A gente somos complexo

Bolsonaro, drogas, sexo, "pinto pequeno", QI alto, pânico de avião. Roger Moreira não guarda tabus. Ainda bem

Leonardo Rodrigues Do UOL, em São Paulo
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Como versa a música do Ultraje a Rigor, Roger Moreira, 61, é um monstro de duas cabeças.

Uma cabeça é militante de direita. E ai de quem ousar levantar qualquer sinal de bandeira vermelha em sua movimentada timeline do Twitter. Ele será seu pior inimigo.

A outra cabeça é bonachona, meio tímida --e é ótima. Tente conversar por alguns minutos com o vocalista do Ultraje a Rigor sem cair com ele na risada pelo menos uma vez a cada uma de suas extensas respostas. Cara feia com Roger só quando ele não entende bem as palavras. "É que estou ficando meio surdo mesmo, sabe? Culpa do rock", diz ao UOL o vocalista.

Roger reconhece que sempre foi essa pessoa misturada. A diferença é que, agora, está em um momento caseiro. "Estou casado e com duas filhas pequenas. Acordo cedo e faço poucos shows. A vida de estrada, quando você é jovem, é demais, mas você dorme mal, come mal, tem horários esquisitos. Eu me planejei para viver o que estou vivendo agora", entende ele, que duas vezes por semana parte de sua casa, em um condomínio na região do Morumbi, zona sul de São Paulo, rumo a Osasco, região metropolitana, onde grava o talk show "The Noite" no SBT.

Falar do virginiano Roger é falar de polêmicas. Por exemplo: seu propalado conservadorismo resiste a poucas perguntas. Mesmo apoiando o presidenciável Jair Bolsonaro, ele é a favor da liberação das drogas, acredita que o Estado não deve se meter em questões como a do aborto e casamento gay e, autoproclamado liberal, bate na tecla de que "o ser humano não foi feito para trabalhar feito um camelo a vida toda".

Roger é complexo. Em um teste de coordenada política feito na internet, seu resultado ficou próximo do "centro", ele conta. Há quem duvide disso. Não são poucos. "Mas eu não tenho vergonha de me expor. Já saí até pelado em uma revista. Sou assim porque tenho muita convicção do que eu faço", brinca ele, referindo-se à sua infame capa na "G Magazine", que virou piada na boca do apresentador Danilo Gentili. Nada é tabu para o vocalista do Utraje. Ainda bem.

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Seduzido pelas redes sociais

Nos anos de 1980, tempos de restrição a importações, Roger pagou caro em um antigo MSX, misto de computador e videogame que mudou a história do entretenimento nos PCs. Imerso no mundo da informática, ele mudou de máquina, instalou BBS e fez curso de DOS, Lotus, Excel, Word. Mais tarde, com a internet, decidiu se aventurar no Orkut e Facebook, mas foi no Twitter que se sentiu mais à vontade para ser o que realmente é.

"O Twitter é rápido, direto como eu sou, e parece mais ou menos como era a BBS. Tinha essa coisa que eu achava legal de chegar e perguntar: 'Pô, alguém conhece uma loja de alpiste?'. Qualquer negócio o pessoal chegava e te ajudava. Mas depois começou a mudar. Ele começou a crescer e 'orkutizar', como dizem", lembra.

Foi por volta de 2000 quando ele resolveu criticar alguma atitude do governo na internet e notou "um ataque coordenado" contra ele. "Era uma patrulha que eu desconhecia. Decidi pesquisar sobre o assunto. Estudei sobre espiral do silêncio, Escola de Frankfurt, Foro de São Paulo. E comecei a revidar os ataques."

A dinâmica em tempo real e o contato direto com os seguidores criou um "monstro" em Roger, que ele diz estar tentando segurar nos últimos tempos. Mas não é isso que costuma acontecer.

A internet dá voz a um monte de gente. Eu fui aprendendo a lidar com isso. Você não sabe com quem está discutindo. Pode ser uma criança. Um retardado, no mau sentido. Um cara com pouco estudo, um imbecil. E eu vou ficar batendo boca?

Por que apoiar Bolsonaro?

A gente não sabemos escolher presidente?

Minha ideologia é voltada para a liberdade e para o indivíduo. Penso: 'Como funciona o mundo? Tá, vou precisar trabalhar para ganhar dinheiro. E o que eu preciso fazer para comprar o que quero? Então vou atrás disso'. É um pensamento mais pragmático. Prezo muito pela liberdade.

