Projota, o rapper da massa

MC falou de amor, cantou com Anitta, não escondeu dinheiro que ganhou e foi parar até em lata de refrigerante

Osmar Portilho Colaboração para o UOL
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Das batalhas às massas

Aos 32 anos de idade, José Tiago Sabino Pereira está bem distante das disputas de MCs que o consagraram como Projota -- venceu a Batalha de Santa Cruz quatro vezes e saiu vitorioso da Rinha dos MCs em três ocasiões. No entanto, o clima de disputa dentro do gênero e a gana, palavra que repete diversas vezes na entrevista dada ao UOL, seguem iguais ao do menino que fez suas primeiras rimas em Lauzane Paulista, bairro da zona norte de São Paulo.

Depois de despontar ao lado de Rashid e Emicida como nome forte do gênero, chamou atenção por contar histórias envolventes nas letras, como "A Rezadeira" e "Chuva de Novembro". Adepto do MySpace do Orkut nas primeiras apostas de divulgação, pegou carona na popularização do YouTube no Brasil e viu suas canções atingirem pela primeira vez a massa.

Dos caminhos que abriram em sua frente, Projota muitas vezes desafiou uma tradição silenciosa que existia no rap: falou de amor, colaborou com outros gêneros, não escondeu o dinheiro que ganhou e foi até parar em latinha de refrigerante. É claro que as críticas vieram. Mesmo que em menor peso, as caixas de comentários da internet sempre tinham sua cota de mensagens “Projota vendido”. Do outro lado, o rapper respondia em versos como em “Muleque de Vila”, que entrou na parada das mais ouvidas do Brasil: "Se quer falar mal, fala daí / Mas meu público grita tão alto que já nem consigo te ouvir".

Desde então, emplacou hits radiofônicos, como "Oh Meu Deus" e "Ela Só Quer Paz", e parcerias inusitadas para quem viu o rap como um gênero fechado em si, como em "Faz Parte", com Anitta, e "Linda", com Anavitória.

Mais do que popularizar o gênero, Projota ajudou a quebrar algumas barreiras importantes para a nova geração de rappers que começam a se estabelecer no trap e com uma liberdade lírica nunca antes vista no gênero.

As pessoas me perguntam: 'Quando você atingiu o sucesso?'. Cara, pra mim foi quando comprei meu Celtinha.

Projota

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"Eu nem sonhava em ter um computador"

Quando ainda morava no bairro de Lauzane Paulista, seus primeiros versos foram rabiscados ao lado de Rashid. O procedimento era complicado. Com o auxílio de um toca-fitas duplo deck, Projota tocava violão e gravava uma trilha por mais de quatro minutos. Por cima da mesma fita, Rashid fazia um beat-box. E só quando a fita entrava pela terceira vez no aparelho os dois podiam gravar suas vozes rimando.

Às vezes a gente batia a régua na caixa de sapato pra fazer a batida. Quando um computador chegou na minha casa a minha gana para produzir a minha música era muito grande

O microfone, um daqueles que vem junto com aparelhos de videokê, é guardado até hoje com carinho. “É meu troféu”.

Entre boa parte dos rappers que se destacam hoje, o ritmo de produção é diferente. Um mini-estúdio em casa com isolamento acústico e um computador com os programas apropriados são o suficiente para uma canção ser postada rapidamente no YouTube. Projota se lembra da sua rotina de canções lançadas ainda no MySpace. A divulgação era feita por meio duas plataformas já extintas: o messenger MSN e a rede social Orkut.

No Orkut tinha aquela questão que você só podia ter mil amigos. As meninas bonitas tinham vários perfis, Fulana 1, Fulana 2. E eu tive dez perfis. Dez Orkuts e eu divulgava um scrap pra cada pessoa. Dez mil scraps. Cada música que eu lançava, eu lançava dez mil recados. Entende essa gana? 

"Astro do rock"

Projota cita que tocava violão nas faixas embrionárias de rap feitas com Rashid. Saiba que sua principal influência na pré-adolescência, pouco antes das batidas tomarem conta de sua vida, vinham do rock. Legião Urbana, Guns N’ Roses e Aerosmith estavam entre suas bandas preferidas.

