Efeito Felipão

Treinador acalmou o Palmeiras para virar a final na Libertadores de 1999. Nem foguetório corintiano abalou

Daniel Lisboa Do UOL, em São Paulo
Jorge Araújo/Folhapress

A Copa Libertadores ajudou a moldar o futebol brasileiro nas últimas décadas. Concentrou vários significados ao longo de suas quase 60 edições. Tornou-se sinônimo de catimba, rivalidade, provocação, jogo duro. Também representa o reinado em seu continente e o passaporte para conquistar o mundo. Virou uma obsessão cantada e incorporada pelas nossas torcidas.

Para mostrar um pedaço do DNA desse torneio, personagens que participaram de cinco títulos históricos brasileiros recontam suas experiências nas partidas decisivas. Jogadores de Atlético-MG, Corinthians, Flamengo, Palmeiras e São Paulo relatam como viveram suas finais sul-americanas.

A última de cinco reportagens dessa série especial é sobre a "primeira versão" do Palmeiras de Felipão, que tem um lugar cativo no coração alviverde graças ao título da Libertadores de 1999. Heróis da inédita conquista relembram como o trabalho do treinador gaúcho culminou na festa daquele 16 de junho. 

Depois de uma campanha sofrida que ganhou corpo quando despachou o arquirrival Corinthians nas quartas de final, o Palmeiras cresceu e soube virar os confrontos seguintes. Na decisão diante do Deportivo Cali, a derrota por 1 a 0 na Colômbia foi revertida com um 2 a 1 em São Paulo. A confiança estava no auge. Com Felipão, segundo os jogadores, aquele time sabia bem a luta que o aguardava.

Antônio Gaudério/Folhapress Antônio Gaudério/Folhapress

Tropeço em Cali

"Sabíamos que não seria fácil [reverter o resultado], mas havíamos feito uma partida pelo menos regular lá [na Colômbia]. Acabamos tomando um gol, mas não lembro de o adversário ter sido muito superior, pressionado a gente, criado várias oportunidades. Tínhamos a convicção de que poderíamos ser campeões tranquilamente"
Evair, analisando a atuação no jogo de ida

"Lógico que ficamos um pouco tristes por perdermos o jogo, mas não cabisbaixos. Tínhamos uma equipe muito qualificada e sabíamos da capacidade de cada jogador. Voltamos ao Brasil focados: o título era nosso"
Oséas, resumindo o ânimo na volta a São Paulo

Matuiti Mayezo/Folhapress Matuiti Mayezo/Folhapress

Foguetório corintiano, fila e assédio

"O que também ficou marcado para mim foram a fila em volta do Palestra Itália para comprar ingresso e a torcida do Corinthians fazendo foguetório de madrugada. Estávamos concentrados no hotel e os corintianos foram soltar foguete às 3h da manhã para atrapalhar a gente"
Evair, sobre os torcedores rivais e a ansiedade dos palmeirenses

"A semana pré-jogo foi muito puxada. A torcida estava muito empolgada. Tinha muita gente da imprensa nos nossos treinamentos, e isso dificultou nosso trabalho porque queríamos ficar sozinhos. Teve um aspecto positivo, pelo lado da torcida, mas também negativo, porque era muito euforia"
Paulo Nunes, sobre o ambiente de empolgação

Arquivo/Folhapress Arquivo/Folhapress

As lições de Felipão

"Também havíamos perdido para o River Plate por 1 a 0 no primeiro jogo e revertemos depois [3 a 0], então o Felipão passou essa confiança pra gente. O Deportivo Cali tinha seus méritos, estava na final, mas não tinha um jogador que se destacasse tanto, que chamasse a atenção"
Rogério, lembrando a virada da semifinal

"Uma coisa que o Felipão sempre pedia era pra gente não entrar em desespero em momento algum do jogo. Mesmo se tomássemos um gol, ou demorássemos para fazer, não deveríamos mudar o jeito de jogar. Aquela conquista estava guardada pra gente e tínhamos que confiar até o fim"
Galeano, sobre o trabalho psicológico do treinador

Do banco para fazer 1 a 0

Eu já conhecia o Dudamel [goleiro do Cali]. Ele tentava adivinhar o canto. Pode ver que a bola [na batida do pênalti] não foi muito angulada, entrou até com uma certa facilidade. O que me surpreendeu mesmo foi o Zinho e o Alex darem de repente a bola na minha mão. Eu não era o batedor oficial, eles eram. Isso me marcou. Mas não tive dificuldades, já estava acostumado com situações como aquela

Evair

Evair, que entrou no segundo tempo e logo depois abriu o placar em cobrança de pênalti

Os colombianos empataram

Não esperávamos tomar um gol no decorrer da partida, mas em momento nenhum desistimos, nos abalamos. Sabíamos que a qualquer momento poderíamos reverter a situação

Euller

Euller, dizendo que o time ficou calmo mesmo no 1 a 1

Não fiquei tão preocupado com o gol deles. Só precisaríamos de mais um gol e já tínhamos um histórico de reverter jogos em casa. O Felipão dizia que o gol sairia naturalmente, como acabou saindo