Roger Moreira

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Como foi parar na televisão

"Só vou deixar de ser músico no dia em que parar de tocar"

Quando Danilo Gentili convidou o Ultraje para seu novo projeto na TV Bandeirantes, o talk show "Agora É Tarde", várias dúvidas pairaram sobre Roger. Segundo o apresentador, não havia plano B caso a banda declinasse o convite. "Eu tive receio no início. Não sabia bem como seria a gravação. E eu já estava desacelerando, com a ideia de parar ou virar produtor, e o Danilo estava acelerando. Com a insistência dele, acabei concordando e fomos fazer o piloto."

Hoje na grade do SBT como "The Noite", o programa rende um dos maiores picos de audiência da emissora. "A gente recebe o roteiro com o nome do convidado, bola o repertório na hora e ensaia tudo. Eu acho o máximo. Sempre gostei de humor, do estilo do David Letterman. Adorava o Paul Shaffer e me baseei nele. Nosso ambiente é muito bom. Todo mundo se dá bem, Danilo, redatores. Não tem disputa de egos. Todo mundo sabe o que tem que fazer."

As críticas vieram à medida que sua exposição virtual crescia. "Tem gente que não gosta da gente, por inveja ou qualquer coisa. No começo tinha gente falando que [ser banda de talk show] é coisa de banda decadente, de ex-músico. Não dou a mínima. Só vou parar de ser músico quando parar de tocar. Tenho chance de me desenvolver como músico muito mais ali do que com o Ultraje, porque toco músicas diferentes."

Toda banda tem um auge e depois continua fazendo shows. Tem os fãs antigos, os novos. Mas o sucesso do auge nunca durará para sempre. O Ozzy Osbourne não teve um reality na TV? Agora estou fazendo a mesma coisa que eu faço, só que na TV.

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Nu com mão no bolso na "G Magazine"

Era 1999, e o Ultraje a Rigor acabava de lançar o álbum "18 Anos sem Tirar", que marcou seu retorno às paradas. Foi quando o telefone do escritório da banda tocou. Airton Valadão, empresário do grupo, não se aguentou com a proposta: queriam Roger na capa da "G Magazine", revista voltada ao público gay que vinha crescendo tanto em tiragem quanto em influência. Antes de Roger, o jogador Vampeta e o ator Mateus Carrieri já havia estampado a publicação.

"Ele veio rachando os bicos contar. Eu falei: 'Pô, mas quanto eles estão oferecendo?'. Para mim, era uma só uma questão de dinheiro. Eu já tinha frequentado praia de naturismo. Já tinha feito a música 'Pelado'. Eles me ofereceram uma porcentagem de vendas. Não posso falar quanto foi o cachê, por força de contrato. Mas falei que queria tal valor, que era alto, e eles falaram que tudo bem", lembra Roger.

Piadas sobre a sexualidade do músico e sobre a suposta diminuta extensão de seu órgão pulularam em uma época em que a internet ainda engatinhava no Brasil. Mas Roger já esperava por tudo isso.

Eu pensei: 'Vão ser uns três meses de piadas e depois tudo acaba'. E foi o que aconteceu. Anos depois, o Danilo reavivou a história no programa. Mas eu não tenho problema com isso. Eu já autografei um monte dessas revistas para homens, para mulheres. Não me arrependo.

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Sucesso na base da pentelhação

O sucesso de "Nós Vamos Invadir sua Praia", primeiro disco do Ultraje, lançado em julho de 1985, é um marco da retomada do rock brasileiro, que pôde enfim deixar o underground e ganhar as rádios e TVs do país. Amparadas por uma nova geração de ouvintes e um novo tempo de liberdade, nove das 11 faixas do disco entraram para a lista das mais pedidas na época.

A fórmula daqueles longínquos tempos consistia em rock básico e letras descontraídas, com humor juvenil que muitas vezes descambava para o puro espírito da "encheção de saco". O termo "bullying" não figurava nos nossos dicionários. "A gente começou tocando covers e, aos poucos, foi criando uma cena nas danceterias. A gente não fazia nada além de músicas e pensar em tocar, não em fazer sucesso".

Mesmo com a censura pulverizada, algumas emissoras relutavam em executar faixas como "Inútil", "Filha da Puta", "O Chiclete" e "Volta Comigo".

