O reino do brega-funk

Na voz de um pequeno príncipe de 11 anos, o ritmo que já domina no Nordeste quer imperar no Brasil

Tiago Dias Do UOL, em São Paulo
Gabo Morales/UOL

A única preocupação de MC Bruninho na manhã daquela quarta-feira de junho era com o relógio. O corpo pequeno do garoto de 11 anos escorregava na cadeira do estúdio da GR6, em São Paulo, uma das principais produtoras de funk do país. Do lado dele, o pai avisou que faltava mais de 1 hora para ir à escola. "Então dá para jogar videogame antes", comemorou.

O jovem cantor de Recife (PE), agora radicado em São Paulo, é dono da música mais tocada nas plataformas digitais no último mês: a romântica "Jogo do Amor". Só no YouTube são mais de 130 milhões de execuções.

A voz afinada e a carinha angelical foram irresistíveis. Em pouco tempo (pouco mesmo: há seis semanas), a música virou sensação nas baladas, bailes, paredões e festinhas infantis, e deu a Bruninho a alcunha de "príncipe romântico".

"Jogo do Amor" ressoou até na Rússia pelos fones de ouvido de Neymar. O jogador apareceu ao lado de Gabriel Jesus ouvindo o batidão na concentração da seleção em plena Copa do Mundo. A partir daí, a música entrou na lista dos virais globais do Spotify, ajudando a disseminar ainda mais a febre do brega-funk em todo o país.

Príncipe romântico

Qualquer turista que chega hoje a Recife pode até ser recepcionado com frevo no aeroporto, mas nas ruas da capital pernambucana o que se ouve mesmo é uma levada mais acelerada e suingada.

Há dois meses, quando Bruninho bateu em sua porta, o DJ Batidão Stronda sabia que tinha nas mãos um potencial hit. "O menino é afinado demais. A letra também é muito bonita. Com aquela batida, ia cair na boca do povo", explica o produtor de 20 anos, dono de alguns beats que circulam nas ruas.

Bruninho, que na verdade se chama Richardson Barbosa, cresceu acompanhando o pai sambista, Joelson, nas rodas em Recife. Logo começou a batucar no pandeiro e no tantan, mas descobriu que queria mesmo era cantar no momento em que o pai colocou Michael Jackson para tocar em casa.

O carisma do garoto já havia sido detectado há algum tempo, quando gravou vídeos institucionais para a Compaz, centro comunitário da capital pernambucana, onde o pequeno fazia cursos após a escola. Mas a família só acreditou mesmo quando Bruninho apareceu com alguns versos escritos no caderno.

Era o rascunho de "Jogo do Amor", que ele escreveu após assistir a uma cena marcante na novelinha infantil "Carrossel".

Eu vi uma menina desprezando um menino", resume, envergonhado.

A cena mostrava Cirilo esnobado por Maria Joaquina.

Bruninho ouve o pai revelar a inspiração. E se afunda ainda mais na cadeira.

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A música ganhou um tapa do cantor Dodô Pressão, hitmaker e empresário conhecido como "Trator da Bregadeira", e lançada no canal do produtor Mano Djhay, espécie de plataforma de divulgação do brega-funk de Recife.

Menos de 48 horas com a música no ar, Bruninho já ouvia a própria voz na lojinha de doces na vizinhança. Uma semana depois, conquistava um contrato com a GR6 e arrumava as malas para se mudar para São Paulo ao lado do pai, não sem antes encarar uma conversa séria. Joelson conta:

Eu disse que aquilo ia mudar a vida dele e a minha. Mostrei o quintal [de casa] com os brinquedos e disse: 'Você vai cantar pra muitas pessoas. É isso mesmo que você quer?'.

Decidido, Bruninho confirmou.

A agenda já estava pronta antes mesmo de o garoto desembarcar na capital paulista. Nos primeiros dias, gravou uma versão de "Jogo do Amor" com a sertaneja Naiara Azevedo, preparou uma nova música ("Você me Conquistou", com clipe previsto para sair nesta quarta-feira) e uma parceria com MC Livinho. Até Wesley Safadão procurou Bruninho de olho em um 'feat'. As apresentações ao vivo começam no próximo mês.

Em Recife, a fama é tanta que o garoto não consegue andar no calçadão de Boa Viagem sem ser abordado por crianças e adultos. Na nova escola, ele também não consegue escapar dos pedidos dos coleguinhas por autógrafos. "Já tomei uma ficha (advertência) por causa disso", diz.

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Migração de batidão

A mudança de Bruninho para São Paulo é só mais um reflexo da alta procura pelos batidões produzidos no Nordeste.

