Edson Eterno?

Seriedade, profissionalismo e marketing estão acabando com apelidos no futebol brasileiro. Mas há resistência

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo
Arte/UOL

Garrincha, Zico, Cafu...

Apelidos fazem parte da essência do futebol brasileiro. Nosso maior ídolo não é Edson Nascimento, é Pelé. Somos o país de Garrincha, Zico, Cafu e Dunga, não de Manoel dos Santos, Arthur Coimbra, Marcos Evangelista ou Carlos Verri. Só que esse futebol raiz perdeu espaço em tempos de profissionalização. E os apelidos ficaram escassos. Mas isso também não é obrigatoriamente ruim.

Tem time que põe em cartilha a proibição do uso de apelidos e faz "Cabelo" virar Vinicius Silveira. Tem dirigente que acha que jogador com apelido não passa seriedade. Tem jogador conhecido por apelido que pede para mudar por causa de piada na televisão. E depois volta atrás. Tem apelido de infância que pega e não adianta descolar. Tem time que pergunta se o cara quer continuar sendo chamado de modo informal.

Apelido até tem, mas é pouco. Na última rodada do Brasileirão, 26 jogadores conhecidos por apelidos estavam entre os 280 que entraram em campo. Representam menos de 10% do total. Entre os técnicos, os apelidados são 3 dos 20 comandantes. Está cada vez mais raro ver Nenê, Pituca, Nikão, Quixadá, Nonoca, Grampola, Pikachu, Lisca, Cuca, Gum, Magrão ou Bochecha, mas eles resistem. Até porque o apelido é uma instituição do futebol na terra do Rei Pelé - afinal, ninguém conhece um Rei Edson.

Assista: Copa de 2018 foi 1ª do Brasil sem apelidos desde 1974

Foto Ivan Storti/Santos FC Foto Ivan Storti/Santos FC

Meme de Silvio Santos fez Bambu repensar apelido

O Santos venceu o Paraná por 2 a 0 no dia 9 de setembro, pela 24ª rodada do Campeonato Brasileiro, com sua dupla de zaga formada por Róbson Bambu e Gustavo Henrique. Seis dias depois, empatou sem gols com o São Paulo com Gustavo Henrique ao lado de Róbson Alves. Cuca não mudou o time: o Róbson é o mesmo, mas naquele curto período de tempo o defensor decidiu trocar o apelido que o acompanha desde a base do Santos, quando já era alto (1,85m) e magro (69kg), pelo sobrenome.

Róbson Alves viveu um mês no futebol brasileiro. Voltou a ser Bambu depois de três jogos, se firmou como titular do Santos e, mesmo agora que deixou o time e pode se transferir para o Atlético-PR, pretende manter o nome. A orientação para que retomasse o apelido foi do próprio Cuca (e do estafe que o acompanha há dois anos). Todos consideraram o apelido consolidado. Ele está nos sites e jornais como Bambu, os narradores o chamam de Bambu, todos os companheiros o chamam de Bambu. Não tinha como mudar.

As vezes em que o zagueiro de 20 anos "fraquejou" em manter o apelido foram motivadas pelo tom pejorativo com que ele se vê retratado na mídia. Foram ironias e brincadeiras que ganharam volume pelo mau desempenho nos primeiros jogos pelo Santos. No "Fantástico", da TV Globo, rolou até brincadeira com o famoso meme do Silvio Santos depois de uma falha: "E o Bambu, hein?" - até quando ele não está jogando a piada é adaptada, como fez o repórter da Globo no duelo contra o Internacional. Foi um dos motivos que levaram Róbson a tentar aposentar. Depois, foi foi convencido do contrário. Bambu agora é resistência.

Newton Menezes/Futura Press/Folhapress Newton Menezes/Futura Press/Folhapress

São Paulo encerra cartilha, mas estafes ainda interferem

O São Paulo já foi reconhecido como um clube que encrencava com apelidos e tentava podá-los desde as divisões de base. A realidade mudou. O clube que transformou Dinei em Diego Tardelli, Madruga em Leonardo, Marcelinho em Lucas, Edson Ratinho em Edson Ramos e, mais recentemente, Pira em Gustavo Hebling ou Foguete em Wellington Cabral está mais liberal. Hoje, a categoria de aspirantes tem um lateral-esquerdo chamado pelo apelido, Gabiga. Também tem Tuta e Jonas Toró no sub-20. E Wellington Cabral voltou a ser Foguete.

Enquanto o clube fica mais moderno, os representantes de jogadores tentam "modelar" seus produtos com teorias antigas. Um caso recente ocorreu no próprio elenco do São Paulo: como chamar o atacante Paulo Henrique Pereira da Silva? Na base, ele era tratado como Paulinho, mas internamente chamado de Boia, uma derivação do apelido de infância "boi", ou "boizinho", por conta do temperamento explosivo.

