Faz-me rir

No seleto clube das humoristas, Júlia Rabello tira sarro da fama e diz por que piada com loira não tem graça

Natacha Cortêz Do UOL, no Rio
André Rodrigues/UOL

O caso de amor entre Júlia Rabello e a comédia demorou para engatar. "O humor exige uma inteligência instintiva e eu não me achava capaz", conta a atriz, que atuava no teatro, em textos dramáticos, desde os 9 anos. Até que em 2012 vieram dois convites: um para integrar a trupe da internet Porta dos Fundos e o outro, para a peça "Atreva-se", de Jô Soares. Ambos exigiam uma humorista em cena - e Júlia provou com êxito que era capaz de fazer rir. 

Cinco anos se passaram e hoje, aos 36, ela é uma estrela do humor. Fez duas novelas da Globo, "A Regra do Jogo" (2015) e "Rock Story" (2016). Também se tornou apresentadora dos programas "De Perto Ninguém é Normal" e "Fale Conosco", no GNT. Em todas essas performances, o tino para a comédia foi essencial - algo que ela considera uma conquista. 

Ao UOL, Júlia falou sobre fama, politicamente correto no humor, recomeço na vida amorosa – ela acaba de terminar um casamento de 12 anos –, e assumiu que tenta desconstruir, dia a dia, o machismo dentro de si.

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Porta dos Fundos: a sobremesa indigesta que lançou Júlia à fama

A passagem de Júlia pelo Porta dos Fundos foi marcante. Entre 2012 e 2015, protagonizou esquetes - que invariavelmente passavam de 1 milhão de visualizações semanais - ao lado de nomes como Fábio Porchat, João Vicente de Castro, Letícia Lima e Marcos Veras. Atores que, como ela, se destacaram e foram fazer humor na TV aberta. 

"Sobre a Mesa" foi o vídeo que a alçou para a fama - já são mais de 22 milhões de views. Nele, um marido mandão (vivido por Antonio Tabet) reclama da sobremesa servida pela esposa (Júlia) e ouve dela um desabafo sobre a temperatura morna da vida sexual do casal. 

"O que eu quero, Mário Alberto? Eu quero foder. Repare que não falei fazer amor, transar, fazer nheco-nheco. Falei foder". Júlia dá esse texto em uma interpretação deliciosamente minimalista.

Improviso foi uma das coisas que exercitei no Porta dos Fundos. Era humor o tempo inteiro quando a gente estava junto"

"O Porta surgiu nas jogatinas lá em casa, na casa do Greg [Gregório Duvivier], do Fábio [Porchat], quando a gente saía juntos para se divertir", recorda.

Júlia deixou o grupo depois de fechar um contrato para fazer novelas na Globo. Mas não nega, deve ao Porta muito da forma como faz humor. "Aquela linguagem desconstruída e contemporânea... Ali fui me descobrindo."

"Já ouvi homens falando que mulher não pode ser engraçada"

"Piada tem que gerar pensamento, fazer cócega no cérebro"

Há quem diga que o politicamente correto quer regular as piadas, faxinar o humor. Muitos comediantes já se posicionaram sobre o tema, que é pauta inegável em tempos onde inclusão e representatividade caem muito bem, obrigada. Para Júlia, o termômetro ainda é sensível.

"Não chegamos a um entendimento claro do que pode e o que não pode. Tento usar o bom senso", afirma, citando Woody Allen como inspiração. Ela, no entanto, não esquece de uma piada nada correta que sofria quando mais jovem.

Piada com loira burra era obrigatória nos anos 80, fui vítima no colégio. Agora a gente diz que é bullying, né?"

Hoje, ela não acha a menor graça. "Sério? Rir de uma mulher porque ela tem cabelo loiro e associar com sua inteligência?", questiona. "O politicamente correto tem seu papel nesses casos. Uma galera se sente mal por causa desse humor que exclui e ri machucando."