Rogério

Rogério, destacando a tranquilidade transmitida do banco de reservas

Alex Ribeiro/Folhapress

Cantaram, vibraram e apoiaram

"Fui o primeiro a falar com o Júnior Baiano [que cometeu o pênalti que levou ao gol do Cali] porque éramos muito amigos. Ele tinha jogado muito naquela Libertadores. Precisávamos de mais um, dois gols, e tivemos grandes possibilidades para isso. O goleiro deles estava muito bem, perdemos algumas chances, mas o torcedor apoiou até o fim. Não tinha como ser diferente"
Paulo Nunes, sobre a força da torcida após o 1 a 1

"Sabíamos da qualidade dos nossos meias e laterais. Meu gol [que deu a vitória por 2 a 1 no tempo normal] foi uma jogada trabalhada pelo Zinho e pelo Júnior. Eu nunca fui um cara habilidoso, mas sabia fazer gol e sabia que o time tinha caras para me deixar em uma posição privilegiada para marcar. Foi o que aconteceu. O Júnior cruzou aquela bola espetacular e eu só chapei pra dentro"
Oséas, que levou a definição do título para as penalidades

Alex Ribeiro/Folhapress Alex Ribeiro/Folhapress

Decisão nos pênaltis

Zinho errou o primeiro, mas o Palmeiras virou no fim

"Se o Palmeiras perdesse a Libertadores, ninguém iria lembrar do que fiz pelo clube. Só do pênalti perdido"
Zinho, à revista Placar, sobre a cobrança que errou na abertura da disputa

"Eu já sabia que seria um dos batedores, treinava diariamente. Ele [Dudamel] fez um movimento que me fez pensar que ele cairia para um lado, mas acabou caindo no lado onde eu chutei. Então tive que bater no alto, onde dificilmente o goleiro pega. Se sai um pouco mais baixa, acho que ele defendia"
Rogério, que bateu o quarto pênalti, quando o Cali ainda estava em vantagem

"O goleiro estuda para saber onde normalmente batem os adversários. E o Dudamel fez isso, tanto que acertou quase todos os cantos. O meu seria no canto onde ele pulou. Mas pude, ainda antes de bater na bola, ter a visão de como ele saiu. Virei o pé e tive a felicidade de a bola ir bem no cantinho"
Euller, que acertou o quinto chute, antes de o Cali errar o último

Evelson de Freitas/Folhapress

Palmeiras 2 (4) x (3) 1 D. Cali

Palmeiras: Marcos; Arce (Evair), Júnior Baiano, Roque Júnior e Júnior; César Sampaio, Rogério, Zinho e Alex (Euller); Paulo Nunes e Oséas
Técnico: Luiz Felipe Scolari

Deportivo Cali: Dudamel; Pérez (Gavíria), Mosquera, Yépez e Bedoya; Zapata, Viveros, Betancourt e Candelo (Hurtado); Córdoba (Valencia) e Bonilla
Técnico: José Hernández

Data: 16/06/1999
Local: Palestra Itália, em São Paulo (SP)
Público: 32.000 pessoas
Árbitro: Ubaldo Aquino (Paraguai)
Cartões amarelos: Alex, Júnior Baiano e Zinho (Palmeiras); Betancourt, Córdoba, Dudamel, Hurtado e Zapata (Deportivo Cali)
Cartões vermelhos: Evair (Palmeiras); Mosquera (Deportivo Cali)
Gols: Evair, aos 20min, Zapata, aos 25min, e Oséas, aos 31min do segundo tempo
Pênaltis: Palmeiras 4 x 3 Deportivo Cali
1ª série: Zinho errou; Dudamel acertou
2ª série: Júnior Baiano acertou; Gavíria acertou
3ª série: Roque Júnior acertou; Yepes acertou
4ª série: Rogério acertou; Bedoya errou
5ª série: Euller acertou; Zapata errou

Paulo Whitaker/Reuters Paulo Whitaker/Reuters

Balada e duas noites sem dormir

"A comemoração do título começou dentro de campo com a torcida. Depois, fomos a um restaurante com os familiares. Lembro que meu pai e meus filhos estavam lá. Depois, fui pra balada, que eu sempre gostei. Os jogadores fecharam o camarote de uma balada em São Paulo e curtimos bastante. Lembro que nos apresentamos direto para o último jogo do Paulista. Não teve treino nem concentração. Eu estava 'virado' havia dois dias"
Paulo Nunes, sobre a festa sem fim 

Joel Silva/Folhapress Joel Silva/Folhapress

Autógrafos históricos

Nova arena 'apagou' lembrança

"Como foi um jogo histórico para o Palmeiras, todos os jogadores assinaram em uma das paredes do vestiário. Pena que foi destruído [para a construção do Allianz Parque]. Poderiam ter preservado"
Evair, lamentando o fim de uma lembrança do título

O bi vem esse ano?

Saiu uma pressão muito grande de cima da gente com aquela conquista inédita para o clube. Por isso, lembro bem da comemoração. Tínhamos uma noção da repercussão que aquilo teria e de todo o sofrimento pelo qual passamos durante todo o torneio. Festejamos muito, e agora estamos na expectativa de que o clube possa viver novamente o que vivemos lá em 1999

Galeano

Galeano, agora na torcida, otimista pelo 2º título

Curtiu? Compartilhe.

Topo