeça que eu tenho de ser do meu jeito. Tenho de ser extrovertido, brincar, ter uma tirada aqui, uma gracinha ali

Falando sobre de onde vem seu estilo

Eu tenho esse perfil de entretenimento, mas, sincera e honestamente, não acho que por causa disso sei menos de futebol do que quem fica de cara feia, que é sisudo e sério. Aliás, gostaria muito de ter a oportunidade de debater futebol com essas pessoas. Não tenho nenhum receio de debater futebol com ninguém

Afirmando que é um conhecedor de futebol

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A saída da ESPN

A trajetória de Alê Oliveira na ESPN acabou depois de quase 17 anos. Ele se envolveu em uma confusão com uma maquiadora do canal. Quando o caso chegou à imprensa, o comentarista foi afastado e, dias depois, ele e a emissora decidiram rescindir o contrato. Alê Oliveira chegou a ser acusado de racismo, mas tanto o comentarista como a emissora negaram o episódio. A maquiadora também teria desmentido a história para o próprio canal.

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"Quero blindar quem eu amo"

Essa saída da ESPN fez Alê Oliveira refletir sobre a carreira e a maneira como leva a própria vida. Tanta exposição o deixou calejado, mas o efeito da polêmica em sua família o assustou.

"O que vou tentar fazer é tentar blindar um pouco mais as pessoas que me amam. A minha filha, que é muito pequena. A minha mãe, que está meio derrubada de saúde. A minha mulher, que sente muito. As minhas enteadas, que, num momento de carinho delas, fizeram questão de participar de tudo isso. Elas podiam ficar fora, mas, me conhecendo no dia a dia, fizeram questão de mostrar a cara para confirmar o grande absurdo que foi essa acusação. Vou tentar blindar essas pessoas que estão mais próximas um pouco mais. Eu tenho de ter uma casca para aguentar tudo isso. Eles não têm essa obrigação".

A preocupação maior é com a filha Malu, de 8 anos, que pode encontrar notícias negativas sobre o pai na internet. "Essa geração fica sempre no celular. Hoje, se ela procura Alê Oliveira encontra um montão de coisas que vão machucá-la. Tenho, de alguma forma, prepará-la. Isso que aconteceu acabou calejando a família. Ficamos mais unidos".

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Esporte Interativo quer que ele "se solte mais"

Alê Oliveira mal teve tempo para digerir a mudança de rumos da sua profissão. Logo que anunciou sua saída da ESPN, foi procurado pelo Esporte Interativo. Assinou contrato quando ainda estava em Fortaleza, de férias.

"O que me deixou bastante feliz foi a recepção dos meus colegas. Eles foram muito generosos comigo, fizeram o vídeo do decreto, foi muito bacana. Muita gente que não me conhece mandou mensagem. A resposta da rapaziada, da galera pelas redes sociais, comemorando o novo emprego, a contratação, foi muito legal também. Muita gente disse que o estilo combina bem".

É fato que a linguagem mais descolada do EI combina com o jeitão de Alê. Ele já recolocou o decreto na TV e avisa que recebeu do novo canal a missão de ser ainda mais solto. Medo hein...

 "Quando estava conversando com pessoal de lá, ainda em uma conversa preliminar para entender onde estava pisando, falaram que me sentiam um pouco preso no ar.'Você precisa se soltar mais'".

Eu falei: "Opa, é o momento de, de repente, tentar o nu artístico. Porque, se eu me soltar um pouco mais..."

"Essa foi a primeira conversa que a gente teve sobre estilo e comportamento. Isso me animou e me preocupou um pouco. Eles têm essa pegada de linguagem diferente, de entretenimento. Pelo menos combina bem com meu estilo".

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O que é o decreto?

A força de Alê Oliveira nas redes sociais veio com a criação do decreto. Toda sexta-feira, durante o programa Bate Bola Debate, ele iniciava a atração com um discurso para comemorar o início do fim de semana. Depois de uma polêmica, o decreto saiu da TV e fez com que ele crescesse ainda mais nas redes sociais.