No início do ano, MC Loma, uma pernambucana de 15 anos, bombou nas redes sociais ao gravar o clipe de "Envolvimento" na casa de uma vizinha e, antes mesmo de ser reconhecida na rua, já estava contratada pela produtora paulista Start Music. 

"Envolvimento" foi o hit do Carnaval e fez colar expressões como "cebruthuis" e "escama só de peixe" no vocabulário das redes sociais. Animada com os milhões de visualizações que cada clipe de Loma soma sem dificuldades, a produtora agora aposta em outro nome conhecido em Recife, MC Elvis. Enquanto isso, outro nome bombado da cena, Dadá Boladão, assinava com a Sony Music, e escrevia a canção "Revoltada", gravada por Ivete Sangalo e Solange Almeida.

À frente da GR6, o gerente Magrão passou uma semana em Recife para entender a febre. "Fui em baladas tipo A, B e C. Em São Paulo, você vê as pessoas conversando, mas ali não, era todo mundo dançando". Voltou com Bruninho e os DJs DG e Batidão  Stronda no 'casting' da empresa. E prevê: "Quando isso pegar mesmo aqui... nossa".

Além de migrar os talentos, a produtora pretende expandir seus negócios no Nordeste. "Tem muito talento lá, 'cê' é louco".

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Cebruuuuthius

Foi em janeiro deste ano que Paloma Roberta, a MC Loma, e as gêmeas da Lacração Mirella e Mariely bateram na porta do estúdio do DJ DG. O sonho da garota era gravar uma música feita entre elas, mas não tinha como bancar os R$ 250 cobrados pela sessão.

Do outro lado da mesa estava o produtor de 23 anos, famoso no circuito brega-funk ao introduzir no ritmo elementos da música eletrônica, seu principal foco quando resolveu deixar a lojinha de conserto de celular para se dedicar à música.

A espontaneidade e o humor das garotas foram o bastante para DG bancar "Envolvimento" na faixa. Com uma condição:

Falei na brincadeira: 'Se a música estourar --a gente nunca sabe, né?-- diga que é brega-funk. Morra com esse nome. Porque, querendo ou não, é sua origem'

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Mas, afinal, o que é o brega-funk?

É impossível falar sobre brega-funk sem citar o movimento do brega romântico pernambucano --e isso vai muito além de Reginaldo Rossi.

Assim como o arrocha da Bahia, o forró eletrônico do Ceará e o tecnobrega e o calypso do Pará, o ritmo traduziu na estética do maloqueiro apaixonado o que a periferia dizia e sentia.

A produção crua, muitas vezes versões de hits internacionais, fez nascer uma verdadeira indústria informal no Estado.

A disputa entre produtores e artistas, que se multiplicaram aos montes nos últimos anos, acirrou ainda mais os lançamentos e estimulou experimentos com ritmos dos vizinhos, como o batidão romântico, que tem em Aldair Playboy seu principal representante.

O gênero que cresceu em João Pessoa (PB), onde os paredões comem soltos, com grave sempre pulsante nas caixas de som, tem cada vez mais se misturado à levada pernambucana. "Hoje já não dá mais para separar, é tudo a mesma coisa", observa  Stronda.

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A chegada do funk paulista e carioca, e a onda da putaria e da ostentação, foram naturalmente incorporados ao som, que ganhou ainda mais velocidade. "Vieram outros MCs com esse negócio de 'quica, desce, sobe' e começou a agitar ainda mais o negócio", observa Stronda.

O grave da batida e a guitarra e o baixo pulsantes, emulados no teclado, fizeram o movimento contrário. Rapidamente, o funk do Sudeste começou a abraçar o brega-funk, sendo assimilado também nos hits de Pabllo Vittar e no single "Privê", estreia solo de Matheus Carrilho, da Banda Uó. MC G15, por exemplo, é um dos funkeiros de São Paulo que prepara a próxima música na levada pernambucana.

"Hoje, em qualquer casa de show, seja casa de rico ou de pobre, tem que tocar brega funk", afirma Stronda.

O produtor de 20 anos começou a produzir músicas em um quartinho em sua casa, inspirando-se no levante funkeiro do Sudeste. "Mas percebi que não estava dando em nada. Quando chegou, o funk era até que forte. Até começar o brega", ele conta, antes de dar um tapa no cabelo, nos corredores da produtora.

Além do corte cheio de estilo, ele se demonstra animado com as portas abertas em São Paulo. 

"O brega-funk era visto como coisa de maloqueiro, de marginal. Minha família mesmo, quando comecei a produzir, disse: 'Isso é coisa de noiado'. Hoje é um orgulho estar aqui.

6 hits para embarcar no brega-funk

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