Leão reinventado

Longe do futebol, hoje o ex-goleiro trabalha com TV, compra obras de artes, vende gado e planta soja

Bruno Thadeu e Luiza Oliveira Do UOL, em São Paulo
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Leão por Leão

"Eu acho que fui um batalhador e corri atrás daquilo que achei que podia melhorar. Recebi uma educação adequada, me tornei um homem conhecido, não me iludi por deixar de ser anônimo, não me iludi pelos elogios. E prestei muita atenção nas críticas. Aprendi muito, cresci muito e, hoje, tem coisas que eu olho para trás e dou risada. Todos os dias você procura ensinar um pouco e aprender um pouco.

Todo mundo fala só do que eu sou, ninguém sabe como foi difícil conquistar. Eu não tenho ilusão. Eu tive o meu início, minha subida, meu apogeu e minha manutenção. Todos nós temos que reconhecer a hora das coisas. Temos de aprender a envelhecer. Eu acho que sou um avô até bem comportado.

Não posso me arrepender das coisas. Tenho uma família bonita, sou casado com a mesma mulher há 47 anos. Isso já é um diferencial no Brasil, né? Eu costumo dizer que sou bom de olho. Se fosse ruim de olho, na minha profissão, já tinha ficado pelo meio do caminho há muito, muito tempo.

Hoje, sou um filho de tudo isso. Não tenho medo de nada não. Pode ir buscar o que quiser que a gente vai conversar."

O UOL Esporte buscou e foi fundo. Em quase três horas, o Leão reinventado falou sem papas na língua: política, agronegócio, artes, o mundo moderno, sua família e o futebol - o atual e aquele que era jogado quando ele ainda estava dentro de campo. Confira:

O que Leão acha de: Romário, Lula, Trump, Bolsonaro...

Robson Ventura/Folhapress Robson Ventura/Folhapress

"Fui disciplinador por necessidade. Gostaria de não ser"

A personalidade de Leão é inconfundível: disciplinador nato com outros e com ele mesmo. Para ele, a necessidade o fez ser assim. “Olha, eu fui e sou disciplinador por necessidade. Gostaria de não ser. Porque os meus atletas precisavam que a gente mostrasse hierarquia ou virava bagunça. Jogador já é folgado, imagina sem comando... Às vezes, eles testam esse comando para ver se é isso mesmo. Quando percebem que é isso mesmo, acalmam e seguem uma trilha. Alguns você tem que dar a mão e acompanhar. Outros você manda, indica o caminho e ele vai sozinho”.

Essa característica de ler o jogador e entender o que era necessário para fazê-lo chegar ao sucesso criava atritos com atletas. Hoje, porém, são os próprios jogadores que são gratos pelas broncas. É o reconhecimento. “Eu acho isso muito bonito. Reforça que eu fazia com sentimento. Alguns, hoje, são treinadores. 'Poxa, Leão, você pegava no pé, me deu um esporro uma hora, me tirou do treino. Sabe que você tinha razão, meu? Hoje eu faço a mesma coisa'. Eu encontro casos assim. E não é um ou dois, não. É um monte! E outros que não são treinadores, são atletas ou ex-atletas, também falam: 'Você pegava no meu pé, mas era gostoso'”.

“Esse é um reconhecimento. Na hora de prestar conta, tudo isso vai estar incluso. Eu não sou um homem deprimido, não sou um homem de mal com a vida. Muito pelo contrário. Me sinto perfeitamente feliz”.

Em uma entrevista, o ex-presidente do Uruguai me convenceu, com palavras e também com a simplicidade dele, que nós não precisamos de muito para viver. Podemos ser felizes com muito menos. Menos, inclusive, do que eu tenho. Entendeu? Dá para fazer muita coisa, nós não precisamos de tudo. Isso leva a uma amargura, a uma revolta...

