Um capitão no Planalto

Embalado por antipetismo, Jair Bolsonaro chega à Presidência com missão de "dar um jeito no país"

Luciana Amaral e Eduardo Militão Do UOL, em Brasília
Arte/UOL

A ascensão do "Mito" ao poder

Foi uma campanha bem-sucedida: Jair Messias Bolsonaro, 63, repetiu à exaustão seus bordões: tolerância zero com a corrupção, críticas fortes à esquerda e ao PT, defesa dos valores familiares conservadores e maior liberdade para a polícia agir sem ser punida por excessos em operações, com espaço garantido para o "cidadão de bem" e ações pelo bem do Brasil.

Neste domingo (28), Bolsonaro foi eleito com 55,1% dos votos.

Depois de sete mandatos como deputado federal, Bolsonaro, ou o "Mito", como seus seguidores gostam de chamá-lo, ganhou a eleição ao embalar-se como novo e colocar-se como o candidato que vai enfrentar o velho sistema político. Nos anseios de seu eleitor, com sede de mudança e cansado de um sistema político que se desgastou com casos de corrupção, o militar é o melhor nome para dar um jeito no país.

O cansaço contra a corrupção, o desgaste da política tradicional, a descrença de grande parte da população no PT, desejo de ordem e valorização da família são alguns dos ingredientes que provavelmente em algum momento passaram pela cabeça de eleitores que digitaram 17 na urna e elegeram o candidato que usou o slogan "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Escolhido pelo povo, o capitão da reserva do Exército vai assumir a partir de janeiro um país em crise econômica, com as contas públicas no vermelho, quase 13 milhões de desempregados, PIB com previsão de crescimento de apenas 1,4%, e com elevados índices de violência -- foram mais de 63 mil homicídios em um ano. 

Ele terá também o desafio imediato de pacificar o país. Mesmo com a vitória, mais de 47 milhões votaram no candidato do PT, Fernando Haddad, e o clima da disputa deixou um ar beligerante entre seguidores dos dois candidatos. Amigos, colegas de trabalho e famílias brigaram por divergências de voto durante a campanha. Militantes políticos ligados a diferentes posições entraram em clima de guerra nas redes sociais e não faltaram provocações nas ruas, com muitos casos de agressividade verbal e até violência física.

Algumas declarações suas e de seus aliados sobre o tratamento a instituições da Justiça, à imprensa e a direitos dos cidadãos durante a campanha levaram a reações de críticos seus sobre possíveis ameaças à democracia, Como presidente da República e diante da missão de governar para todos, Bolsonaro também precisará abrir diálogo com o Congresso Nacional e com o Judiciário. Nos últimos dias de campanha, Bolsonaro tentou moderar o discurso sobre propostas consideradas mais polêmicas e prometeu respeitar a Constituição e preservar os direitos dos cidadãos.

Bíblia e Constituição: como foi a primeira fala do presidente eleito

O discurso do vencedor

Não podemos mais flertar com o socialismo, comunismo e o extremismo. Somos os grandes vencedores desse pleito. Queremos seguir os conhecimentos de Deus ao lado da Constituição

Jair Bolsonaro, em primeiro discurso após ser eleito e comentar o resultado do segundo turno, em live pelo Facebook

O que dizem os eleitores de Bolsonaro

"PT é o câncer, e Bolsonaro, a quimioterapia", dizem apoiadores

Reuters - 7.out.2018

O que determinou a vitória de Bolsonaro

Antonio Augusto / Câmara dos Deputados - 14.jun.2016 Antonio Augusto / Câmara dos Deputados - 14.jun.2016

Conservador, com orgulho

Em abril de 2016, no voto a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), Jair Bolsonaro ainda costurava a candidatura à Presidência, mas já tinha na ponta da língua o discurso que manteve em boa parte da campanha.

"Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim", declarou à época.

Conservador, Bolsonaro trouxe a pauta dos valores morais de volta à eleição -- e encontrou identidade em boa parte do eleitorado.

Na esfera moral, Bolsonaro afirma ser preciso implementar os preceitos do movimento Escola Sem Partido. Pela iniciativa, professores não poderão expressar preferências político-partidárias, ideológicas ou religiosas em sala.