"Um dia, eu estava muito gripado e, no grupo do WhatsApp, comecei a avisar que não iria trabalhar no programa. Como era sexta-feira, os caras disseram que eu estava enforcando a sexta. Como a gente tem muita intimidade ali no programa, falaram para parar de dar migué. Eu tomei uns remédios e fui trabalhar", lembra.

"Como tinha tido essa conversa no WhatsApp, o Bruno Vicari, o Boneco Ken, disse que eu não ia poder falar de bebida porque estava debilitado. Aí eu cantei uma música muito antiga: 'Gripe cura com limão, jurubeba é pra azia, do jeito que a coisa vai, boteco do Arlindo vira drogaria'. Ele disse para eu ficar pianinho. Aí eu falei outra: 'Não quero saber quem pintou a zebra de listrado e nem quem colocou o galho na cabeça do veado'. Rolou isso e seguiu o programa. Quando olhei no meu Twitter, em duas horas de programa os caras só estavam brincando com isso. Achei que podia ser uma deixa e decidi levar uma coisa pronta na outra sexta. Combinei com o Boneco pra ele levantar uma bola. Olhei na rede social e todo mundo falando disso".

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"Pesquisador" da cultura popular

Se o início foi por acaso, a consolidação do decreto é fruto de uma análise de mercado e das tendências do público mais jovem que Alê queria atingir. "Quando a coisa já estava com um corpo um pouco maior, comecei a pesquisar os jovens. Quais eram as palavras que eles usavam? Porque eu já estava fora do combate há algum tempo", lembra.

"Fui descobrir o 'mim acher', o 'decreto', o 'danone', o 'descubra'. Comecei a usar essas palavras no meu discurso com o objetivo de me aproximar dessa geração. O objetivo era que eles reproduzissem o que eu estava falando. Isso deu um impulso pra viralizar a coisa".

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Conquistando com uma "resenha mais solta"

Como você percebeu, Alê Oliveira coloca suas fichas na informalidade. "A minha vida inteira eu tive essa resenha mais solta, mais leve, de brincadeira, de tirada. Não é piada, mas reação a uma situação com raciocínio rápido. Eu gosto mais dessa conversa de bar, dos caras que jogam bola. Isso para mim é mais rico, para o meu dia a dia, do que qualquer outra coisa".

Foi com esse jeito que ele conquistou não só os torcedores, mas também os boleiros. Quando estava no Bate Bola da ESPN, não era raro alguns jogadores se declararem seus fãs. Foi o caso de Luan e Geromel, do Grêmio. "Eu acho que o jogador de futebol não tem muita paciência para os programas mais formais. Então, ele tem uma alternativa de ver futebol com uma leveza maior. Isso é mais agradável".

Prefiro mil vezes jogar bola a assistir a um jogo. Mil vezes. Então, conservo esse vocabulário do rachão, que jogo de vez em quando. Fico atento ao que a molecada está falando. Essa conversa mais informal me agrada muito mais do que qualquer leitura de um artigo mais importante, um artigo científico sobre futsal, futebol

Sobre preferir ir para a beira do campo a ler um livro

As polêmicas sobre pedofilia e machismo

O decreto não foi construído apenas com glórias. A linguagem usada para comemorar o fim de semana muitas vezes passa do limite. Foi assim que ele foi taxado como pedófilo após falar: "quem viu o penta, já aguenta".

"Naquele dia, falei que era dia do Netflix virar Xvideo. Quando deu confusão, pensei que era com o pessoal do Netflix. Depois, achei que o problema era no 'bonde do pimenta doce', que tinha a ver com algo que o Neto tinha falado com o Velloso. Quando disseram que tinha sido o negócio do penta... Era a última coisa que vinha na minha cabeça, de tão inocente que foi quando bolei".