Sobre o que aprendeu com José Mujica, presidente do Uruguai entre 2010 e 2015

"Errei ao aceitar ser técnico da seleção brasileira"

Julia Chequer/Folhapress Julia Chequer/Folhapress

"Sou produto do futebol"

Hoje, Leão está bem mais manso do que já foi um dia. Mas o estilo ‘durão’ dos tempos de futebol ainda sobrevive. Ele admite que, às vezes, passa do ponto até em casa e se arrepende. “Ainda hoje, como pai, às vezes erro. E aí você tem que pedir desculpas. Você vai refazer o negócio? Errei, desculpa, não devia ter pegado tão pesado. Porque a minha carreira foi assim, a minha vida foi assim”, conta.

“Às vezes, uma resposta acaba mal encaixada, entendeu? Você magoa as pessoas. Não precisava falar desse jeito, podia encontrar maneira, mas saiu assim... As minhas duas profissões exigiram isso de mim. Sou produto do meio, filho do futebol. Só que a educação que recebi, a cobrança dessa educação dos meus pais, continua prevalecendo até hoje”.

A discrição sempre foi uma marca na vida pessoal. Em casa, ele faz o tipo “super”. Seja como pai, seja como avô. “Eu trago para dentro da minha casa tudo isso. Tenho um neto de três anos e meio e uma neta de sete meses. Tudo é avô, é avó. Isso é normal. Vão sempre voltar para minha casa. Por que? Porque se sentem maravilhosamente bem protegidos, né?”.

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Nova vida como comentarista

Leão, hoje, é comentarista do Esporte Interativo. Feliz na nova função, acredita que é uma forma útil de usar o conhecimento adquirido em 50 anos de profissão.

 “O que eu estou fazendo aqui hoje é o que me dá prazer. Primeiro, você aprende a conviver com mais pessoas. Quando você fica de sim e de não, o seu limite de amizade diminui muito porque é você que fala não. E tem também o fator de envelhecimento, também. Então aqui é uma maneira de estar no vídeo, contribuindo com o esporte ainda, mostrando a realidade do que me ensinaram nos 50 anos de atividade profissional. E, diria eu, permitindo pensar que é possível ter uma terceira profissão”.

Ainda é um trabalho que lida com futebol, mas há uma diferença marcante. Antes, as decisões eram dele. Agora, precisa lidar com opiniões diferentes, o que nem sempre é fácil. “Às vezes, não entro muito em debate quando os meus companheiros de trabalho estão ali, na mesa, discutindo. Olho e penso: 'Nossa, eu penso completamente diferente do que eles tão falando'. E eles estão falando com tanta veemência, acreditam naquilo que estão falando.... Por que que eu vou decepcioná-los? Deixa, né... Se me perguntarem, eu falo. Mas se não perguntam, não falo”.

O próximo passo de Leão

Quem dá o tamanho da sua asa, infelizmente, não é você. São os próprios donos do mercado, que é a televisão

Sobre como vê o seu trabalho atual

Agora, eu penso bem mais alto. Acho que nós estamos num primeiro passo, mas sem pressa, entendeu?

Admitindo que faz planos para crescer na carreira

Rubens Cavallari;Folhapress Rubens Cavallari;Folhapress

Paixão pelas artes...

Uma das grandes paixões de Leão são as artes plásticas, assunto que estudou a fundo. “Para você chegar a conhecer alguma coisa, na arte, primeiro precisa estudar. Precisa ler, precisa ouvir as pessoas que sabem, precisa participar do meio. Você vai adquirindo cultura aos poucos e nunca para. Então eu adquiri um gosto por isso. Sou um homem que gosta do design brasileiro. Adquiri algumas peças com o tempo. Depois, mudei. Comecei a olhar para a pintura. Sou mais moderno do que contemporâneo, mas conheço pessoas e artistas contemporâneos. Estou nessa fase de transição”.

Leão tem amizades no meio e costuma frequentar galerias no fim da tarde para conversar, aprender e descansar. Só não compra mais obras com a frequência que costumava. “Infelizmente, arte é caro. Alguns que têm muito dinheiro e pouca cultura descobriram que é uma boa coisa ter. O que você adquiria há 10 anos, hoje não compra nem 10% com o mesmo dinheiro”. 