O combate ao que ele chama de "ideologia de gênero" e à educação sexual nas escolas também consiste em pilar fundamental da moralidade defendida por Bolsonaro. Os tópicos foram protagonistas dos maiores embates entre o presidente eleito e o petista Fernando Haddad. Na campanha, o presidente eleito acusou Haddad de planejar distribuir a cartilha “escola sem homofobia” quando ministro da Educação, que Bolsonaro e aliados chamaram de "kit gay".

O material didático havia sido produzido por organizações do terceiro setor para coibir a discriminação e nunca chegou a ser aprovado ou distribuído nos colégios. A despeito das negativas e explicações de Haddad quanto ao propósito da cartilha, o kit se tornou um dos emblemas do discurso de Bolsonaro em defesa da família heterossexual tradicional.

Outro tema caro ao seu eleitorado conservador é o aborto -- Bolsonaro afirmou ser contra a interrupção da gravidez.

O discurso de moralização da sociedade foi presença constante em sua campanha.

Família e religião

Bolsonaro se declara católico, mas frequenta cultos evangélicos há mais de 10 anos e teve o casamento com a atual mulher, Michelle de Paula, celebrado pelo presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, pastor Silas Malafaia.

Jair é casado com Michelle, cerca de 25 anos mais nova, desde 2013 e tem cinco filhosquatro homens e uma mulher. Três filhos são da união com a primeira mulher, Rogéria Nantes Nunes Braga, e seguiram o pai na política.

O quarto, Renan Jair Bolsonaro, o mais novo, é fruto da união estável de Jair com Ana Cristina Siqueira Valle. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, em 2011, ela teria fugido com Renan para a Noruega após ameaças de morte de Bolsonaro. Hoje, Ana nega o relato registrado em documento do Ministério das Relações Exteriores.

A filha caçula de Bolsonaro é Laura, do casamento atual com Michelle. Ela tem oito anos recém-completados e mora com os pais em casa de condomínio de luxo na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

O presidente eleito é próximo de lideranças de denominações neopentecostais e se cercou de colegas evangélicos, como Marco Feliciano (Podemos-SP) e Magno Malta (PR-ES). Ao longo da campanha, recebeu apoio oficial de Malafaia e Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. Bolsonaro também visitou a igreja batista da mulher e reforçou o compromisso com a população cristã por meio de citações bíblicas, além da menção a Deus no próprio slogan de campanha.

Gustavo Lima - 09.set.2015/ Câmara dos Deputados Gustavo Lima - 09.set.2015/ Câmara dos Deputados

"Meu partido é o Brasil"

“Meu partido é o Brasil”. A frase estampava a camiseta que Jair Bolsonaro usava no dia em que sofreu um atentado a faca, em setembro, e foi adotada como mantra por seus seguidores em manifestações pelo país.

Ao se desvincular de um partido e apostar no nacionalismo, Bolsonaro surfa na onda de descrença com a classe política.

Motivos não faltam: na Operação Lava Jato, pelo menos 140 pessoas foram condenadas em primeira instância desde 2014, segundo o Ministério Público Federal. Muitas eram do PP, partido a que Bolsonaro foi filiado até 2016.

A percepção da corrupção vem piorando: em 2017, o Brasil ficou em 96º lugar entre 180 países no ranking elaborado pela Transparência Internacional – pior resultado nos últimos cinco anos.

Bolsonaro despontou como personagem antissistema nos protestos de 2015 e 2016, que culminariam no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Entre pedidos de selfie, já era chamado de "presidente" por parcela dos manifestantes. Desde então, soube aproveitar um vácuo de poder causado pelo derretimento das principais lideranças do PT e PSDB – partidos que polarizaram as eleições presidenciais desde a redemocratização – em meio a escândalos. Ele consolidou o discurso contra malfeitos na administração pública e se vendeu como agente de mudança ao establishment político.

Em falas, destaca não ter sido acusado de receber propina ou alvo de delatores – mas um de seus aliados mais próximos, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), confessou ter recebido caixa 2 do frigorífico JBS. Na campanha de 2014, Bolsonaro recebeu doação de R$ 200 mil da Friboi, empresa do grupo JBS. Ao saber da origem do montante, devolveu o dinheiro ao partido – na época, o PP.

O que o diz o programa de governo

Um dos principais pilares do discurso do presidente eleito é o combate à corrupção. 

No programa de governo entregue ao TSE, Bolsonaro afirma que o "Brasil precisa se libertar dos corruptos" e diz ser necessário "tolerância zero com o crime, com a corrupção e com os privilégios". Outro trecho classifica a transparência e o combate à corrupção como "metas inegociáveis".