Aquele Tiaguinho queria ser um astro do rock. Ouço até hoje, mas ali eu só ouvia rock. Ele ia me falar: ‘Como você faz essas rimas aí mano? Como você foi parar aí?’

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"Ouço tudo, gosto de muitos"

Já estabelecido como rapper popular, Projota viu o trap ganhar força e se popularizar intensamente nas redes sociais. O trap de hoje deve muito ao rap que se libertou das amarras tradicionais. São batidas novas e melodias que não obedecem o flow tradicional, muitas vezes ganham até novas cores com auto-tune, programa de computador que corrige a voz. E principalmente, a possibilidade de abordar temas fora dos problemas sociais e também mostrar uma face ligada ao lifestyle. Projota está ligado em todo o movimento.

Choice é um menino supernovo, deve ter uns 19 anos e é um gênio. Djonga, Froid...e a Cynthia Luz que é fantástica. No trap tem um menino chamado Matuê que também é fantástico.

Outra questão importante para esse novo fôlego que traz o trap é o fato de os nomes virem de lugares diferentes do Brasil, muitas vezes bem longe do tradicional eixo Rio-SP. "É uma geração incrível e não é tão focada em São Paulo e nem só no Rio também. Inicialmente foi só em São Paulo, aí a minha geração foi dividida em Rio e São Paulo e alguns espalhados. Hoje, não. Eu não citei ninguém de São Paulo. Tem gente de Belo Horizonte, de Brasília...a galera vem de todo o lugar".

"Eles podem falar qualquer coisa"

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"A gente não tinha coragem"

Projota sempre enaltece sua caminhada -- "saboreei cada degrau" --, mas nitidamente enxerga um potencial nesta geração de poder falar mais abertamente sobre questões que nem sempre estiveram no foco do rap. "É mais ou menos a sensação que a gente teve em comparação com a geração anterior. Eles têm essa sensação com a nossa. Eles podem falar qualquer coisa. Coisas que a gente não tinha coragem de falar. Você fica um pouco engessado dentro daquilo. Agora eu estou com 32 anos. Talvez com os 20 anos que eles têm hoje, eu tivesse vontade de falar algumas coisas que não podia falar no rap não".

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"Não podia falar de dinheiro"

A ostentação ou até mesmo o simples fato de ganhar dinheiro com o rap nem sempre foi bem visto dentro do gênero. "A gente não podia nem falar sobre dinheiro. Quando a gente falava vinha um discurso que a gente tinha aprendido que 'dinheiro é ruim' ou 'cuidado com dinheiro'. Eu sentia isso dentro de mim. Quando eu falava sobre dinheiro era porque eu não podia ter. Eu nem sonhava que poderia ter. Ninguém ganhava dinheiro com rap e eu tinha escolhido como minha profissão. Hoje eu tenho dinheiro. Outros caras têm dinheiro. Então essa geração que chega pensa: 'Eu posso ganhar dinheiro cantando rap'".

Projota mostra três sons que tocam sempre no seu celular

"Sucesso foi quando comprei meu Celtinha"

Projota é elogioso ao falar dos nomes do trap, mas enche o sorriso quando fala da sua geração e da pureza que via em todo o processo.“Quando eu comecei a cantar rap, uma coisa que sinto de diferente é que era puro demais. E isso que é especial da nossa geração. Você fazia aquilo só por amor. Não que a nova geração não ame o que faz, eu tenho certeza que eles amam. E inclusive admiro o trabalho deles. Mas nossa geração era só amor”.

A gente não recebia nada de volta que não fosse o reconhecimento, o barulho da plateia. Era só isso.

Nesta época, sua maior ambição era sair da casa dos pais com o dinheiro dos shows, “pagar as continhas e ter um carrinho”. “As pessoas me perguntam ‘quando você atingiu o sucesso?’. Cara, pra mim foi quando comprei meu Celtinha. Eu tinha amigos que trabalhavam em escritório e eram remunerados mensalmente e eles podiam ir lá, abrir um financiamento e comprar o carro. Eu não. Comprei um Celta em 60 vezes. Não tinha ar e nem direção, e eu me sentia o cara mais incrível do mundo. Me senti um vencedor. O que eu almejava com outra profissão, eu consegui [com o rap]. Tipo o sonho brasileiro”.