Depois virou Paulo Boia, porque ele não queria abandonar o apelido. Quando subiu para o profissional, o nome na camisa variou entre "Paulo Boia" e "Paulinho". Até que, no fim do ano passado, o estafe do atacante promovido pelo técnico Dorival Júnior decidiu chamá-lo de "Paulo Henrique" em nome da seriedade. Pouco depois, o São Paulo promoveu um volante que na base era Paulinho e no profissional queria ser Paulo Henrique. Criou-se a confusão. O volante virou Paulo Henrique e o atacante foi Paulinho. Em agosto, ele foi emprestado ao Portimonense, de Portugal. Ainda não fez gols como Paulinho.

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Tchê Tchê ou "ié ié": nem sempre a embalagem conta

Além da força da imprensa, outros motivos são apontados como inibidores do uso de apelidos na atualidade. O principal deles é que o atleta já é planejado desde cedo para a venda para o mercado internacional - os apelidos estão mais escassos justamente por esta abertura do mercado. Há dirigentes e, principalmente, empresários de jogadores que traçam estratégias de marketing desde cedo para as carreiras de jovens promessas. Um nome como Vampeta, por exemplo, dificilmente passaria por esse crivo hoje em dia. Ele teria que ser Marcos André.

Os nomes rebuscados e pomposos são mais bem-vindos no mercado globalizado sob o argumento de que apelidos não passam seriedade e são prejudiciais à imagem. Por outro lado, ser chamado de Nenê não impediu o meia do São Paulo de ter boas passagens no futebol europeu e nem fez o Dínamo de Kiev (UCR) reduzir os quase 5 milhões de euros pagos ao Palmeiras por Tchê Tchê em junho - só fizeram uma mudança: Tchê Tchê ganhou a grafia próxima de 'ié ié' em português, mas com uma pronúncia como 'Ché Ché'.

Mas para alguns o mais importante é a embalagem. 

Hoje, os atletas são marcas, verdadeiros produtos que negociam suas imagens para empresas e faturam alto com isso. Pensando em um trabalho nacional, o apelido pode configurar uma marca registrada e até contribuir para um trabalho de marketing de um clube. Porém, levando para o estrangeiro, pode causar desconhecimento para determinados mercados e deixar de ser atrativo. Atletas da seleção brasileira alcançaram um patamar mais elevado e seus nomes facilitam o trabalho de comunicação global das equipes

Eduardo Esteves

Eduardo Esteves, especialista em marketing esportivo

No ranking dos maiores artilheiros desse ano do Brasileirão temos Gabriel, Pablo, Ricardo Oliveira, Diego Souza e Pedro. Nada de apelidos ou nomes no diminutivo. Isso se dá pela interferência dos agentes dos atletas e pelo fortalecimento do futebol internacional, que atrai a atenção das crianças. Ninguém imagina um Zezinho ou Joãozinho jogando a Premier League. E também há o cuidado com os apelidos politicamente incorretos nos dias de hoje, ou para evitar ironias e piadas por adversários

Flávio Janones

Flávio Janones, mestre em administração, com ênfase em marketing esportivo

Divulgação/Santos FC Divulgação/Santos FC

Bullying e medo do "politicamente correto" geram menos apelidos

Dois fenômenos sociais amplamente discutidos no Brasil também ajudam a explicar a escassez de apelidos dos jogadores. Além do "politicamente correto", como citado por Janones, o bullying entra nessa história. Os atos de intimidação e violência física ou psicológica, geralmente em ambiente escolar, passaram a ser muito estudados no país nos últimos anos. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2015, um em cada dez estudantes é vítima de bullying no Brasil e metade dos jovens adultos já sofreu.

Por conta da conscientização, as pessoas estão dando menos apelidos às outras. E também há mais dificuldade em assimilar e adotar apelidos. "Apelidos deixam marcas, incertezas, inseguranças. As pessoas muitas vezes não se sentem confortáveis, então esses aspectos negativos ajudam a conscientizar da forma agressiva e pejorativa com que muitos são dados. Claro que tem alguns carinhosos, familiares, que as pessoas não ligam. Mas outros ligam, se chateiam e carregam transtornos", explica Yuri Busin, psicólogo e doutor em neurociência do comportamento.

"Esse exemplo do futebol é muito bonito, mostra a intervenção que está ocorrendo na sociedade, dá exemplo, mostra as consequências negativas de certas atitudes e comportamentos. Estamos no caminho para as pessoas serem o que são, sem amarras", conta o especialista. 