Alê também foi acusado de ser machista por causa das frases que soltava no decreto. Tanto é que, ao sair da ESPN, ele passou a dar espaço para a "Dona Encrenca", forma que se refere à esposa, na versão do pronunciamento que solta em suas mídias sociais.

"O decreto é naturalmente machista, mas acaba dando uma volta. Você faz o decreto das mulheres com a Encrenca me zoando e aproxima as mulheres. Tem várias coisas positivas nessa decisão".

Fico realmente um pouco chocado com a agressividade e até onde a maldade das pessoas pode chegar

Sobre as acusações de que foi alvo

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"Dona Encrenca" é segredo para transformar Alê em fonte de renda

Uma peça fundamental na carreira do comentarista é Teresa Oliveira, a "Dona Encrenca". Ela já fez decretos femininos nas redes sociais de Alê, mas o seu papel real é nos bastidores. É ela que cuida da empresa que a marca Alê Oliveira virou, analisando propostas e transformando ideias em oportunidades de negócio.

"Nesses últimos dois anos, tive três agências que tomando conta das minhas coisas, mas nenhuma deu certo. A minha esposa é formada em Relações Públicas na FAAP e foi presidente da Atlética quando eu trabalhava lá. Dei em cima dela pra ver se eu recebia o salário em dia. Ela já tem formação pra trabalhar com isso e o mercado realmente não está muito favorável pra ninguém. Por isso, fiz o convite. A partir do momento em que ela assumiu esse lado de empresária da minha carreira, as coisas melhoraram demais. Ninguém cuida melhor do seu negócio do que você".

"Ela tem iniciativa, conhece meu jeito e sabe o que gosto de fazer e o que não gosto. Tudo, hoje em dia, é com ela. Tem loja, eventos, ações no Instagram, ações publicitárias, a cerveja Decreto, mas ela tem dado conta de tudo. É o meu porto seguro, não só no lado profissional, mas também administra a casa, faz todas as coisas. Eu fico só com a parte criativa mesmo. Ela me dá tranquilidade."

O acordo que a gente fez é: tudo o que a gente fechar, desde camiseta, evento, cerveja, publicidade, 30% é dela. É o salário. Só que, como ela toma conta de todas as finanças, 30% é dela e o resto também. Mas de vez em quando ela me dá uma moeda pra comprar uma bala ou alguma coisa assim

Brincando com as funções da "mulher barra empresária"

A briga com Sorín

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Azaian e o rei das permutas

Alê Oliveira virou "rei das permutas". Ele tem acordos fechados com diversas marcas. A principal delas é a Puma, que veste diariamente o comentarista. Não é coincidência que o maior nome da marca é Usain Bolt, justamente o atleta que sempre participa do decreto. Ou quase isso...

"Eu tenho vergonha do Azaian. Estava próximo da Olimpíada e, no quadro, eu explicava o movimento de um lateral. Não lembro nem que lateral era. Comecei a falar que ele era muito rápido, que a vantagem dele era a velocidade. Comecei a brincar, disse que o cara era mais rápido que a duração dos relacionamentos do Emerson Sheik. Mais rápido que a passagem do Ronaldinho Gaúcho no Fluminense. Eu queria falar, com o meu inglês, que ele também era mais rápido que o Usain Bolt. Só que não veio Usain, veio Asaian. Não sei porque. Ignorância. Aí saiu 'Azaian Bolt'. Quem estava no estúdio fazendo o Bate Bola caiu no chão".

Depois do episódio, Alê passou a brincar com o próprio erro: começou a imitar a comemoração do atleta e incentivou seus seguidores a fazer o mesmo. Hoje, ele recebe mais de 30 fotos por dia com internautas fazendo o raio de Bolt.

