Tite e os técnicos gaúchos

Escola de treinadores formados no Sul domina o Brasileirão. Todos estão ligados ao comandante da seleção

Dassler Marques Do UOL, em São Paulo
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O Campeonato Brasileiro deste ano já teve dez treinadores formados na Escola Gaúcha. Nem todos efetivamente nascidos no Rio Grande do Sul, casos de Odair Hellmann e Guto Ferreira, mas, na prática, oriundos da mentalidade, dos processos e da cultura de trabalho que passa de geração em geração em Porto Alegre e no interior.

À frente da seleção brasileira, Tite é o elo, direto ou indireto, entre praticamente todos esses treinadores que chegaram à Série A. Dos mais próximos, como os antagônicos Roger Machado e Luiz Felipe Scolari, aos mais distantes, como o surpreendente Tiago Nunes, do Atlético-PR, ou o decepcionante Osmar Loss, que falhou em momento conturbado do Corinthians.

Na sequência, o UOL Esporte mostra como o hábito de treinar passa de geração em geração entre os gaúchos e, por diferentes motivos, mas principalmente títulos, seduzem dirigentes pelo Brasil. Que o digam Felipão e Odair, candidatos à conquista da Série A nesse momento, Mano Menezes, campeão da Copa do Brasil, e Renato Gaúcho, atual campeão da América.

Sérgio Castro/Folhapress Sérgio Castro/Folhapress

Entre o jogo de passes de Ênio e o pragmatismo de Froner

Historicamente, como costuma citar Tite, a história dos treinadores gaúchos se divide em dois estilos.

De um lado, Ênio Andrade, ou Seu Ênio (foto), consagrado por títulos brasileiros por Internacional, Grêmio e Coritiba. Maior inspiração do comandante da seleção, defendia o jogo de passes e o bom trato aos jogadores.

Do outro lado, Carlos Froner viveu de maneira mais intensa um período de maior regionalização do futebol brasileiro. Seu maior feito foi um tricampeonato gaúcho com o Grêmio na década de 60, mas romper fronteiras foi sua principal marca. O estilo duro de liderar e a maneira direta e pragmática de montar equipes permitiu que o capitão do Exército dirigisse o Flamengo e a seleção brasileira, além de vencer o Campeonato Baiano em seis temporadas.

Arte UOL
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  • Tite-Roger Machado

    Um dos destaques do Grêmio de Tite, o ex-lateral descreve o treinador como seu maior incentivador. Dele, recebeu um disquete de táticas sobre o futebol e começou a partir dali a investir na carreira que adotaria.

    Imagem: Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação
  • Roger Machado - Tiago Nunes

    Ambos trabalharam juntos no Grêmio. Foi a primeira passagem de Tiago por clubes grandes na carreira e um de seus últimos estágios antes de virar técnico de time adulto. Costuma afirmar que aprendeu muito com Roger e também com André Jardine, hoje auxiliar do São Paulo.

    Imagem: Gabriel Machado/AGIF
  • Tite-Mano Menezes

    Tratados por muitos como parecidos e por outros como distintos, criaram de certa forma juntos o DNA de jogo e de trabalho do Corinthians vencedor dos últimos 11 anos. As passagens pelo clube ajudaram a levar ambos à seleção brasileira.

    Imagem: Vinnicius Silva/Cruzeiro
  • Tite-Ênio Andrade

    Adepto do futebol de toque de bola, Ênio foi reconhecidamente citado por Tite como sua maior influência no que diz respeito aos princípios básicos de jogo.

    Imagem: Vidal Cavalcante/Folhapress
  • Ênio Andrade-Carpegiani

    Comandado por Ênio no Internacional, Carpegiani iniciou a carreira como treinador logo depois no Flamengo e, na maior parte dos trabalhos feitos a partir daquele que o consagrou campeão mundial, não abriu mão do futebol bem jogado e do passe como fundamento básico para controlar os rivais.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
  • Tite-Felipão

    Mestre e pupilo no passado do interior gaúcho, se tornariam desafetos décadas depois. Mas foi Scolari quem o apelidou de Tite, meio sem querer, e ajudou a abrir as primeiras portas no começo da carreira. O aprendiz, porém, sempre deixou claro que o estilo de jogo priorizado por eles é distinto. Tite é da Escola Ênio. Felipão é Froner.

    Imagem: Daniel Vorley/AGIF
  • Felipão-Froner

    Pupilo do "Capitão" quando jogava no Caxias, o ex-zagueiro Luiz Felipe levou não apenas valores técnicos e princípios adiante, mas também o estilo rígido e ao mesmo tempo paizão para gerir elencos. A sinergia era tão grande que fez Felipão chorar no enterro do mestre.

    Imagem: Reprodução
  • Tite-Loss

    Contemporâneos de Corinthians, os dois estiveram juntos entre profissional e base. O sucesso dos gaúchos Mano e Tite no clube fez o então presidente Gobbi ir ao Rio Grande do Sul em busca de Osmar, que fazia bons trabalhos no Inter. Em comum, a maneira exigente de liderar e títulos conquistados à base de grande desempenho defensivo.