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"Tem menino de 17 anos vivendo de rap"

Para Projota, uma cilada que os novos MCs podem cair é justamente a tentação de entrar no rap com o foco apenas no sucesso financeiro. “Eu acho delicada essa questão. Se você começar a cantar rap por causa do dinheiro você perde essa pureza que tinha antes. A razão é outra, né? Você pode querer ganhar dinheiro e fazer por amor. Eu também sou assim. Na minha época, como a gente não tinha como crescer financeiramente com o rap, era algo muito visceral e muito puro. Uma gana”.

O rapper não esconde que o caminho trilhado por ele, Emicida e outros pode acabar criando uma ilusão errada da carreira como MC. “A gente tava na lama de verdade. Você tinha que cavar no túnel. Hoje quando um menino começa a cantar rap ele entra no túnel vendo a luz lá no fim e ele vai ter que correr pra chegar lá. A gente não via luz”.

O rap trouxe a liberdade financeira para Projota quando ele tinha entre 23 e 24 anos. Os nomes atuais do trap, e mais aqueles que surgem a todo instante, beiram os vinte anos de idade. “E hoje a gente tem menino de 17 anos vivendo de rap. E vivendo bem. Um dos meninos da 1Kilo fez 18 anos outro dia. E os meninos bombado fazendo show no Brasil inteiro”.

“Eles têm uma vantagem hoje que a cada ano que passa a técnica evolui, a lírica, a forma de criar os flows. Isso dá a oportunidade pra eles de fazer o rap baseado em muitas coisas. Muito mais no que a gente tinha. A gente era baseado em uma geração, e hoje eles têm duas”.

E Projota não se incomoda de carregar essa responsabilidade de ser esse elo entre o rap dos anos 90 com a geração atual. “O que eu fiz, Emicida, Rashid, Flora Matos, Karol Conká, Marechal, Mano Brown, MV Bill, Gabriel O Pensador, Marcelo D2...o que todos esses fizeram permitem que um menino de 15 anos hoje possa viver de rap”.

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"Eu não sabia que tava mal"

Projota é um cara sorridente e que emana positividade em suas letras. Talvez justamente por isso tenha demorado um pouco para perceber que estava passando por um período de depressão em 2016. Afinal, como poderia estar triste meio ao sucesso que vivia? Mas aconteceu. O rapper se trancou em seu apartamento e se isolou.

Eu não sabia que tava mal. Tinha show pra fazer e eu ia cabisbaixo, sabe? Aí eu comecei a me sentir triste, uma solidão. Tava morando sozinho no centro em São Paulo num  apartamento e comecei a sentir que as coisas estavam erradas

A virada começou com uma mensagem no seu grupo de WhatsApp: “Rapazeada, não tô bem. Preciso de vocês”. Projota foi buscar forças nos amigos e na família. Comprou um apartamento na zona norte para ficar mais próximo.

Minha avó morava na rua de trás. Comecei a me revigorar

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"O rap abraça"

Além da família, a volta por cima de Projota foi motivada também pela sua paixão de adolescente.

Eu comecei a ouvir esse meninos e pensava: ‘Esses moleques são bons. Quero fazer também. Quero mostrar pra eles que eu sou bom também’

O gênero nasceu justamente das batalhas entre os MCs, uma disputa de rimas improvisadas que motiva o outro a ter uma resposta ainda mais incisiva e técnica. "O rap tem uma disputa super sadia. E quando você vê um cara fazendo um rap foda, você fala ‘quero fazer um rap melhor que o seu’. Isso acontecia comigo, Rashid e Emicida quando a gente trabalhava no mesmo coletivo. Isso me ajuda, me dá mais gás. O rap se abraça".

Visto como essa ponte do antigo e novo, escorado pela primeira geração do rap e de olho nesses "meninos", Projota diz que "tudo aconteceu devagar" pra ele, no tempo certo.

Eu nunca subi dois degraus na vida. Eu canto rap há dezesseis anos, vivo do rap há nove anos...é muito tempo. As pessoas passaram a ouvir falar de mim há três, quatro anos. Foi difícil pra caramba, mas foi uma delícia.

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