Propostas de Bolsonaro para o setor incluem a retomada do projeto "10 medidas contra a corrupção" no Congresso – parte aprovada aguarda votação no Senado –, "desaparelhar" as estruturas federais com o fim de indicações políticas, cortar o número de ministérios, apoiar a Operação Lava Jato, levantar sigilo de transações do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a adoção do "orçamento zero", em que gestores têm de justificar a demanda por recursos.

Igo Estrela - 22.mar.2017/Estadão Conteúdo Igo Estrela - 22.mar.2017/Estadão Conteúdo

Armas contra a violência

Cerca de 63 mil assassinatos são cometidos no Brasil todo ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de homicídios subiu para 30,8 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes entre 2017 e 2016. O Rio de Janeiro está sob intervenção federal desde o começo do ano e a Força Nacional foi acionada por vários estados do país neste ano.

A segurança pública – ou falta dela – é preocupação cotidiana. E é aí que reside um dos pontos fortes de Jair Bolsonaro.

Integrante veterano da chamada “bancada da bala”, grupo de parlamentares defensor de maior liberdade no comércio de armas e de restrição de direitos para investigados e condenados, o deputado aumentou o calibre desse discurso na campanha.

O tiro na pauta de segurança foi certeiro. Segundo pesquisa Datafolha divulgada no meio do segundo turno, 64% consideram Bolsonaro o mais preparado para combater a violência, contra apenas 26% que avaliavam Haddad mais apto para a tarefa. Mesmo na fatia do eleitorado que vota no petista, 25% apontam seu adversário como o mais apto para lidar com a questão da violência.

Fazer o gesto de arma com as mãos foi um dos motes de sua campanha. O candidato chegou a ensinar crianças, como um garoto em Araçatuba (SP), a simular um revólver com os dedos. “Você sabe atirar? Você sabe dar tiro? Atira. Policial tem que atirar”, afirmou Bolsonaro à criança, que estava em seu colo com um uniforme da Polícia Militar.

A crise de segurança pública fez os eleitores ignorarem o apoio que o candidato fez, no passado, a grupos de extermínio que ele mesmo reconheceu como “ilegais”. Este ano, Bolsonaro recuou: “Nós [a candidatura Bolsonaro] abominamos a tortura”, afirmou em entrevista nesta campanha.

Outro símbolo da campanha foi a criação de um novo grupo parlamentar – a “bancada da bala” passaria agora a ser chamada de “bancada do fuzil”, como sugeriu o deputado federal eleito General Sérgio Pertenelli (PSL-SP).

Na campanha, Bolsonaro defendeu "reformular" o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. A lei atual exige que o cidadão apresente uma declaração dizendo qual é o motivo pelo qual ele deseja comprar uma arma e essa justificativa deve ser analisada por um delegado da Polícia Federal. A proposta do presidente eleito fala que é preciso mudar o estatuto para “para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros”. A negociação está adiantada e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, sinalizou que pode votar o assunto após o segundo turno.

O programa do novo presidente ainda defende que policiais tenham "excludente de ilicitude" quando matarem criminosos enquanto estiverem em ação – não há detalhes de como seria isso.

O programa de Bolsonaro defende ainda reduzir a maioridade penal dos 18 para 16 anos, podendo encarcerar adolescentes que cometem crimes fora de unidades de ressocialização. Em vez disso, iriam para presídios, junto com os maiores de idade.

Diego Vara - 30.ago.2018/Reuters Diego Vara - 30.ago.2018/Reuters

Um candidato digital

Em agosto, militantes do PCdoB assistiam aliados de Jair Bolsonaro serem homenageados em premiação para os melhores parlamentares em Brasília junto com representantes da esquerda. Nos fundos do evento, admitiam à reportagem do UOL: o candidato do PSL era um mestre da comunicação com as massas, assim como Luiz Inácio Lula da Silva, àquela altura já preso.

A força da internet na campanha mostrava-se já ali: em votação pela web, vários bolsonaristas colheram troféus do Prêmio Congresso Em Foco.

Parte fundamental da comunicação que Bolsonaro empreendeu foi sua forte presença nas redes sociais. Apesar de ter apenas oito segundos de televisão no horário eleitoral do primeiro turno, a estratégia digital foi muito superior à dos concorrentes.