Paulo Whitaker/Reuters Paulo Whitaker/Reuters

...e amor pela fazenda

Fazendeiro de bota, chapéu e caminhonete. Leão é ruralista. Empresário de agronegócios, o treinador cria gado e planta soja em suas fazendas no interior do Mato Grosso. Por uma semana no mês, ele para tudo e pega 1500 km de estrada até as suas propriedades. Não tem contato com televisão, internet, nem qualquer forma de tecnologia. Fala só com os funcionários.

“É um prazer associado a negócio, certo? Porque o ruralista é um apaixonado. E é ele que segura o Brasil. É o que segura o Brasil, preste atenção. Essas propagandas que fazem na televisão são realmente verdade. Se o campo parar, para o Brasil”.

Mesmo assim, considera “quase impossível” ser fazendeiro no Brasil, especialmente pelas altas taxas de impostos. Dá mais trabalho e menos dinheiro que o futebol. “Todo ano você vai ver que está no vermelho. Você está sempre nervoso. Os impostos estão cada vez maiores e o seu lucro cada vez menor”, afirma. “Todos estão insatisfeitos. No ano passado, a safra foi horrível, a seca foi monstro, matou tudo. E, aí, você começa tudo do zero de novo? E os impostos?”

O homem do campo deve ser elogiado porque é difícil. É difícil mesmo! Estou desde 1974 nesse mundo do campo e fui só crescendo e aprendendo. Estou quase perdendo a competição. Para os impostos, para as circunstâncias de necessitar de muita mão de obra, de muito fertilizante, de muita água, de muita chuva. E não ter nada disso

Sobre sua atual situação do agronegócio

O efeito JBS nos negócios

A vida dos ruralistas ficou ainda mais difícil com os escândalos envolvendo a JBS, a maior processadora de carne do mundo. A empresa é alvo de diversas operações da Polícia Federal pelo pagamento milionário de propinas a agentes públicos. Leão vende carne para a empresa. “Nós somos comandados por eles. Eles criaram uma cadeia de produção que não tem jeito de não fazer negócio com eles. Existe um boicote atualmente, mas ele precisaria ser muito, muito maior. O problema é que, pela necessidade, os produtores têm que vender para eles. Se não, como vão se sustentar?”

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Distância da política

A decepção com o atual cenário político brasileiro é latente em Leão. O técnico já foi convidado para se candidatar a um cargo público, mas é taxativo: jamais aceitaria.

Eu não vou ser político. É um não rapidinho. Eu não posso ser político, eu não sou político!”

“Eu fui convidado algumas vezes e não aceitei porque não sei fazer isso. Ser político é transferir responsabilidades ou permitir que o elástico estique o máximo possível. E, se estourar, paciência. Eu não sei fazer isso. Não posso fazer”.

Ainda assim, Leão não descarta ocupar um cargo público para contribuir com o esporte. “Acho que tem homens que não são políticos, mas que ocupam cargos públicos. O que que eu sei fazer? Mexer com esporte. Posso ser um secretário de esporte. Isso é um cargo, mas não é ser político”.

O que existe hoje é uma agressividade excessiva, uma deturpação de ideias. A Lava Jato está nos mostrando os pontos negativos do país e nós estamos envergonhados. Que Brasil é esse, companheiro? Nesse Brasil eu não quero viver mais, não

Sobre a decepção com o Brasil atual

Eu quero um outro Brasil. Para o seu filho, para o seu neto. Mas ainda vamos sofrer muito. Acho que estamos começando um ciclo de renovação e de prosperidade. Agora, com esses políticos que aí estão, vai ser difícil. Infelizmente, o brasileiro perdeu a rota

Analisando o momento político

Um cara conservador

Não sou antigo. Sou atual. Mas um atual que tem um limite de aceitação. Quando chega esse limite, não ultrapasso

Sobre como se vê no mundo atual

Outro dia, fui a uma dessas cadeias de restaurantes e entrou um casal de meninas. Pintadas e decoradas com tatuagem. É direito, problema delas. Mas começaram a dar show, eu digo assim. Fiquei constrangido. Saí e não comprei o que queria. Será que isso é preconceito? Eu acho que não. Eu me senti envergonhado