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As parcerias vão além da Puma. Ele tem acordo com a Aramis, marca de roupas sociais, fora os jabás de restaurantes, hotéis... Até os dentes foram arrumados através de permutas. "O que você pensar, eu tenho parceria. Vou viajar de férias? Tenho alguma coisa. Vou comer japonês? Tenho alguma coisa. Outro dia falei no rádio ou na TV que o meu sonho era ter um Atari. Recebi um Atari e um Mega Drive. Essas coisas são muito bacanas. Eu me visto melhor, eu como melhor. Minha filha come melhor e se veste melhor. Essas coisas são muito legais, é uma parte muito bacana da repercussão do meu trabalho".

Existe um plano lá para conhecer o Bolt, mas ainda é embrionário. Eu fico pedindo pros caras direto. Não sei se eles têm um pouco de vergonha de mim, mas estão me prometendo. Vamos ver".

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Alê é uma celebridade?

São mais de 530 mil seguidores no Instagram, mais de 200 mil no Twitter. Ele está todo dia na televisão e no rádio. Mesmo assim, o reconhecimento não veio por seu trabalho, mas por um convite para participar de um programa de televisão....

"Eu me classifico como uma pessoa igual a todo mundo, mas que tem um microfone e fala o que o pessoal quer ouvir. A minha filha, por exemplo, pensou, em algum momento, que eu era semi-famoso. Foi quando apareci no Desimpedidos. E olha que estou na televisão e no rádio todo dia... Já a moça que trabalha com a Dona Encrenca, que está em casa toda semana, só foi aceitar que sou famoso quando fui no Danilo Gentili".

"Celebridade eu acho que fica pesado pra mim. Não aceito muito esse termo. Mas tenho tomado muito susto com o carinho que as pessoas têm".

Quase no Pânico. Não à Fazenda

Uma das brincadeiras que normalmente Alê faz é falar sobre o reality show "A Fazenda", da Record. Ele diz que não participaria do programa se fosse convidado, para manter seu foco principal nos comentários esportivos. Foi esse pensamento que o levou a rejeitar uma proposta do Pânico na TV, da Band.

"Eu não sei exatamente se era só um projeto ou só uma ideia, mas tive pelo menos quatro conversas com um dos produtores do Pânico para fazer alguma coisa ligada a futebol no programa. Eles foram muito gentis e carinhosos, sempre tentando explicar as possibilidades, mas as conversas não evoluíram. Mesmo lisonjeado pelo convite, acho que sairia um pouco do foco do comentarista. Já tem muita gente que acha que falar de futebol com alegria faz você perder a credibilidade. Imagina se eu faço um programa de humor no domingo e, na segunda-feira, tenho que fazer uma crítica severa a algum time, treinador ou jogador? Não que eu me importe muito, porque tenho que fazer as coisas que acredito. Mas achei melhor não fazer".

Quando vou nos lugares, seja palestra, apresentação, conversa ou resenha, eu não faço stand-up e nem vou fazer

Negando que seja humorista

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"Tem gente que não me conhece da TV, só do rádio"

A fama ficou ainda maior ao atingir um público novo. Depois do sucesso na TV e nas redes sociais, Alê Oliveira ganhou a oportunidade de integrar a equipe do programa Estádio 97, um dos maiores sucessos da rádio paulistana.

"É um alcance muito grande. Cheguei em janeiro e muita gente, muita gente mesmo, me conhece pela rádio, não conhecia pelos outros trabalhos. Então, é muito bacana saber que, primeiro, a empresa fez o convite e acreditou em mim, e segundo que público, tão acostumado com integrantes habituais, foi generoso e me recebeu bem. Sou um corpo estranho que está ali. Eles construíram uma história tão linda e eu cheguei depois do programa consolidado".

Para quem não conhece, o Estádio 97, criado em 1999, é precursor dos programas que falam de futebol unindo humor e a paixão dos torcedores. Transmitido de segunda a sexta, das 17h30 às 20h, conta com locutores-torcedores como Benjamim Back e Mano, hoje na Fox Sports. "O assédio aumentou, porque eles são muito fortes. Se você tem, como eu tenho, possibilidade de aparecer na televisão, diariamente, tem a rádio, de segunda a sexta, as redes sociais que são fortes. Junta tudo isso, aí fica bacana para o reconhecimento. O assédio, depois que fui para a rádio, aumentou bastante".