Em vez de falar com a imprensa e dar entrevistas coletivas, Bolsonaro preferiu fazer transmissões de vídeo ao vivo pelo Facebook de sua casa, na Barra da Tijuca. Depois da facada sofrida e com a estratégia de fugir dos debates no segundo turno, o método se intensificou. E deu certo.

Para os professores de marketing digital Marcelo Vitorino e Fábio Malini, Bolsonaro acertou porque começou sua campanha digital bem cedo, a partir do final de 2014. Àquela época, já contava com a coordenação de um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Para Vitorino, outro fator é que o presidente eleito foi o único que elegeu uma plataforma conservadora, em vez da social ou da liberal. “Não sei se fiz isso por estratégia ou porque ele é conservador”, disse Vitorino em entrevista ao UOL. De toda forma, Bolsonaro ficou sozinho nesse “nicho” e ainda se apresentou com a antítese de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Malini, que é coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), entende que Bolsonaro é “o primeiro presidente eleito pela internet no Brasil”. O ataque a faca ainda catapultou a atuação do futuro presidente, diz ele.

À semelhança do petista, Bolsonaro sabe se comunicar com as massas. “Ele fala exatamente o que está na cabeça de um razoável número de eleitores”, considera Vitorino. As campanhas contrários ao pesselista na internet ainda o ajudaram a mais ficar conhecido. Como há muitas pessoas que não gostam da deputada Maria do Rosário (PT-RS), por identificá-la como uma suposta defensora de criminosos, Vitorino entende que os vídeos que revelam que Bolsonaro ofende a parlamentar, ironicamente lhe deram mais votos.

Para Malini, Bolsonaro foi beneficiado pela rede de WhatsApp criada por grupos como “Vem Pra Rua” e Movimento Brasil Livre. De acordo com o professor, os mesmos grupos que apoiavam o impeachment se converterem em grupos pró-Bolsonaro, principalmente no segundo turno quando outras opções à direita estavam fora da disputa.

A mesma ferramenta que o elegeu foi motivo de dor de cabeça na reta final da campanha, com as suspeitas de uso irregular de um esquema de disparos de mensagens em massa a eleitores com propaganda pelo WhatsApp, que está sob investigação da Procuradoria-Geral da República e do Tribunal Superior Eleitoral.

A votação de Bolsonaro e Haddad pelo Brasil

Arte/UOL

"Tudo na forma da lei"

A forma de mudarmos o Brasil será através da defesa das leis e da obediência à Constituição. Assim, novamente, ressaltamos que faremos tudo na forma da lei! Qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não pode ser admitida. Todo cidadão terá seus direitos preservados

Jair Bolsonaro, no Twitter, na véspera do segundo turno da eleição

Sergio Lima - 1.abr.2014/Folhapress

O que vem por aí

Quais promessas marcaram a campanha do PSL

  • Emprego: carteira de trabalho "verde e amarela"

    Bolsonaro promete criar uma carteira de trabalho "verde e amarela" de adesão voluntária para jovens que estão ingressando no mercado de trabalho. Pelo modelo, os jovens poderão optar por vínculo empregatício pelo modelo jurídico em vigor (carteira azul) ou pela nova carteira "verde e amarela" em que o acordado prevalece sobre a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Após a reforma trabalhista, a legislação atual já permite que acordos tenham prevalência sobre a lei para alguns pontos, como home office e trabalho intermitente. No entanto, só podem ser firmados por meio de acordos coletivos ou convenções. A proposta de Bolsonaro é que o trabalhador também tenha esse poder individualmente desde que direitos constitucionais sejam respeitados. Na prática, 34 direitos trabalhistas são garantidos pela Constituição Federal e, dessa forma, não seriam alterados. Por exemplo, salário mínimo, seguro-desemprego, FGTS, 13º salário, férias remuneradas, repouso semanal remunerado, licença-maternidade e aposentadoria. Se considerados esses direitos e se Bolsonaro mantê-los, não haveria mudanças significativas nas relações de trabalho. O programa de governo apresentado pelo candidato não detalha como a nova carteira seria criada. O economista Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, já disse à imprensa que o documento seria "político". Bolsonaro afirmou que o trabalhador um dia teria de escolher entre "menos direitos e (mais) emprego ou todos os direitos e desemprego", mas sem cortar as prerrogativas existentes. Para especialistas, no caso da adoção de contrato de trabalho ao largo da CLT, pode haver conflitos jurídicos e, em última instância, a carteira ser julgada inconstitucional pelo STF. Caso sejam feitas mudanças nas leis trabalhistas, Bolsonaro precisará do suporte do Congresso para alterar a reforma trabalhista e a própria Constituição.