Sobre sua visão de mundo (1)

Eu vejo a juventude em frente a um bar, bebendo e comendo na calçada. Mas que mundo é esse? O cara faz uma baita coisa legal lá dentro e você vai ficar na calçada conversando? Por que? Para não pagar consumação? Se prepare mais para ter dinheiro no bolso para pagar a consumação, se conseguir. Se não, não force a barra

Sobre sua visão de mundo (2)

Agora, me diz uma coisa: por que quem faz uma tatuagem nunca para ali, em uma só? A pele foi feita para isso? Não foi

Sobre sua visão de mundo (3)

"No dia em que respeitarem a figura do treinador, eu volto"

Foto Almeida Rocha/Folha Imagem Foto Almeida Rocha/Folha Imagem

Os jogadores de Leão

Moacyr Lopes Junior / Folha Imagem Moacyr Lopes Junior / Folha Imagem

Fabio Costa: ele atravessava a rua e ia comer sanduíche

Emerson Leão foi marcante na vida de muitos atletas. Fábio Costa é um deles. O goleiro se matava nos treinos do Santos, mas estava sempre acima do peso. O motivo? As escapadas para o McDonald’s em frente ao CT. Leão, claro, não facilitava a vida.

“O pior de tudo é quando você cansa de ficar em cima. Mostra que você abandonou. E quando você abandona, esse não prospera mais. Nessa época, ele estava mais no peso certo e jogou mais. Por quê? Porque era necessário. Estava entre os atletas com que eu cobrava mais”.

“O treinador de goleiros pegava muito no pé dele. Treinava muito, atravessava a rua e ia comer sanduíche. Como iria funcionar? Se fosse um negócio legal, tudo bem. Mas nem todo sanduíche é legal, com a proteína necessária. Na minha função, era preciso orientá-lo. Era parte da minha obrigação e, principalmente, do meu salário. Se eu pegava muito ou pouco no pé dos atletas eu não sei. Mas que faz parte, faz parte”.

Fernando Santos/Folhapress Fernando Santos/Folhapress

Leão sobre Neto: "O único com quem me desequilibrei"

Emerson Leão carrega alguns arrependimentos. O maior deles foi por ter pegado pesado demais com Neto. Na sua visão, o craque precisava de “correção”, mas o técnico exagerou. “Vou no programa dele, tenho um bom relacionamento. Já disse que foi o único rapaz com quem eu me desequilibrei. Ainda bem que coisa pior não aconteceu. Eu estava errado e, como chefe na hierarquia, não podia chegar no limite. Mas ele abusou tanto que eu cheguei na porta do limite. Ainda bem que ele não quis testar”.

“Não sou perfeito. Errei. Agora se eu errar, por favor, me mostre o erro para que eu aprenda. Através dos anos, você vai repensando uma série de coisas que você fez. Não precisava fazer aquilo. Peguei pesado. Ele não tinha nem experiência, nem inteligência para merecer aquilo. Então, um pouco foi erro meu”.

Ainda assim, ele considera que o craque precisava ser punido. “O Neto era um excelente jogador, mas precisava de correção. Ninguém o corrigiu quando ele estava iniciando, ninguém teve coragem. Por quê? Porque o efeito qualidade dele é muito grande e os caras tinham medo de ficar sem ele. E daí? Daí vamos fazer o certo, pô! Não fez o certo? Paciência, tem que saber que é igual a todos”.

Friedemann Vogel/Getty Images Friedemann Vogel/Getty Images

Por que Robinho não foi o melhor do mundo?

Robinho foi um dos grandes talentos comandados por Leão. E como boa parte das pessoas que acompanharam a campanha histórica do título do Campeonato Brasileiro de 2002, ele também achava que o craque se tornaria um dos melhores do mundo.