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De "A Indomada" para o Campeonato Brasileiro

A novela "A Indomada", exibida pela TV Globo entre fevereiro e outubro de 1997, é um sucesso. O verbo está conjugado no presente porque a trama de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares fez sucesso na época em que foi exibida e hoje em diz faz o Canal Viva ter bons índices de audiência na TV paga em sua reapresentação. Uma das personagens marcantes da novela foi Grampola, feita pela atriz Karla Muga, uma espécie de sacerdotisa na cidade fictícia de Greenville e par romântico de Emanoel (Selton Mello).

O apelido Grampola vem de "polaca", que faz referência à mulher polonesa. Karla Muga foi uma espécie de Marina Ruy Barbosa dos anos 90. E o nome da personagem se popularizou a ponto de criar apelidos na sociedade. "Eu recebi meu apelido na época da novela mesmo. Mas eu não gostei. Ficava brabo e xingava muito. Mas acho que foi por isso que o apelido pegou (risos)", brinca um atacante do Paraná. Ele se chama Rafael Santiago Gonçalves, mas todos o conhecem como Rafael Grampola.

"Todo mundo me conhecia assim, alguns acham até que é sobrenome. Por ser único, decidi deixar Rafael Grampola. Hoje, quando se fala esse nome é quase inconfundível, só tem eu. Brincadeira sempre teve, até por ser engraçado, diferente. Mas hoje é outra geração. Os jogadores têm nomes compostos porque os assessores e empresários acham que é melhor. Mas nossos ídolos lá atrás tinham apelidos, toda criança queria ter", desabafa o jogador de 30 anos de idade, autor de um gol no Brasileirão.

Eles trocaram de nome

  • Bruno Bonfim

    É o Dentinho, atacante do Shakhtar Donetsk (UCR). Promovido ao time profissional do Corinthians em maio de 2007, precisou abandonar o apelido que tinha na base por ordem do técnico Paulo César Carpegiani. O nome composto não pegou. Assim que Carpegiani saiu, em agosto, Bruno Bonfim voltou a ser Dentinho.

    Imagem: Sergei Supinsky/AFP
  • Alex Santana

    É o Alex Muralha, goleiro do Albirex Niigata (JAP). Até 19 anos de idade, era conhecido somente por nome e sobrenome, mas ganhou apelido durante passagem pelo Prudentópolis, em razão do bom desempenho. Ele lutou contra, mas assumiu a nomenclatura até chegar ao Flamengo e à seleção. E assim segue.

    Imagem: Reprodução/Facebook
  • Zé Carlos

    É o Zeca, lateral do Internacional. Quando foi promovido ao elenco profissional do Santos, em 2014, ele e o clube insistiram em chamá-lo de Zé Carlos, como era na base. Porém, o apelido do dia a dia pegou e foi adotado quando ele teve a primeira boa fase, em 2015.

    Imagem: Divulgação
  • Max Santos

    É o Max Pardalzinho, atacante do Olímpia-SP. Destaque no futebol goiano, foi contratado pelo Palmeiras em 2011, mas orientado a trocar o apelido herdado do pai, Pardal pela leveza e velocidade, por nome e sobrenome. Ele retomou o apelido só quando deixou o Palmeiras para jogar no Goiás.

    Imagem: Fabio Braga/Folhapress
Reprodução Reprodução

Santo André dá fim aos apelidos. Ou não...

Tradicional clube do ABC Paulista, campeão da Copa do Brasil em 2004, o Santo André não é grande fã de apelidos em sua equipe profissional, que na última semana foi eliminada da Copa Paulista. Se o jogador vem da base ou é contratado de outro clube, a orientação é para que assuma nome próprio, de preferência com sobrenome colado. O argumento da diretoria de marketing é a identificação e o projeto de carreira, mas o que é tratado como sugestão virou cartilha.

O "Bahia" virou Gilberto Jesus. "Vitor Tanque" agora é Vitor Carvalho. E o "Cabelo" adotou o nome Vinícius Silveira. 

Mas há resistência. E ela atende pelo nome de PV. Pedro Vitor Gualberto de Assis Barreto, zagueiro de 21 anos, é um dos líderes do elenco andreense. E recusou a sugestão de ser tratado como Pedro Gualberto feita pelo clube. Por mais que seja a sigla de seu próprio nome, ele preferiu o apelido.

Eles perguntaram qual nome eu queria usar e decidi manter o PV. É como meu pai me chamou desde pequeno. Tenho muita admiração por ele, então deixei PV. Se fosse exigência do clube, eu não teria problema em mudar, mas como foi uma pergunta, eu preferi assim. PV é a sigla do meu nome, então devem ter deixado por isso. Eu acho que PV é legal. Diferente, né?

PV

PV, zagueiro do Santo André

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