Antes de comandar o grupo de rap mais importante do país, Eliane cuidou de crianças quando ainda era uma delas, descobriu que ajudante-geral era um "serviço do cão", operou máquinas, limpou casas, costurou fantasias de super-heróis e entendeu de forma direta o assédio sexual quando desfilou como manequim.
O ritmo de trabalho era intenso porque ela queria continuar a estudar. "Minha mãe disse que ia comigo até ali. E 'até ali' era a oitava série. Se eu quisesse estudar dali pra frente, eu tinha que me virar".
Filha de Maria Aparecida Dias, uma doméstica que foi colocada para fora de casa ao aparecer grávida, Eliane cresceu no Jardim Ubirajara, zona sul de São Paulo, em um ambiente em que a estabilidade e o equilíbrio eram inexistentes. Chegou a perder a casa onde morava e pulava de residências de "tia a tia".
Essa história poderia ser contada através de um beat triste, tal qual aquele "blues antigo" que Brown e milhões de brasileiros cantam em "Vida Loka", uma das músicas mais pungentes dos Racionais, mas ela prefere narrar em outro tom:
Não tenho nenhuma infelicidade por ter passado por isso. Sou uma pessoa iluminada. O primeiro livro que tive, eu peguei do lixo e não tinha ninguém ali para dizer: 'Não pega'.
O livro em questão era "Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras a ser publicada no Brasil, nos anos de 1950. Catadora de papel e moradora da favela do Canindé, em São Paulo, Carolina usava os cadernos que encontrava no lixo para escrever sobre seu cotidiano. Sem saber, Eliane repetiu o gesto decidida do que seria: "Eu tinha 9 anos e queria entender o que estava escrito ali. Me falaram que advogado entendia".
Formou-se em 2008, já mãe de dois filhos (Jorge, 22, e Domênica, 19, nomes escolhidos em homenagem a Jorge Ben). Levou tempo para concluir a faculdade, e com motivo: "Eu que pago minhas coisas, eu não tenho que pedir para ninguém pagar para mim", diz, preocupada com o MBA no qual ela se matriculou e "levou pau" em uma das matérias. "Tá puxado. Só de pensar que eu tenho que pagar de novo...".
Hoje ela ostenta a carteirinha da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] com orgulho, assim como o diploma pendurado à altura do seu rosto na sala da Boogie Naipe, produtora que fundou com Brown em 2013 para gerir a carreira do marido e dos Racionais.