Desde o início a gente percebeu que atingia também um público infantil inesperado. Eu cresci com três irmãos e a gente tinha muita implicância entre nós. Minha mãe também era muito bem-humorada. Assistia aos seriados e tirava sarro do que acontecia.

Um dos grandes sucessos do disco, "Rebelde Sem Causa" nasceu da ideia de uma autoironia roqueira. "Apesar de eu ser um pouquinho mais velho que os outros integrantes, a gente queria falar de tudo que nos afligia na juventude e que a gente achava engraçado. Nunca achei que cagar regra era uma coisa legal. Era legal implicar. 'Rebelde sem Causa' é sobre aquele cara que tem tudo, que tem dinheiro, família, e ainda fica reclamando da vida."

"Nossa geração começou a lidar com as coisas mais numa boa, com pai hippie. Pai que falava: 'Toma o dinheiro, filho, vai ser roqueiro'. Meus pais absolutamente não eram assim. Mas tinha muita gente que era."

Longe das drogas desde 1983

Roger sobre Rogers

  • Roger Flores (comentarista)

    Outro dia um cara mandou perguntas de entrevista para eu responder por WhatsApp e disse: "Estou aqui com Roger Flores" (risos). Sei que ele é ex-jogador, comentarista, mas não tenho opinião formada sobre ele. Desconfio que tenha muito jogador chamado Roger hoje por minha causa (risos).

    Imagem: Reprodução
  • Roger Machado (técnico de futebol)

    Ouvi dizer que ele foi demitido do Palmeiras e tal. Vi várias manchetes engraçadas sobre isso. Vi uma, há pouco tempo, que era: "Palmeiras dedica vitória ao Roger". Aí eu coloquei no meu Twitter. "Comovido, muito engraçado" (risos).

    Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
  • Roger Moore (ator)

    Este é quase Roger Mooreira (risos). Eu assistia "Ivanhoé" com Roger Moore na TV. E depois o assisti como James Bond. Vivem me chamando de Roger Moore também.

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  • Roger Federer (tenista)

    Tenista, né? Não sou fã de tênis, mas conheço e sei que joga bem. "Sei que joga bem" (risos). Ainda bem que eu sei, né? (risos)

  • Roger Waters (ex-Pink Floyd)

    Ídolo. Teve uma época que só ouvia heavy metal, e comprei o disco da vaca do Pink Floyd. Pus o disco e fiquei esperando o ritmo, a coisa pesada. Eu não entendia aquilo. Mas acabei gostando e comecei a ouvir tudo. Do "Dark Side of the Moon" para frente, acho que ficou meio igual.

    Imagem: Reprodução
  • Roger Gobeth (ex-"Malhação")

    Quem? (risos) Tem outros Roger importantes da minha vida. O Roy Rodgers. Todo mundo me chamava de Rodgers na escola. Teve o Roger Ramjet, daquele desenho. Depois passaram a me chamar de Roger Rabbit. E tem o Buck Rogers dos quadrinhos também.

    Imagem: reprodução
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Como é que eu fico sem sexo?

Roger viveu com intensidade a tríade profana do sexo, drogas e rock and roll, principalmente antes dos 30, nos primeiros anos de banda. Naquela época, encontrar alguém para fornecer pó e/ou trepar era o menor dos problemas se você tinha uma banda de rock. Tudo aparecia sem você ter de pedir.

"Nossa ideia era muito baseada nos Beatles, ter integrante que tocasse e cantasse, o que acabou morrendo com o tempo. Mas a gente chegou a viver coisas iguais aos Beatles. Chegar em aeroporto com gritaria histérica e ter que sair escondido. Passar horas em uma tarde de autógrafo no shopping. No Mappin tiveram que passar a gente para o estacionamento uma vez", lembra.

E tinha a mulherada também, né? Naquela época era uma coisa fácil. Era mais ou menos: 'Você, vem cá'. A gente escolhia. Hoje o pessoal vem e diz: 'Ô, tio, minha avó é sua fã (risos). Essa rotina não faz mais parte da minha vida.

O que freou a sanha por esse comportamento, segundo Roger, foi a epidemia do HIV. "Eu falei: 'Pô, só agora que você me avisam, depois de transar tanto?' (risos). Mas foi pesado quando a Aids chegou. Lembro quando pintou, em 1986. No início diziam que só gay pegava. OK. Só que de repente não era mais assim. Fiz o teste e deu negativo. E dali em diante era camisinha sempre."