“Erraram com ele. Mudaram o Robinho. O Robinho da Europa não era o Robinho do Brasil. Inventaram que ele era tão magro que tinha que adquirir musculatura. Ele não tinha biótipo para isso. Tinha que ser magro e velocista. Driblando no caminho do gol. Pararam de treinar o Robinho específico. Ele teve sua ascensão interrompida prematuramente. Não sei se não sabiam como ensiná-lo, mas o Robinho começou a ser coadjuvante. O problema é que ele nasceu para ser estrela.”

O declínio passou por uma mudança de função. “Começou a voltar para marcar. Mudaram a posição e ele não se impôs. Porque se ele falasse 'Não! Eu jogo aqui, é aqui que eu sei jogar, foi para jogar aqui que vocês foram me buscar' isso mudaria. Eu falei isso para ele, uma vez. Mas ele foi coadjuvante. Que que eu posso fazer?”

Para o técnico, o jogador fez escolhas erradas. “Não tinha clima onde ele estava. Ele escolheu o time errado. Às vezes, nem sempre o melhor time é o bom para você. Tem que ser o time em que você se encaixa. Você vê que o Neymar, que está penando até agora com o domínio do Messi. Os caras falam que ele é coadjuvante do Messi”.

No Santos de 2002, Robinho e Diego apostavam sanduíches

Neymar x Robinho

O Neymar é mais genioso que o Robinho. Não é mais talentoso. É mais driblador do que o Robinho, mas os dois são excelentes. Eu acho que o Neymar carrega dentro dele menos alegria, mas mais objetividade que o Robinho. A diferença dos dois é essa

Sobre as duas maiores joias reveladas pelo Santos nos últimos anos

Arquivo/Jorge Araújo/Folhapress Arquivo/Jorge Araújo/Folhapress

Polêmica com argentinos: "Não sou contra ninguém"

A fama de não gostar de argentinos perseguiu Leão durante a carreira. A relação conturbada com Carlos Tevez e Javier Mascherano nos tempos de Corinthians foi o pivô disso. A polêmica surgiu quando ele tirou a braçadeira de capitão do atacante. Leão nega preconceito e dá uma razão engraçada para a decisão.

“Você já conversou com ele em velocidade? Você entende alguma palavra do que ele fala? Como o árbitro vai entender? O capitão é um representante da gente ali dentro. Se eu tenho um representante que o árbitro entende, eu pego. Então, coloquei um capitão brasileiro, que falava o mesmo idioma do árbitro. Agora, o Tevez nunca deixou de ser titular. Nenhum dos dois (Tevez e Mascherano), alias. Porque jogavam bola. Eu não sou contra ninguém. Sou contra o cara que é ruim”.

Leão diz que nunca prejudicou Tevez e Mascherano. Apenas colocou ordem na casa. “Antes de mim, o treinador marcava treino no quadro negro. Eles apagavam e falavam que não iam treinar. Comigo, a coisa mudou. O Corinthians não caiu, mesmo sem o Tevez, mesmo sem o Mascherano. Ganhou pra caramba, porque os outros sabiam que a igualdade, que não exsitia, passou a existir. Os protegidos por esses empresários tinham qualquer regalia possível e imaginável”.

Leão e a saída de Tevez do Corinthians

No fim das contas, os dois craques acabaram deixando o Corinthians depois de um problema com o treinador. Porém, foi uma questão apenas profissional. Os dois foram convocados para a seleção argentina para amistosos marcados fora da “Data Fifa”, dias em que os clubes são obrigados a liberar os atletas.

“Eu falei que não autorizava os dois a irem para seleção. Disse ao Tevez: ‘Você é o titular do time. Se nós estivéssemos em primeiro lugar, estava dispensado. Se nós estivéssemos em último, estava dispensado. Se estivéssemos no meio, estava dispensado'. Mas nós estávamos na linha do rebaixamento! Tínhamos que ganhar 81% dos pontos! Como que eu posso abrir mão de um centroavante goleador como o Tevez?”

“Instituíram a Data Fifa para ser obrigado a ceder o atleta. Mas não era data Fifa e eu não era obrigado a ceder o atleta. Mas ele foi ao presidente, que também disse não. Aí, Tevez disse: 'Então eu vou jogar pela última vez'. Foi embora e nunca mais voltou”.