  • Educação: Escola Sem Partido

    O programa de governo do presidente eleito afirma que "um dos maiores males atuais [da educação] é a forte doutrinação". Bolsonaro defende o movimento Escola Sem Partido, que prega uma escola apartidária -- sem manifestações ideológicas, políticas, religiosas e sexuais de professores. O projeto tramita em diversas câmaras municipais e assembleias legislativas pelo país, sendo Flávio Bolsonaro responsável por apresentá-lo no Rio de Janeiro em 2014. Projeto para incluir o Escola Sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional aguarda ter tramitação retomada na Câmara dos Deputados. A bancada evangélica é umas das maiores entusiastas Em 2016, o Ministério Público Federal emitiu parecer em que avaliou a iniciativa como inconstitucional, o que pode dificultar agora sua aprovação. Em 2017, o STF suspendeu uma lei sobre o mesmo tema em Alagoas. A AGU (Advocacia-Geral da União) e associações de professores também são contra o projeto. Para as entidades, ele fere a liberdade de expressão e a pluralidade de ideias no ambiente escolar, entre outros pontos. Mendonça Filho (DEM), ex-ministro da Educação de Temer e cotado para reassumir a pasta no governo Bolsonaro, já declarou em entrevista que a questão não será resolvida por meio da legislação.

  • Saúde: Mudar o programa Mais Médicos

    O documento da campanha de Bolsonaro entregue ao TSE afirma, sobre o Mais Médicos, que "nossos irmãos cubanos serão libertados. Suas famílias poderão imigrar para o Brasil. Caso sejam aprovados no Revalida, passarão a receber integralmente o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba!". A intenção é que permaneçam no programa somente os profissionais que conseguirem a revalidação dos diplomas no Brasil. Atualmente, o salário dos médicos é pago por meio de convênio com a Organização Pan-Americana de Saúde ao governo de Cuba. Os profissionais recebem uma parcela do dispendido pelo governo brasileiro. Bolsonaro defende que o pagamento seja feito de forma direta e integral aos médicos cubanos e que suas famílias possam morar no Brasil. A intenção esbarra no apoio de parte da população ao programa e na dependência de municípios para suprir a cobertura médica na rede pública de saúde. Outra questão seria a diplomática. Não é mais necessária autorização do governo cubano para seus cidadãos viajarem, porém, a população se vê restrita por fatores político-econômicos. Na prática, uma migração desse porte também teria de ter a anuência do país caribenho.

  • Administração: reduzir número de ministérios

    Bolsonaro diz querer reduzir a quantidade de ministérios dos atuais 29 para 15. Serão fundidas as pastas da Fazenda e do Planejamento, que seriam transformadas no Ministério da Economia. Inicialmente, Bolsonaro também cogitou integrar a pasta da Indústria a eles, porém, após pedidos de representantes do setor, voltou atrás. Outros ministérios que devem ser fundidos são Educação, Cultura e Esporte; e Cidades, Desenvolvimento Social com o de Integração Nacional. Uma quarta possibilidade aventada é juntar a Agricultura com Meio Ambiente. Pastas abrigadas no Palácio do Planalto também perderiam o status. São elas a Casa Civil, Secretaria de Governo, Secretaria Geral e Gabinete de Segurança Institucional. Com a iniciativa, cargos comissionados deverão ser enxugados e custos, reduzidos. No entanto, a depender da configuração da Esplanada, os efeitos práticos podem não ser tão impactantes, pois a estrutura governamental para as áreas não pode simplesmente ser extinta. Por exemplo, o presidente da República e autoridades da alta cúpula continuarão precisando de esquemas especiais de segurança, hoje responsabilidade do GSI. Ainda que o chefe não tenha mais prerrogativa de ministro, toda a estrutura da pasta deve continuar a existir. O mesmo se aplica, em maior ou menor grau, às demais pastas. Para uma reforma administrativa, o atual presidente, Michel Temer, lançou mão de medidas provisórias. Elas têm efeito imediato, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias após a publicação no Diário Oficial da União. Caso contrário, as mudanças são desfeitas e se volta à forma original. Bolsonaro deverá usar do mesmo expediente e, para tanto, dependerá do apoio dos parlamentares. Grupos ligados aos setores afetados também podem ajudar ou atrapalhar os planos. Um exemplo recente foi quando Temer teve de recuar de transformar a pasta da Cultura em uma secretaria após protestos da classe artística.