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Nem todo brasileiro que gosta de futebol gosta do Neymar

Fã de futebol ("Mas não tanto quanto pensam", ele ressalta), o são-paulino Roger torceu o nariz para o desempenho de Neymar na Copa do Mundo da Rússia. Como boa parte da imprensa e dos críticos, ele atribui o mau comportamento do craque do PSG à figura do pai, o ex-atacante Neymar da Silva Santos.

"Ele está claramente sendo mal administrado. Claro que é craque, que joga bem para cacete. Mas ele toma algumas atitudes muito mal pensadas. E esse tipo de coisa é muito dessas décadas de MTV pra cá. De se preocupar com imagem, ter assessor disso, daquilo. Antes o jogador ia lá jogar bola, e fim. Assim como era com os músicos."

"O cara vai à Copa, leva dois cabeleireiros e entra com um corte esquisitaço. E o brasileiro já é do tipo invejoso. Tom Jobim já dizia como é difícil fazer sucesso aqui. No jogo, os caras entravam e o Neymar, machucava. Tudo bem. Mas e aquela reação? Parecia que tinha levado facada no peito. Pegou mal. Agora ele está aí passando recibo. Acho bom dar essa chamada nele."

Seria Neymar, então, uma versão moderna do mimado da música "Rebelde sem Causa", do pai que se orgulha de ver o filhinho tão bonito?

Neymar teve infância e adolescência totalmente diferente da de todo mundo. O cara ganhava salário de R$ 40 mil no Santos com 12 anos de idade. Não foi uma vida muito sofrida, né? (risos) Brasileiro gosta dessas histórias de superação. Mas esse não é o caso dele.

Pânico de avião

A quem dedico hoje

  • "Inútil"

    Continua sendo para quem, inicialmente, a música foi feita: o povo brasileiro.

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  • "Eu me Amo"

    Dedico a mim. Continuo me adorando. (risos)

    Imagem: Lucas Lima/UOL
  • "Nada a Declarar"

    Vai para as músicas que fazem sucesso hoje. Acho que está tudo piorando. Só "bumbum pra cima", "senta aqui na minha piroca". Eu tinha um pouco mais de cuidado pra compor. (risos)

    Imagem: Manuela Scarpa/Brazil News
  • "Preguiça"

    Pensei em mim inicialmente. Mas acho que o brasileiro também é muito preguiçoso. Diz que não vai, mas, se for pra jogar bola, "me chama que eu vou". Essa preguiça pode ser de debates no Twitter também.

    Imagem: Reprodução/Twitter
  • "Pelado"

    Nem a Anitta está ficando tão pelada mais. Tem mais homem pelado. Vai para Pabllo Vittar.

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • "Sexo"

    Vai para o funk carioca.

    Imagem: Marcelo Brammer/AgNews

"Medo" de Cazuza

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"Gênio" do QI

Roger descobriu que tinha QI alto fazendo dois testes na juventude, antes e depois de entrar na faculdade de arquitetura, que largou para estudar música. Os resultados dos exames de inteligência: 166 e 172 pontos. Décadas depois, em 2001, ele conheceu lendo uma reportagem a Mensa Internacional, mais antiga e famosa sociedade de alto QI do mundo, e decidiu tentar o ingresso na organização. Foi aprovado com louvor. Ele estaria dentro do 1% mais inteligente da população mundial.

"Existem vários tipos de inteligência. No meu caso, eu sou muito curioso, e aprendo as coisas com muita facilidade. Inclusive acho que parte do meu sucesso vem disso. Eu gostava de música e fui procurar saber como o cara fazia música. Gostava de guitarra e fui procurar saber como ele tocava daquele jeito", explica.

"Basicamente, minha inteligência se resume a observação. Eu sou muito observador. E o lance do QI é basicamente perceber padrões. Tudo tem padrão. Padrão de comportamento, padrão geométrico. Vou percebendo esses padrões e os utilizando para fazer as coisas. Mas não tenho nenhum superpoder para melhorar a humildade (risos)."

(Quase) Desvendando o cubo mágico

Tem gente que pergunta: 'Se você é tão inteligente assim, por que não tenta descobrir a cura do câncer?' Sou músico, não médico. 'Ah, então por que você não é um virtuose da guitarra?' Porque não, não é o meu lance. Gosto de guitarra base. Não é assim que funciona.

Roger Moreira

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