O que eu posso fazer para mudar o mundo? Melhore a si mesmo.
Ao contrário do que muita gente pensa, não acho que faltem pessoas querendo fazer o bem; o que falta são pessoas capacitadas a fazê-lo.
Entenda: todo mundo quer proteger o meio ambiente, mas ninguém quer abrir mão de conforto, praticidade ou prazer dos bens materiais. Todo mundo quer a paz entre os povos, mas ninguém quer abrir mão do prazer da vaidade em estar certo e ter razão. Todo mundo quer que as pessoas sejam melhores, mas ninguém quer se comportar corretamente.
A chave de tudo isso não é boa intenção. Dentro da visão do Buddha, só ser bem-intencionado não é suficiente, é preciso desenvolver a capacidade de trazer essa boa intenção à vida.
De acordo com a visão budista, uma boa pessoa não é aquela que tem boa intenção, mas aquela que, além disso, possui todas as qualidades que tornam essa boa intenção realidade.
E quais seriam essas? Na verdade, são inúmeras, isto porque existem infinitas formas de ser uma boa pessoa, mas algumas muito comuns e básicas são:
- Bem-querer: essa qualidade todo mundo conhece, não precisa explicar muito. Bem-querer não é só bem-querer pelas pessoas, mas também por todo o mundo a seu redor, inclusive os objetos inanimados. Não desejar a destruição, não desejar a dor, não achar divertido ou engraçado o sofrimento alheio. Estar disposto a ver as coisas sob o ângulo de quem lhe ofende. Não desejar o mal de ninguém, desejar que todos alcancem bem-estar e tornem-se pessoas felizes e possuidoras de boas qualidades do coração.
- Sabedoria: entender claramente o que de fato ajuda as pessoas e o que não ajuda. Saber quando atuar e saber quando não fazer nada (sim, existem momentos em que a melhor forma de ajudar é não fazer nada). Essa qualidade possui três fontes: experiência, aprendizado e convívio. Portanto, não tenha medo de experiências, pois elas são fontes importantes de sabedoria. Não negligencie as palavras de pessoas sábias e aprenda a instruir a si mesmo através de um pensamento hábil. Busque a companhia de pessoas sábias e boas e, ao mesmo tempo, evite ao máximo possível a companhia de pessoas ruins e baixas --não ouça a conversa delas, não participe do mundo mental delas, não adote os valores delas!
- Disposição: se já é capaz de sentir amizade pelo mundo e já sabe como ajudar, agora vença a preguiça e mãos à obra! Aprenda a administrar seus pensamentos, não tome partido das linhas de raciocínio que justificam a lassidão, não ache que é “esperto” evitar trabalho e seja hábil na arte da renúncia.
- Renúncia: um dos maiores obstáculos à disposição é a incapacidade de renunciar. As pessoas até querem ajudar, mas não querem abrir mão desse ou daquele prazer, não querem sentir desconforto, não querem assumir compromissos etc. A verdade é que renúncia é uma capacidade vital para qualquer pessoa que queira mudar ou fazer algo novo, principalmente hoje em dia em que a vida de todos está tão repleta de confortos e distrações. Afinal, ninguém mais tem tempo livre, cada minuto é ocupado ouvindo música, assistindo ao YouTube, mandando mensagens etc.
Olhando acima, acho que fica claro a mensagem de que mudar o mundo só pode ocorrer se mudarmos a nós mesmos. Isso porque, para fazer o bem, é preciso primeiro ser uma boa pessoa
Se olharmos um pouco para o passado, logo veremos quantos exemplos temos de pessoas que achavam que estavam fazendo o bem, mas, na verdade, fizeram o mal. Várias pessoas foram torturadas e queimadas em fogueiras porque outros queriam preservar a palavra de Deus; muitos milhares sufocaram em câmaras de gás porque um grupo de pessoas queria o bem da nação; milhões morreram de fome para que um novo sistema político fosse estabelecido para o bem da sociedade.
Tudo isso foi feito sob a bandeira do bem, mas por pessoas ruins. Portanto, o primeiro passo é melhorarmos a nós mesmos e, se por acaso acharmos que nós já somos bons o suficiente, então este mesmo pensamento quase certamente indica quão grande é nossa cegueira espiritual e quanto trabalho ainda temos pela frente.
* Ajahn Mudito, 40, é monge budista há 13 anos e atualmente é diretor espiritual da Sociedade Budista do Brasil.