  • Economia: privatizar estatais

    O plano econômico inclui extinguir e privatizar ao menos 50 estatais para diminuir o tamanho do Estado, os desvios de recursos e buscar o equilíbrio das contas públicas. Não há, no entanto, detalhamentos de quais seriam atingidas e a dimensão da medida. De acordo com declarações feitas pelo presidente eleito, Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e estatais do setor energético continuariam intactos. Quanto ao BNDES, defende que deve "retornar à centralidade em um processo de desestatização mais ágil e robusto, atuando como um 'Banco de Investimentos' da União e garantindo que alcancemos o máximo de valor pelos ativos públicos". "Desmobilização de ativos públicos, com o correspondente resgate da dívida mobiliária federal. Estimamos reduzir em 20% o volume da dívida por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições financeiras oficiais que hoje são utilizados sem um benefício claro à população brasileira. Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas", está escrito no documento entregue ao TSE. Entre possíveis resistências a serem encontradas para as privatizações deverão estar parte da opinião pública, funcionários das empresas a serem afetadas, políticos com influência nelas e, claro, integrantes do próprio mercado a depender do rumo das negociações. As propostas teriam ainda de ter o aval do Congresso Nacional. Outro ponto a ser considerado é o quanto Bolsonaro realmente estará disposto a encampar o discurso antiestatal defendido por seu guru econômico e futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro construiu a carreira com base em forte nacionalismo advindo da escola militar e contra o que chama de exploração estrangeira no Brasil, com destaque para os chineses. No plano de governo, a campanha de Bolsonaro disse que "algumas dificuldades políticas que poderiam surgir durante o processo de privatizações poderão ser contornadas, com bem desenhadas 'golden shares', garantidoras da soberania nacional".

Propostas têm caminho difícil pelo Legislativo

Boa parte das propostas de Bolsonaro depende do apoio do Congresso Nacional para sair do papel, como a revisão do Estatuto do Desarmamento e a redução da maioridade penal.

Mudanças apresentadas por meio de PEC (Proposta de Emenda à Constituição) precisam da aprovação em plenário de pelo menos três quintos dos deputados (308) e senadores (49) em dois turnos de votação. Alterações por meio de projeto de lei complementar demandam o aval da maioria absoluta das duas Casas: 41 senadores e 257 deputados.

As bancadas evangélica, ruralista e da bala declararam apoio a Bolsonaro no segundo turno eleitoral. Na atual configuração do parlamento, somam ao menos 260 parlamentares, mas o grupo do presidente eleito acredita contar hoje com aproximadamente 310 deputados. Formalmente, apenas Podemos, PSC e PTB, além do próprio PSL, declararam apoio ao novo presidente.

Veja abaixo quais partidos declararam oficialmente apoio a Bolsonaro no Congresso e quais já prometem ser oposição.

Os apoios de Bolsonaro no novo Congresso Nacional

Arte/UOL

Quem são os nomes confirmados no ministério

  • General Augusto Heleno (Defesa)

    O general curitibano e Jair Bolsonaro se conheceram na Academia Militar das Agulhas Negras na década de 1970. Desde então, Heleno se tornou uma das pessoas em quem o presidente eleito mais confia. Em julho, ele foi cotado para ser candidato a vice, seu partido, o PRP, vetou. O general quatro estrelas da reserva - patente mais alta - continuou então atuando no núcleo técnico da campanha. Em 2004, comandou a missão de paz da ONU no Haiti, que teve como um dos focos a desmobilização de gangues e rebeldes. A empreitada foi considerada bem-sucedida. De volta ao Brasil, em 2008 divergiu publicamente do então presidente Lula sobre a demarcação de terras indígenas. Terminou a carreira no Departamento de Ciência e Tecnologia, área estratégica para o Exército, mas bem distante de seu perfil de comandante de tropas em terreno. No dia em que foi para a reserva, em 2011, defendeu o golpe militar de 1964 e disse que a ação foi necessária para evitar o comunismo no Brasil. Neste ano, defendeu que as Forças Armadas em missão de Garantia da Lei e da Ordem no Rio deveriam ter autorização para atirar em criminosos à distância, caso fossem vistos portando armas.