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Começo na TV foi imitando o PVC

Mas nem sempre foi assim. Alê Oliveira chegou à ESPN em meados dos anos 2000 para ser comentarista de futsal. Era sua primeira experiência na TV e achou que seria uma boa ideia imitar as estrelas do canal.

"Eu olhava os caras que estavam ali como referências. O PVC, o Paulo Calçade e tal. Pensei: 'Bom, se eu quiser trabalhar na ESPN, vou ter que seguir esses caras, que são os melhores do canal'. E comecei a tentar reproduzir um pouquinho do jeito de cada um".

Não deu muito certo. "Funcionava para eles. Para mim, não dava. Não era natural, eu não estava feliz. Vi uma reprise de um jogo meu, sem querer, e pensei 'puta, isso é muito chato. Nem eu aguento'. E se eu não aguento, como é que alguém vai querer ver isso?. Aí eu falei para a minha esposa que não ia mais ser comentarista".

Eu comecei a ter um pouquinho mais de sequência timidamente, mas com uma coisa fixa na cabeça: 'Se for fazer isso, se a minha vida for viver como comentarista, vai ser desse jeito. Para trás eu não volto. Não vou ser mais daquele jeito. Vou ser como eu sou no meu dia a dia, porque aí é natural. É meu'

Sobre como passou a ganhar espaço na ESPN

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Um jegue na transição de imagem

Alê Oliveira não fez o caminho tradicional de um comentarista esportivo. "É natural que um jornalista competente ou um fenômeno como futebolista seja contratado pela ESPN. Qualquer caminho que não seja esse, é um caminho diferente, com mais obstáculos. Quando falo que sou um cara do povo com o microfone na mão, não é mentira. Entrei para fazer futsal porque fui atleta. Para ultrapassar essa barreira demorou muito".

As primeiras chances vieram quando a ESPN passou a mostrar a Copa do Brasil. "Em Aracaju, entrei com um chapéu de sertanejo, com água de coco e embaixo de uma bananeira. O Leo [Bertozzi] já caiu de dar risada ao vivo. Na minha segunda entrada, na semana seguinte, estava na Ressacada. Entrei com óculos escuros e uma prancha de surfe porque estava em Florianópolis".

Ele foi comentarista até um episódio envolvendo um animal. "Na terceira semana, estava no interior de não sei onde e pedi para fazer a entrada em cima de um jegue. A produtora ligou para o diretor e disse que eu tinha pedido um jegue. Ele disse 'jegue é ele'. Eu não fui para esse jogo e não fui para mais nenhum".

A relação com os boleiros

Eu não sou muito preparado, eu me deixo seduzir. Então eu procuro não me aproximar de jogador ou treinador em atividade. Não tenho preparo e, se eu começo a conversar com o cara e ele é carinhoso comigo, eu não sei se vou conseguir diferenciar e ter um comentário isento. Não tenho relação de amizade com ninguém

Sobre amizade com os boleiros

Por que Alê se arrependeu do furo da prancheta de Rogério?

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Alê queria jogar bola: "A tentação acabou com a carreira"

Antes da televisão, Alê Oliveira era do futebol. No campo, abandonou o Palmeiras um mês antes da Copa São Paulo. No salão, foi profissional até os 26 anos. A carreira, porém, foi atrapalhada pela paixão do comentarista pelo "gelo via oral".

"Você não vai ouvir, nem aqui e nem na China, eu falando bem de mim. Mas eu era um jogador ok. Jogava de fixo, o beque no salão. Era bom marcador, tinha bastante vigor, um bom passe. Mas não era muito disciplinado ou focado na minha carreira. O gelo via oral..."

