
A ousada frase acima foi uma bravata que saiu da boca de Guy Crescent, antigo presidente do Paris Saint-Germain, então um clube recém fundado no futebol francês. Em 5 de julho de 1971, o dirigente embarcou para o Brasil anunciando para a imprensa do país que iria tentar contratar Pelé, o melhor jogador do mundo.
Lançado no final de 2017, o documentário "PSG: ce club qui a failli ne pas exister" ("PSG: esse clube que quase não existiu") descreve com detalhes este episódio pouco conhecido da biografia esportiva de Pelé. O filme se debruça sobre os primeiros anos de existência do clube. Muito antes dos tempos de dinheiro farto e super craques, o time francês nasceu em meio a amadorismo e trapalhadas.
Só que Paris é Paris – uma metrópole populosa, influente, rica em história e dentro de um país que ama futebol. Mesmo com o PSG engatinhando, a tentativa de ter Pelé em 1971 fazia sentido para um projeto de ambição que incluía a modernização do estádio Parque dos Príncipes. O presidente do PSG voltou do Brasil sorridente, declarando que o acordo estava costurado. No entanto, a jogada acabou não dando certo, como veremos a seguir, em trecho do documentário cedido pelos diretores Jean-Noël Touron e Sébastien Parraud.
Revirando os arquivos do jornal L'Equipé, encontramos o que se falou na época a respeito do assédio do PSG a Pelé. O clube levou ao Brasil um pacote financeiro complexo. Os franceses propuseram que o ídolo jogasse 60 partidas pelo time, sendo 40 em casa, no novo estádio Parque dos Príncipes, diante de 33 mil espectadores. O jogador e o Santos embolsariam 40% das receitas por jogo como mandante, em um período de três anos.
Em 22 de junho de 1971, o L'Equipé noticiou que a contratação de Pelé pelo PSG era "iminente". O presidente do clube voltou do Brasil no começo de julho com o aceno favorável do jogador e do Santos, então em dificuldades financeiras. A ideia era contar com o reforço para a temporada 1972-73, já com o novo Parque dos Príncipes inaugurado. Mas dias depois da conversa o tricampeão mundial mudou de ideia e decidiu ficar na Vila Belmiro – segundo o jornal francês, por razões familiares.
Pelé teve a chance de dar sua explicação aos franceses ainda em 1971. Em visita a Paris em dezembro daquele ano para compromissos promocionais, o Rei falou sobre a recusa, procurando ser gentil com os anfitriões.
Eu fui convidado para vir para Paris, para jogar aqui. Infelizmente eu tinha compromisso com o Santos, meu contrato não tinha terminado. E eu pretendo terminar minha carreira no Santos Futebol Clube, eu sempre joguei lá. Por isso foi difícil eu vir
![]()
Pelé só embarcou na aventura do New York Cosmos em 1975, um ano depois de deixar o Santos. No entanto, o documentário francês especula que o namoro com a Warner (empresa de comunicação que era dona do time americano) já havia começado em 1971, em fato que teria atrapalhado a tentativa do PSG em contar com o Rei.
O UOL entrou em contato com os representantes de Pelé para falar sobre o caso e confirmou que as conversas evoluíram, mas não foram fechadas porque "como sempre, Pelé acabou preferindo ficar no Santos". O PSG alegou que não tinha em seus arquivos material sobre o caso.
Sendo assim, os frequentadores do Parque dos Príncipes tiveram que esperar até 1976 para ver Pelé em carne e osso. Em 14 de setembro daquele ano, o ídolo brasileiro esteve em campo pelo Cosmos num jogo amistoso diante do PSG, com vitória dos franceses por 3 a 1.
O Rei não marcou na partida, mas curiosamente um dos gols do Paris Saint-Germain saiu dos pés de um quase homônimo: François M'Pelé, atacante nascido na República do Congo.
Mesmo com a tentativa por Pelé frustrada, o Paris Saint-Germain não desistiu da ideia de ter um brasileiro no elenco em seus primeiros anos. Então, essa espécie de "grife tricampeã mundial" veio com Joel Camargo, outro nome vencedor com a seleção na Copa do México, em 1970.
O zagueiro de estilo elegante passou a maior parte da carreira no Santos, mas no fim de 1971 estava sem clube, se recuperando de um acidente de carro. Camargo não dificultou a negociação ao ser abordado por dirigentes do PSG. Então partiu para o desafio no time, que acabara de subir para a primeira divisão do Campeonato Francês.
Acostumado a jogar ao lado de Pelé e de outras feras do Santos, o zagueiro encontrou no PSG um elenco de nível sofrível, que mesclava amadores e profissionais. O brasileiro chegou com sete meses de contrato, mas de cara sentiu que a experiência seria curta. Na estreia contra o Bordeaux, esbravejou com os companheiros que não seguiam seu ritmo e criou um clima ruim. Depois disso, Joel vestiria a camisa do time só mais uma vez.
Pelé poderia ter sido o primeiro brasileiro no PSG, em honra histórica que acabou com Joel Camargo. Assim começou a relação íntima entre o clube e os jogadores do Brasil. Foram mais de três dezenas de representantes da nação pentacampeã mundial vestindo o azul, branco e vermelho de Paris. Com Neymar em 2017, este número chegou a 31 atletas.
Ainda nos anos 70 o PSG contou com os serviços do zagueiro Abel Braga. Depois, entre os nomes de maior êxito no time, destaque para a geração de Ricardo Gomes, Valdo, Raí e Leonardo. Já neste século o time de Paris sonhou em ser grande na Europa ao abrigar o futebol do então jovem Ronaldinho.
Neste time de brasileiros também tem espaço para figuras mais alternativas, como o volante Vampeta e o atacante Aloísio Chulapa. Hoje, além de Neymar, o time da "cidade luz" conta com Thiago Silva, Daniel Alves e Marquinhos.