    Imagem: Sergio Lima/Folhapress
  • Onyx Lorenzoni (Casa Civil)

    Médico veterinário e deputado há quatro mandatos, o parlamentar gaúcho do DEM pelo faz parte do núcleo duro da campanha, acompanhando Bolsonaro em eventos e articulando alianças no Congresso. Na Câmara, em 2016, Lorenzoni foi relator do projeto denominado 10 medidas contra a corrupção. Após pressão de parlamentares, ele retirou pontos de seu parecer e o texto ficou aquém do esperado por parte do Ministério Público. Meses depois, Lorenzoni confirmou ter recebido R$ 100 mil por meio de caixa 2 do frigorífico JBS, de propriedade de Joesley Batista. O dinheiro ilegal foi revelado na delação que ajudou a embasar denúncia da PGR contra Michel Temer. Ao assumir a Casa Civil, o deputado terá pela frente o senador Renan Calheiros (MDB-AL), cotado à Presidência do Senado, com quem já bateu boca. Na época do pacote anticorrupção, Renan insinuou que Onyx havia recebido caixa 2 da indústria de armas e disse que seu nome era de marca de chuveiros. Em resposta, o braço direito do capitão o chamou de bandido. Em entrevista ao O Globo em 18 de outubro, prometeu extinguir 25 mil cargos comissionados no primeiro dia de governo, mas, ao ser informado de que há atualmente 23 mil, ajustou a tesoura para 20 mil.

    Imagem: Luis Macedo/Agência Câmara
  • Paulo Guedes (Economia)

    Apelidado de "posto Ipiranga" por Bolsonaro em referência à propaganda de rede de combustíveis em que se resolveria tudo, o carioca é a referência do PSL na economia. Doutor pela Universidade de Chicago, Paulo Guedes é fundador do banco Pactual e construiu a carreira no mercado financeiro. A Justiça aponta Guedes como um dos beneficiários de fraude que causou prejuízos ao fundo de pensão dos funcionários do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ele não é réu no processo. Em 1989, Guedes colaborou com a elaboração do plano de governo do então presidenciável Afif Domingos (PL). Com Bolsonaro, o economista, que também participou de conselhos de administração e foi professor, defende privatizar estatais para abater a dívida pública e mudanças no sistema tributário, como a criação de um imposto nos moldes da extinta CPMF e a unificação de parte de alíquotas do Imposto de Renda para pessoas físicas. Após algumas polêmicas, Bolsonaro pediu que o assessor minimizasse aparições públicas.

    Imagem: Daniel Ramalho/AFP

Faixa-preta

Eu espero, a partir do ano que vem, como presidente da República e como chefe supremo das Forças Armadas, dar um ippon na corrupção, na violência e na ideologia

Jair Bolsonaro, ao receber faixa preta do lutador Robson Carlos Gracie

Com quem Bolsonaro se aliou e quanto gastou na campanha

Arte/UOL
Nelson Antoine - 26.set.2018/UOL Nelson Antoine - 26.set.2018/UOL

E assim foi o segundo turno que elegeu Bolsonaro

Euforia no mercado. Dia 8 de outubro, segunda – Os mercados financeiros ficam eufóricos com a vitória expressiva de Bolsonaro no primeiro turno. O dólar cai e a Bolsa sobe

Mea-culpa petista. Dia 8, segunda – Parte do PT pede autocrítica para ter ao menos uma chance de vitória. Reeleito no Ceará, o governador Camilo Santana pede mea-culpa do PT e pede Haddad não fique dependente de Lula

Violência. Dia 8, segunda – A violência continua no segundo turno. Um militante do PT foi morto por bolsonaristas na Bahia. Bolsonaro diz que não pode controlar apoiadores e que há “casos isolados”.

Crise tucana. Dia 9, terça – Rachado e em crise, PSDB declara neutralidade no segundo turno. Alckmin e outros tucanos insinuam que João Doria é “traidor” e “falso”

Mourão calado. Dia 9, terça – O general Hamilton Mourão “desparece” do segundo turno e não dá mais declarações. Bolsonaro diz ao vivo no Jornal Nacional que o vice deu “canelada” ao defender autogolpe e mudança na Constituição

Fogo amigo. Dia 15, segunda – Irmão de Ciro Gomes (PDT), Cid Gomes ataca o PT e esvazia frente democrática tentada por Haddad

Mais violência. Dia 16, terça – O clima eleitoral gerou seis violações a direitos por dia, incluindo agressões físicas, durante o mês de outubro, segundo o Ministério dos Direitos Humanos