Fernando Donasci/Folhapress Fernando Donasci/Folhapress

Nilmar saiu do Corinthians por causa do empresário

Leão sempre teve uma postura crítica em relação ao trabalho dos empresários de futebol. O treinador chegou ao ponto de mandar o atacante Nilmar embora do Corinthians porque o agente do jogador tentou interferir no seu trabalho.

“Um dia eu falei uma coisa para um atleta que estava concentrado na pré-temporada. O empresário estava vendendo esse atleta sem o consentimento do clube. Ele disse: 'Ó, Leão, o cara vai jogar assim, assim e assim'. Eu falei: 'Ele não vai nem entrar. Estou te dizendo que não vai entrar’. E não entrou”, lembra.

“Até expliquei para ele: 'Olha, estou te instruindo assim e assim, acho que não é a hora, depois você vai ter tempo para isso'. Mas ele não me ouviu. Eu era o treinador e o chefe. A autoridade máxima naquele momento. Falei: 'Presta atenção. Se você sair daqui e passar do portão, nunca mais entra comigo'. Não era uma ameaça, era uma realidade. Mas o outro teve mais força do que o próprio treinador. Ele foi embora e, logicamente, nunca mais voltou”, conta.

O treinador diz que nunca recebeu qualquer proposta indecorosa de empresários. “Comigo não. Eles já sabem. Você só se aproxima de alguém para fazer algumas coisas se você conhece o perfil daquela pessoa. Por isso eu não sou um treinador conveniente para alguns clubes”.

Leão x empresários

Empresário é negociante, só vê o lucro. Não está nem aí. Acho que empresário deveria ser igual a corretor de imóveis. Como você faz com corretor? Escolhe bairro, tamanho e ele vai atrás. No futebol, você diria que quer um meia ou um centroavante e ele que saia para procurar. Apresentou, comprou? Ganha os 10%. É um vendedor, acabou ali e tchau...

Sobre como deveria ser o trabalho dos empresários

Mas os empresários não ficam nisso. Sugam até o final o atleta. Alguns, pouquíssimos, orientam o atleta. Outros, só sugam mesmo. É por isso que jogadores passam a ser dependentes. Como atletas e como homens. Viram todos bibelôs que não sabem fazer nada extracampo. Salvo exceções. Alguns acabam se revoltando e se libertando. É uma alforria

Sobre como eles realmente agem

J.F.Diorio/Folhapress J.F.Diorio/Folhapress

Dener foi vencido pelas companhias

Dener foi um dos maiores talentos surgidos no Brasil nos anos 90 e encantou o país inteiro com seus dribles desconcertantes. Foi Leão quem ajudou a lançar o adolescente de apenas 17 anos na Portuguesa. Na visão do comandante, o futuro era promissor. O craque, porém, morreu em um acidente de carro em 1994.

“Ele era um misto de Neymar com Robinho. Talentosíssimo. Sabia fazer tudo. Foi criado com os problemas do submundo, com companhias perigosíssimas. E as companhias perigosíssimas venceram o talento do Dener”.

“Ele se tornou incontrolável pelas companhias e faleceu precocemente. Ele era maravilhoso, um desses talentos que você não sabe como aparece. Mas, por outro lado, o submundo das ofertas tinha mais poder sobre ele do que o futebol. Deu no que deu. Perdemos um craque”, conta. Leão relata que já viu muitos problemas no futebol, mas nada que se compare a Dener. “O submundo da droga, da oferta, da ilusão, está presente em alguns momentos. Mas igual ao que tinha em volta do Dener, não vi mais. A barra era mais pesada”.

Luis Pires/Vipcomm Luis Pires/Vipcomm

Leão e os técnicos

Armando Paiva/AGIF Armando Paiva/AGIF

Polêmica com Luxa

Leão e Vanderlei Luxemburgo não se falam. A relação ruiu de vez quando Leão reassumiu o Santos, em 2004. Na época, especulou-se que Luxemburgo teria se oferecido ao time da Vila quando Leão ainda era o técnico do clube. Leão nega que esse tenha sido o motivo da ruptura da relação.