    Imagem: Daniel Vorley/AGIF
  • Loss-Lisca

    O elo entre o treinador do Ceará e o ex-comandante corintiano é a base do Internacional. Lisca e Loss passaram por escolinhas do clube em períodos distintos e se encontraram para dividir o trabalho de jogadores importantes entre Sub-20 e Sub-23. Viraram amigos a partir dali.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
  • Tite-Guto

    Guiado pelo hoje técnico da seleção brasileira, Guto Ferreira passou por diferentes funções na comissão técnica do Internacional até se tornar auxiliar do profissional. Era uma das figuras por trás de um dos times que Tite carrega no peito - o colorado campeão da Sul-Americana 2008.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
  • Guto-Odair

    De volta ao Beira-Rio para comandar a Série B, Guto trabalhou ao lado de um auxiliar que chegaria aos profissionais como ele. Foi à sombra do efetivo que Odair convenceu os dirigentes colorados que estava pronto, após anos e anos de comissão, para comandar o time em temporada de retorno para a elite.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
Divulgação/Internacional Divulgação/Internacional

Coordenador da base do Inter revelou Mano, Lisca e Odair

Em comum entre cinco dos dez profissionais que estiveram em bancos de reservas da Série A está a passagem pelas divisões de base do Internacional nos últimos 20 anos. Mano Menezes, Lisca, Guto Ferreira, Osmar Loss e Odair Hellmann percorreram esse caminho a partir das camadas mais baixas da formação.

Um dos responsáveis por pavimentar esse caminho foi Élio Carravetta, coordenador técnico da base do Internacional e hoje coordenador de performance. Ele estagiou com Cruyff no Barcelona, tem seis livros publicados sobre futebol e está no Beira-Rio há mais de 20 anos.

"Ênio foi uma referência em termos metodológicos da formação de treinadores. O Inter, nesse período todo, vem trabalhando dentro de processo de formação em uma socialização do conhecimento da cultura do futebol. São temas que são discutidos há muito tempo, desde o início em que cheguei com o professor Medina. Sempre teve um processo interativo em determinados conceitos. O futebol vem de vários avanços metodológicos. Não existem métodos específicos, cada treinador tem seus métodos. Não há um padrão", disse Carravetta, referindo-se a João Paulo Medina, ex-funcionário do Internacional e fundador da Universidade do Futebol. 

Os treinadores que passaram por aqui têm a humildade em aprender. É um ponto fundamental. Tite já falou isso e é algo que discutimos muito: a relação horizontal do treinador com todos os demais, jogador e comissão, com o respeito é hierárquico

Élio Carravetta, coordenador de performance do Inter

Odair tem essa vocação, a humildade e está disposto a aprender com os erros, tem coragem de decidir e de fundamentar, assim possibilidade de crescer é grande. Fez muitos cursos e tem uma capacidade de convencimento muito grande

Élio Carravetta, coordenador de performance do Inter

Reprodução/ESPN Reprodução/ESPN

Fundador da Universidade do Futebol: cultura é trunfo gaúcho

Nascido no interior de São Paulo, João Paulo Medina formou-se em Educação Física em 1970 e fez carreira no futebol, chegando a ser assistente técnico da seleção brasileira em 1991 ao lado do então treinador Paulo Roberto Falcão. Foi responsável pela implantação de projeto de sucesso no Internacional, revelando, além de treinadores, jogadores como Alexandre Pato e Nilmar. Mais tarde, foi um dos fundadores da Universidade do Futebol.

Por ter trabalhado no Rio Grande do Sul, Medina reconhece a existência de uma escola local e confirma que os esteriótipos de estilo forte e aguerrido têm fundamentação história. Acredita, ainda, que a capacidade de aprendizado dos gaúchos tem a ver com o estímulo cultural local.

"Minha percepção é a de que primeiro eles têm uma cultura média superior a muitos outros estados. Têm muitas feiras de livros, debatem política e debatem futebol. É impressionante como têm programas esportivos. Têm uma reflexão permanente sobre futebol. Muitos se formam em educação física. E também pela identidade do gaúcho. Lá tem muita gente com perfil de liderança, com espírito aguerrido, autossuficiente. É um ambiente favorável ao surgimento de profissionais de futebol. Treinadores são os que mais aparecem, mas eles estão em outras funções também", contou, ao UOL Esporte.

Esse fenômeno eu já tinha percebido e tentado entender. Há muito tempo se destacam. Eu mesmo trabalhei com o Sylvio Pirillo no Corinthians em 1974, 1975. Jogou no Flamengo, mas era gaúcho. Teve o Osvaldo Brandão, o Ênio Andrade. Tinham duas escolas, uma do Ênio e uma do Carlos Froner. Desde aquela época, os técnicos gaúchos se inserem de forma consistente

João Paulo Medina, fundador da Universidade do Futebol

Sempre foi essa característica aguerrida, mas isso tem mudado. O Roger já deu outra cara, e quem escancarou isso foi o Renato Gaúcho. Ele promoveu uma revolução no Grêmio. O Grêmio hoje não tem nada da sua história. Sempre foi um time de combate, de sistema defensivo forte e de contra-ataque. Não perderam o espírito guerreiro, mas agora jogam um futebol com mais alegria

João Paulo Medina, fundador da Universidade do Futebol

Daniel Vorley/AGIF Daniel Vorley/AGIF

Renato tem Gaúcho até no sobrenome, mas estilo é carioca

Renato Portaluppi é natural da Serra Gaúcha, mas seu método de trabalho passa longe dos padrões da escola estadual de treinadores. Com uma veia bem mais carioca, o ex-atacante é adepto de equipes ofensivas e valoriza jogadores habilidosos. O estilo tem ligação com a própria personalidade do indivíduo e possui ligações fortes com o Rio de Janeiro.