"Eu joguei até os 26 anos profissionalmente no futsal. Mas com 18 eu já era treinador. A primeira faculdade que dirigi foi o Direito da USP, lá do Largo São Francisco. Fiquei lá como treinador durante 22 anos. Então, além dos jogos da minha faculdade, ia para Jogos Jurídicos, InterUsp. Um ano depois, entrei na GV, ia pro Economíadas. Na FAAP, ia pro Juca. E ainda tinha um grupo de samba. Então, era muita tentação pra eu ficar só voltado pro futsal. A tentação tirou minha carreira, mas a carreira também não era muito sólida", finaliza.

As histórias do técnico Alê

  • Bordões surgiram como técnico universitário

    Até chegar à ESPN, Alê sobreviveu do esporte universitário. Técnico de várias faculdades, trabalhava em quase 20 partidas por fim de semana. "Algumas frases que eu falo já usava há 20 anos. Time que não bebe não ganha. Quem faz gol beija na night. Eu negociava: 'Pessoal, a gente vai se matar aqui em busca do nosso prêmio. E o nosso prêmio é, depois do jogo, tomar todas. Todo mundo vai olhar para vocês durante o jogo, então à noite vai ser mais fácil'. Eu entendia a cabeça do universitário porque era um também. O cara trabalhava, estudava e ainda ia treinar. Alguns dias, não adiantava dar treino. A gente ia para o bar. Era uma parceria".

  • O dia em que puxou o Pai Nosso em um time de judeus

    Uma das passagens mais engraçadas de Alê envolve religião. Quando ele virou técnico da Hebraica, clube da comunidade judaica, já tinha todo um ritual de preleção: "Era um padrãozinho de vestiário para não me perder. Primeiro eu falo do meu time, depois do adversário. Na parte final, vem a raça, a motivação, para entrar na pegada. Era automático. Acaba com o pessoal junto. E eu sempre começava um "Pai Nosso". Naquele dia, puxei um com vontade. Aí, olho para o lado e ninguém estava rezando. Aí caiu a ficha: 'puta, estou na Hebraica'. Aí falei: 'Pessoal, é o seguinte, cada um tem sua crença aí, vamos fazer um minuto aqui de pensamento'.

  • A derrota que seria uma vitória. Mas não foi

    A gafe da reza não foi a única na Hebraica. Alê lembra da semifinal que perdeu por não saber o regulamento. "A gente iria enfrentar o Juventus e o medo era levar uma goleada e não ter chance no jogo de volta. Mandei jogar defensivamente para chegar vivo nos 5 minutos finais do segundo jogo. Eles compraram a ideia, o jogo terminou 2 a 1. Comemoramos. Quando cumprimentei o treinador do Juventus, falei 'Até o jogo de volta'. Ele olhou e falou: 'Jogo de volta?'. Eu estava na ESPN, não ia às reuniões da federação. Eles tinham mudado o regulamento: jogo de volta só se o time de pior campanha vencesse a primeira. Nós perdemos. E eu tinha de avisar meu time que estava eliminado.

  • Quase apanhou por provocar rival

    Alê sempre encarou o trabalho no campo com paixão. Às vezes, extrapolava. "Teve uma vez que o outro time não chegava. Falei para a organização: '11h15 da noite de sexta-feira e os caras não têm uniforme. É W.O.'. Mas esperaram. O jogo foi começar às 11h40 e eu já estava meio bravo, né? Pô, 23h40 para começar o jogo... Reuni meu time: 'Vamos fazer os caras se arrependerem de terem feito a gente esperar'. O jogo foi 5 a 0 para nós. No quinto gol, fui próximo do banco dos caras e falei: Eu fui tentar ser amigo de vocês, falei que era melhor dar W.O'. Meu amigo... Quando falei isso, saí correndo e acho que dei umas três voltas no campo. Os caras com guarda-sol, cadeira para me bater"

Trajano, Lula e Bolsonaro: Quem Alê segue ou bloqueia?

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