“Eu separo as coisas. Mas têm coisas de bastidores que vocês desconhecem e que nós conhecemos. Eu descobri uma série de coisas que não me agradavam. E, em vez de tomar certas decisões, eu decidi me afastar. Não gosto. Não comento. Acabou, simples”.

AP Photo/Francisco Seco AP Photo/Francisco Seco

Autuori reconheceu papel de Leão por Mundial de 2005

Em 2005, Leão deixou o São Paulo meses antes da conquista do Mundial de Clubes, no Japão. A saída inesperada ocorreu por uma “dívida de gratidão” com um amigo japonês, mas, mesmo assim, o treinador se sentiu parte da conquista. O time do Morumbi foi comandado por Paulo Autuori.

 “Depois de um mês que eu estava no Japão, eu recebi um telefonema. Quem era? O Autuori. Ligou para agradecer. Eu respondi: 'Que que foi, Autuori, não fiz nada!'. Ele disse: 'Não, eu que não fiz nada! O time estava tudo pronto'. Todo treinador que entra em um time sempre tem que dar o pitaco dele. O Autuori não mexeu. Então esse foi o maior agradecimento. Eu sabia que ia ganhar porque o time era bom e estava preparado para ganhar. E ganhou”.

Armando Paiva/AGIF Armando Paiva/AGIF

Ceni não estava preparado para as dificuldades

Leão diz que Rogério Ceni cometeu um grande erro como treinador do São Paulo: achar que a condição de ídolo traria estabilidade como treinador. Ceni poderia ter se preparado um pouco mais, opina.

“Ele [Ceni] estava pensando que poderia repetir como treinador o que fez como atleta, mas não é assim. Isso já mostra que a princípio não estava preparado psicologicamente”.

Por seis meses, Ceni comandou o São Paulo em 35 jogos, com 49% de aproveitamento. “Eu acho que ele estava no lugar errado e na hora errada, e ninguém percebeu isso. Só isso que aconteceu”, conclui.

Miguel Schincariol/Getty Images Miguel Schincariol/Getty Images

Elogios a Jair Ventura e Fábio Carille

Ao falar da nova geração de técnicos, Leão destaca o trabalho de dois deles: Jair Ventura e Fábio Carille. “Eu acho que eles percorreram o melhor caminho: conheceram os corredores antes de se tornarem treinadores do time principal”.

“O do Corinthians ficou oito anos na base. Essas pessoas conviveram tanto tempo no ambiente que cumprimentam os torcedores pelo nome. Conhecem todo mundo há muito tempo. E muitos desses, por uma necessidade até financeira, como Botafogo e Corinthians, com todas as dívidas, recorreram a esses meninos que já eram conhecidos internamente. Isso facilitou muito. Algo que não aconteceu com o Rogério Ceni, que pulou de jogador para técnico”.

SAEED KHAN / AFP SAEED KHAN / AFP

Tite: entrou por mérito, não política

Leão destaca que Tite chegou ao comando da seleção brasileira por merecimento. “Chegou a vez dele [Tite]. Eu acho que ficou mais fácil para ele entrar porque nós estávamos derrotados. Qualquer coisa que fizesse seria lucro. Inicialmente, ele levou uma turminha que era dele no Corinthians, substituindo aos poucos. Depois trouxe alguns indesejáveis da seleção antiga da Copa do Mundo. Eles estão voltando aos poucos, sem muita gente perceber”.

“Ele tem aquele jeito de falar, não sei se estudou teologia ou não, meio pastor, meio… É interessante, tem que apoiá-lo. É a vez dele, e acabou. Ele não entrou por política ou por amigo, mas por mérito”.

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Homero Sérgio/Folhapress Homero Sérgio/Folhapress

"Até hoje falam das minhas pernas"

Emerson Leão não ficou famoso apenas pelo talento em campo. Com fama de galã, fazia sucesso com a mulherada. Até hoje é lembrado por protagonizar um comercial de cuecas em meados dos anos 70. É um pioneiro do marketing esportivo.