Apoio racista. Dia 16, terça – Bolsonaro recebe o apoio indigesto de um líder da organização Ku Klux Klan: “Ele soa como nós. É um candidato nacionalista”, disse David Duke. O presidente eleito rejeitou o apoio

Campanha pelas redes. Dia 16, terça – Com Bolsonaro fora dos debates e saindo pouco às ruas, a campanha é feita por “lives” no Facebook. Por causa disso, Haddad provocou o adversário e eles bateram boca pelo Twitter

Zapgate. 18, quinta-feira – Folha de S.Paulo revela que empresas compraram pacotes de disparos de WhatsApp contra Haddad (PT), o que é ilegal. Duas investigações são abertas no Tribunal Superior Eleitoral 

Sem debates. 18, quinta – Um dos líderes da campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebbiano, confirma que ele não vai a debate algum no segundo turno. O capitão o primeiro presidente eleito a se negar a debater propostas ao vivo com outros candidatos na reta final da campanha

Negócio ilegal. Dia 20, sábado – Documento confirma oferta ilegal de mensagens por WhatsApp na eleição 

Ataques à imprensa. Dia 21, domingo – Bolsonaro diz a militantes que a Folha “é a maior fake news do Brasil” por causa da revelação do esquema de distribuição de WhatsApp.

Opositores na mira. Dia 21, domingo – Bolsonaro faz vídeo exibido em manifestação em seu favor em São Paulo em que diz que, em seu governo, ou o PT vai para fora do país ou vai para a cadeia: “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria". Um dia depois, Bolsonaro afirmou que aceitava a oposição

STF sob ataque. Dia 21, domingo – Vídeo de junho mostra deputado e filho de Bolsonaro que basta “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo Tribunal Federal se a candidatura dele for barrada por um eventual caixa 2. Ministros do STF reagem duramente à declaração como “ataque à democracia” 

Apoio verde. Dia 22, segunda – 14 dias depois do início do segundo turno, Marina Silva declara voto crítico em Haddad para evitar Bolsonaro

Recuo no ataque. Dia 22, segunda – Jair Bolsonaro escreve uma carta ao decano do Supremo, ministro Celso de Mello, afirmando que todos devem “prestigiar a corte” 

Frente democrática patina. Dia 23, terça-feira – Ativistas insistem em montar frente democrática ampla contra Bolsonaro e em torno do nome de Haddad. Apelam ao ex-presidente  FHC e ao ex-ministro do STF Joaquim Barbosa 

Caixa 2. Dia 23, terça – Aumentam as suspeitas de caixa 2 na campanha de Bolsonaro. Empresários bolsonaristas  só registram doações a outros candidatos

Contas atrasadas. Dia 24, quarta – Sob suspeita de caixa 2, a campanha de Bolsonaro atrasa a entrega de prestação de contas

Ameaças. Dia 24, quarta – Folha pede que Polícia Federal investigue ameaças a repórter que produziram reportagens sobre o caso do WhatsApp. Jornalistas foram alvo e 137 casos de violência por causa das eleições

Despedida da campanha. Dia 27, sábado – No último dia de campanha, os candidatos à Presidência apostaram em transmissões feitas em redes sociais para conversar com o eleitor. O pesselista permaneceu em casa e, em vídeo ao vivo, se disse um "escravo da Constituição". Já o petista, além da transmissão com celebridades, teve também uma agenda de rua: uma caminhada por Heliópolis, favela de São Paulo.

Perfil demográfico do eleitor de Bolsonaro

O eleitorado de Bolsonaro, segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem, é de maioria masculina: 55% dos entrevistados homens declararam voto no pesselista, contra 42% das mulheres.

O capitão tem melhor desempenho nas faixas de 25 a 34 anos e de 35 a 44 anos: 49% dos eleitores.

No quesito escolaridade, 55% de seus eleitores têm ensino superior e 51% têm ensino médio.

No país, Bolsonaro tinha melhor desempenho na região Centro-Oeste, com 59% de intenções de voto, seguida pelo Sul, com 57%.

Na faixa de 5 a 10 salários mínimos, Bolsonaro tinha 63% de intenções de voto, e 62% na faixa que recebe mais de 10 salários mínimos mensais.

A pesquisa entrevistou 18.371 eleitores em 340 municípios nos últimos dias 26 e 27 de outubro, e tem margem de erro de 2 pontos percentuais.

Eles foram às ruas por Bolsonaro

Arte/UOL

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