"Não me acho uma celebridade, nem é uma vida que eu queira"

Fama

"Não entendo o que quer dizer esse conceito de celebridade. Meu trabalho é público e para por aí. Nunca mudei nada na minha rotina por causa da fama e continuo fazendo minhas comprinhas no mercado. Fui ao Rock in Rio e assisti aos shows do gramado. Respeito quem queira criar em torno de si essa atmosfera de celebridade, mas não é assim comigo."

Anonimato

"Ser atriz não é fácil. Para mim, nunca foi. Tive minha fase de vacas magras e cheguei a desistir de tudo. Faltava dinheiro para pagar as contas e eu não podia depender de ninguém. Tinha uns 29 anos e fui estudar para um concurso público. Mas foi uma decisão que não durou duas semanas. Eu seria atriz, nem que fosse para ser uma atriz insignificante."

Meu corpo rejeita droga, não gosto de nada que me tire a lucidez. Em uma festa, vou na vibe das pessoas sem beber uma gota de álcool. A única coisa que tomei na vida foi ayahuasca. Meu pai é da União do Vegetal, que consome o chá em ritos religiosos. Então já bebi algumas vezes, mas nem chamo de droga.

Júlia Rabello

Greg Salibian/Folhapress Greg Salibian/Folhapress

No amor e no humor: relação com Marcos Veras é "amigável"

Faz pouco mais de dez meses que Júlia terminou o casamento de 12 anos com o também ator Marcos Veras, seu parceiro de humor nos tempos de Porta dos Fundos. Recomeçar a vida amorosa depois de uma história tão longa não assusta a atriz. "Tenho muito claro o registro de como é estar sozinha. Hoje julgam menos uma mulher na minha idade estar solteira."

Mesmo confortável com o agora, ela não desvaloriza as delícias de se viver junto. "O maravilhoso no casamento é ter alguém para dividir a caminhada. Mas a experiência me mostrou que o casamento tem desconfortos", explica. 

"Eu diria que é o conflito da individualidade com a simbiose, com a vivência muito próxima. Se você consegue uma harmonia entre esses dois elementos, é a melhor coisa que pode acontecer. Quando não rola, é melhor ficar sozinho."

Sobre a relação atual com o ex, que está namorando a atriz Rosanne Mulholland, Júlia afirma que os dois têm um contato amigável. Mas não se alonga no assunto. "Paramos aqui."

"Se homem engravidasse, o aborto já estaria legalizado"

André Rodrigues/UOL André Rodrigues/UOL

"Tenho orgulho de ter sido criada por uma mãe solo"

Nascida em Niterói, Júlia é filha de jornalistas. Ainda criança, com o divórcio dos pais, foi morar com a mãe e o irmão mais novo no Rio, enquanto o pai vivia em Brasília. "Tive um exemplo de mãe solo", orgulha-se. 

Minha mãe foi guerreira, dava conta de dois filhos, trabalhava e ainda fazia faculdade. É minha referência de mulher"

A família tinha uma formação católica, mas era aberta para diversas filosofias. "Gosto muito de ler todos os tipos de pensamentos. Desde a não-existência de um só Deus até a de muitos", diz. Mas na hora do aperto, a coisa muda de figura. "Se o avião estiver caindo, vou rezar! Direto pro Deus católico que conheci. Até pra Nossa Senhora eu apelo."

Da infância, Júlia tem um sonho recorrente. "É como se eu tivesse voltado para o colégio, mas estou com a idade de agora. E daí penso: 'Meu Deus do céu, que saco!' Como é que eu vou trabalhar agora se eu ainda tenho que ir pro colégio. E isso me dá uma puta angústia..." 

Não dá para fazer piada: a violência no Rio e a corrupção

No passado, atriz era confundida com prostituta. Nesse mundo machista, ser mulher e ter espaço no humor é uma vitória. Somos poucas, mas somos grandes.

Júlia Rabello

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