Yuri Martins deu atenção

Mão de ouro do funk, o produtor do momento já tem sertanejo e gringo na porta do seu estúdio

Tiago Dias Do UOL, em São Paulo
Vinicius Andrade/UOL

Porra, o Yuri não dá atenção, mano. Chama esse cara aí, por favor

A reclamação de MC Don Juan enquanto gravava a música "Oh Novinha" era real: Yuri Martins havia sumido do outro lado do estúdio. Mas, mesmo de longe, o produtor não estava distraído. Ouviu o protesto vir dos microfones e riu para si mesmo: "Isso vai dar música".

A frase foi incorporada à faixa e "Oh Novinha" estourou no começo de 2017. Yuri, até então desconhecido, virou referência quando o assunto é deixar alguém no vácuo. Em pouco tempo, seu nome passou a ajudar a grudar estrofes e refrães de "Agora Vai Sentar", dos MCs Jhowzinho & Kadinho, e "Amar Amei", em que Don Juan explica, no meio da canção, o segredo do sucesso da própria música:

É Yuri Martins quem produziu? Mais uma que explodiu

Os dois funks ficaram longas semanas entre as mais ouvidas nas plataformas de streamings e, juntas, já chegam a quase meio bilhão de visualizações no YouTube.

Em busca desse estouro, até Anitta tratou de voar para São Paulo só para trabalhar com ele. E o resultado foi "Vai Malandra". Agora, Yuri Martins, de apenas 23 anos, recebe com a mesma frequência artistas do sertanejo e gringos, todos de olho no toque mágico aprendido a orelhada.

Nascido em Salvador (BA) e criado em São Gonçalo (RJ), o único curso que ele fez foi o de botar a mochila nas costas, aos 17 anos, mirando a onda do "funk putaria" em São Paulo. Mas no carrão que hoje ele pilota pela cidade, o que rola no som é música gospel.

Ao enfileirar hits e observar o mercado do funk em expansão, Yuri Martins não hesita: "O funk é abençoado".

O produtor que virou personagem

Divulgação Divulgação

À procura da batida perfeita

Foi em um dos estúdios mais famosos de São Paulo, o Mosh, onde foram gravados discos de alta vendagem nos anos 1990, que Yuri deu atenção à reportagem do UOL. Ali, ele mexia em uma imponente mesa de som, trazida de Los Angeles e com muitas histórias. Uma delas é a de que, por meio daqueles mesmos canais, o clássico "Thriller", de Michael Jackson, foi mixado em 1982.

Enquanto constrói seu próprio estúdio na capital paulista, é ali que Yuri tem trabalhado com Luccas Lucco, Nego do Borel e alguns sertanejos para os hits que vão grudar --para o bem ou para o mal-- nos próximos meses. "Mas produzo música em qualquer lugar, no telefone, no hotel, indo viajar, no celular, no notebook", garante.

E arrisca: "Os maiores hits que eu produzi saíram rápidos. Acho os que mais demorados não aconteceram tanto".

Uma dessas rapidinhas foi "Vai Malandra", assinada com os amigos do Tropkillaz. Deu tão certo que Yuri logo emendou uma outra parceria com Anitta: o reggaeton cantando em espanhol "Indecente", produzido junto com o americano Dvlp e lançado no final de março, durante a festa de aniversário de 25 anos da popstar.

O disco de estreia do americano Maejor, "brother" de Justin Bieber e que canta com Anitta, também já está passando pelas mãos de Yuri. E o colombiano Saga já garantiu sua vaga: ele veio ao Brasil para trabalhar algumas batidas do cantor americano Nicky Jam, mais um artista de origem latina querendo somar talentos com os brasileiros.

"Hoje eu vou ao estúdio com os caras do sertanejo, o pessoal do rap, e troco ideia da mesma forma. Entendo o que eles estão falando, eles entendem o que eu falo. A gente fala a mesma língua", ele comemora.

Hoje eu falo a língua da música do Brasil. Não é só o funk, entendeu?

Alô, Yuri! Anitta quer um hit

Teve um momento do funk em que as pessoas estavam achando que era desfile de moda. 'Vamos pegar aquele menino do YouTube ali, que é bonitinho, tem um monte de seguidor, vai virar funkeiro'. Funk é um dom. Você tem que viver. Você vai viver o funk?

Yuri Martins

Autodidata do batidão

Yuri passou toda a adolescência com um notebook nas mãos (um presente da mãe), aprendendo na raça como tirar som do BPM Studio Pro, programa de edição de som que virou febre na ascensão do funk carioca. "Cheguei a ligar para muitos conhecidos: 'Como é que funciona isso aqui?'. E o pessoal falava: 'Ah, não dá para ensinar, não'. No funk, que é a minha praia, existe muito isso, do cara ter medo de passar informações. 'Se eu passar isso, você vai ficar melhor que eu'".

O primeiro sucesso surgiu de um momento de ousadia. Yuri já tentava fazer seu nome produzindo MC GW, em uma época em que o termômetro do sucesso era medido quando o funk ultrapassava a ponte aérea Rio-São Paulo. Foi quando colou no DJ Ferrugem, um de seus maiores ídolos. O produtor carioca estava empacado em uma música, quando Yuri se prontificou: "Dá para mim que eu posso fazer".

Virou a madrugada no estúdio e gerou seu primeiro hit: "Tá Tranquilo, Tá Favorável", música onipresente por meses com MC Bin Laden e seu célebre hang loose. "Não digo que estourou por causa da minha produção. Sei que foi um conjunto. O sucesso foi o vídeo dele lá na caixa d'água mostrando o barrigão de fora", se diverte ao lembrar.

"Pirou" quando viu o público de fora do Brasil gravar e divulgar vídeos reproduzindo a coreografia. Pensou:

Chega desse funk só para a rua. Eu quero ficar conhecido como o cara que lança hit

Eu não curto funk putaria. Eu quero mostrar meus trabalhos para minha mãe, minha irmã pequena, meu pai [que é] da igreja. Eu não curto, mas é meu trabalho, eu faço. É que muita gente não sabe diferenciar o que o cara faz do que o cara é. Eu ouço gospel no carro, cara. Sou muito temente a Deus.

Yuri Martins

O funk que paga conta de pai de família

Os gringos que venham até nós

A batida irresistível que parece viciar qualquer ouvido mais atento está fazendo o funk viver uma descoberta fora do Brasil. Não à toa, artistas que surfam no bom momento de abertura da música latina também estão de olho nos beats que evoluíram nas periferias, após anos sufocados em suas próprias quebradas.

"A gente já sabe que os gringos curtem a gente. De tantos os hits chegarem lá, os caras querem saber como fazer também", ele diz.

Em um momento em que o funk experimenta, pela primeira vez, investimento e estrutura, Yuri faz as contas: "Acho que em cinco anos vamos estar voando. Temos que focar em virar uma referência e os gringos virem até a gente também, não só a gente ir atrás".

Quem sabe assim, ele espera, o gênero deixe de sofrer preconceito pelos próprios brasileiros.

"Às vezes o cara que está cantando essa putaria aí ele nem curte. Tem gente que trabalha como açougueiro, mas que não gosta de ser açougueiro, mas está levando dinheiro para casa. O funk paga a conta de pai de família, coloca leite na boca do filho. A maioria tem família sem condições."

O funk está girando a economia do Brasil, tem que parar de criticar

Curtiu? Compartilhe.

Topo