“Até hoje eu encontro pessoas que só falam das minhas pernas. De todas as propagandas que eu fiz, e foram várias, aquela ficou marcada. Fiz até propaganda de frango. Já pensou entrar em campo fazendo propaganda de frango? Pô, se você não fosse determinado, não treinasse, não fosse bom, estaria perdido”.

“Eu acho legal porque marcou uma época. Foi aí que os empresários começaram a olhar para esse segmento do futebol como um negócio interessante. Fomos cobaias do negócio. E ser cobaia algumas vezes é bom. Eu era ingênuo na época, né? Achava gozado, não sabia fazer as coisas. As pessoas foram ensinando. As liberdades que eles tinham, eu não tinha. Hoje, ficar pelado na frente dos outros é bonito, é nu, é não sei o que lá...”

Leão sabe que hoje em dia ganharia valores muito mais altos para fazer propagandas, mas se sente realizado por abrir portas para que craques como Neymar e Cristiano Ronaldo ganhassem fortunas promovendo marcas. “Sim (abri portas), claro que sim. Como muitos abriram portas também. Isso é importantíssimo. Hoje, eles ganham muito mais em propagandas do que com futebol. Mas tem mérito. Se eles não vendessem nada, não seriam procurados. Então, eu não sou contra ninguém ganhar muito. Desde que ganhe honestamente”.

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Copa de 70: Sabia que era melhor que o titular

Leão era o terceiro goleiro da seleção em 1970. Então com 19 anos, foi ao México para aprender, apesar de se considerar o melhor entre os três da posição (os outros eram Félix e Ado).

“Ser um goleiro campeão do mundo com 20 anos era magnífico, principalmente quando o titular tinha idade para parar de jogar e você se considerava melhor. Então eu falei: 'Peraí, eu vou aqui aprender, mas na próxima Copa do Mundo eu vou jogar. Eu não vou a duas Copas para assistir, não'”.

“É mais ou menos o seguinte: você é um soldadinho, depois passa a sargento, a capitão, e na Copa seguinte é o general”.

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Fernando Santos/Folhapress Fernando Santos/Folhapress

Por que Leão não foi para a Copa de 1982?

Uma grande dúvida paira no ar até hoje. Por que Emerson Leão não foi convocado por Telê Santana para a Copa do Mundo de 1982? O consenso, na época, era que a primeira opção deveria ser ele, então campeão brasileiro com o Grêmio. Waldir Peres foi titular e ele não foi chamado.

“Até hoje eu não sei porque não fui convocado. A minha insatisfação foi muito grande porque eu fazia parte daquilo. Reuni méritos para que isso acontecesse. Em todas as votações era unânime, mas apenas uma cabeça tomou uma decisão que eu tive que respeitar, porque era a do treinador”.

Leão só conheceu Telê Santana quatro anos depois da Copa, quando atuava pelo Vasco. Mas nunca quis perguntar ao técnico o que aconteceu. “Para quê? Deixa morrer com isso, entendeu? Acho que alguém interferiu, um conselheiro dele que queria outro. Ou alguém não gostava particularmente de mim. Eu não sei”.

Telê disse na televisão, não fui eu que perguntei: "Quando forem jogos oficiais, escolho o Leão, capitão da equipe". Copa do Mundo deixou de ser oficial?

Lembrando de como achou estranha a decisão de não ir à Copa

Só apareci no mundo dele quatro anos depois. Quatro anos mais velho. E ele me convocou para ficar assistindo à Copa, não para jogar

Sobre ter ido para o Mundial de 1986

Torci de toda maneira para a seleção brasileira. Fiz de tudo! Uma das poucas vezes em que eu chorei pelo futebol foi na nossa derrota lá no Sarriá, que acompanhei de perto. Pedi dispensa do clube, o Grêmio, porque estava com a mão fraturada. Fiz o último comentário e retornei ao Brasil. Para mim foi altamente desagradável

Sobre seu trabalho de comentarista na TV Globo em 1982

Democracia Corintiana: "Não era democracia. Eram poucos líderes"

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