O Grêmio atual, que começou nas mãos de Felipão e Roger Machado - dois conterrâneos de Renato Gaúcho -, é a cara de seu treinador. Recheado de jogadores com técnica, preza pela competitividade, mas não abre mão de boas doses de malandragem. Para os padrões do próprio clube, não deixa de ser uma quebra de paradigma. Menos vigor físico e mais posse de bola. Bola aérea como último recurso e aposta total em jogo de domínio territorial e pela posse.

Renato nunca falou abertamente sobre sua filosofia e influências, mas o histórico fala por si. Ainda quando era jogador, em 1996, ele assumiu interinamente o Fluminense. Em 2000, estreou como treinador efetivo à frente do Madureira, e depois passou por Flu e Vasco antes de chegar ao Grêmio em 2010. No currículo, também tem passagens por Bahia e Atlético-PR. De todas as passagens, a segunda vez no clube gaúcho foi a única em que o time jogava mais perto do estereótipo de uma equipe gaúcha: volantes como ponto de partida, aposta em fases específicas (bola parada) e uso irrestrito de velocidade pelos flancos para contra-atacar.

Lemyr Martins/Palmeiras Lemyr Martins/Palmeiras

Oswaldo Brandão abriu caminho para Felipão, Mano e Tite em SP

A despeito de Froner, o primeiro gaúcho a realmente brilhar fora do estado foi o marcante Osvaldo Brandão. Nascido em Taquara e jogador do Internacional, ele se aposentaria pelo Palmeiras em 1945 para imediatamente dar início à história de grande brilho como treinador.

Brandão se ocupou do banco de reservas por quase quatro décadas, mas, curiosamente, nunca dirigiu uma equipe do Rio Grande do Sul. Venceu oito edições do Paulista, três do Brasileiro, três do Rio-São Paulo e abriu, em definitivo, as portas do futebol de São Paulo para outros gaúchos que viriam a seguir.

O domínio gaúcho na seleção brasileira

As promessas...

  • André Jardine

    Foi bem na dupla Gre-Nal e virou coqueluche no sub-20 do São Paulo. É possível que assuma o cargo hoje ocupado por Diego Aguirre a médio ou longo prazo.

    Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
  • Thiago Gomes

    Ex-auxiliar de Loss, passou recentemente por Sport, Fluminense e estava nos profissionais do Pelotas quando foi chamado para o Grêmio Sub-23.

    Imagem: Divulgação/Grêmio
  • Ricardo Cobalchini

    À frente do time B do Internacional, passou com destaque por juvenil e juniores depois de experiências por Grêmio e Juventude. Foi campeão brasileiro sub-23.

    Imagem: Mirela Putrich/Divulgação
  • Osmar Loss

    Ainda sem conseguir se confirmar em três trabalhos em times profissionais, está estudando no exterior e pensa em assumir alguma equipe adulta em 2019. Também é cotado para o Corinthians Sub-23.

    Imagem: Daniel Vorley/AGIF

... e as decepções

  • Julinho Camargo

    Teve passagens marcantes pelo RS Futebol, clube de Carpegiani, e foi campeão nacional com o Grêmio Sub-20. Nas oportunidades à frente de times adultos, não emplacou, como no Grêmio-2011 e no Goiás-2015. Chegou a atuar como auxiliar de Falcão.

    Imagem: Divulgação
  • Paulo Roberto Falcão

    Aposta da seleção brasileira em 1990, retomou a carreira de treinador em 2011 e só acumulou decepções a despeito de um período curto positivo no Sport. Participou da campanha que rebaixou o Inter em 2016.

    Imagem: AP/Natacha Pisarenko
  • Ivo Wortmann

    A despeito de treinar grandes clubes como Cruzeiro, Internacional, Botafogo e Fluminense, não conseguiu um título sequer. No fim da carreira, desceu um degrau e foi assistente de Felipão, no Grêmio e na China, onde acumulou títulos.

    Imagem: Gustavo Roth/Folha de S. Paulo
Divulgação/Novo Hamburgo Divulgação/Novo Hamburgo

Campeão pelo Novo Hamburgo em 2017 morreu precocemente

Beto foi o último campeão do interior gaúcho. Em 2017, levou o Novo Hamburgo a um surpreendente título estadual e chegou a ser cotado em clubes maiores. Logo depois, passou por Náutico e Criciúma, nas únicas chances que recebeu fora do estado. Morreu de maneira repentina, aos 54 anos, de infarto em julho deste ano.

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