Mais global, menos aldeia

O aumento do sentimento antiglobalização pede reformulação

Lawrence H. Summers
Amanda Mustard/ The New York Times

Este artigo faz parte do especial Ano em transformações do "The New York Times News Service & Syndicate" que o UOL publica exclusivamente no Brasil. Ao final desta página você encontrará outros artigos relacionados a esse especial.

Se forem impostas mais barreiras comerciais e a globalização desacelerar, todos os países saem perdendo.

Em termos estatísticos, 2016 foi de continuidade para a economia mundial, cujo desempenho foi semelhante aos dos últimos anos. As grandes mudanças foram políticas, com o amplo movimento antiglobalização sinalizando uma ruptura no consenso que a maioria dos líderes mantinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

No geral, acreditava-se que a redução das barreiras comerciais aumentava a prosperidade e promovia a paz, beneficiando tanto os países investidores como os que recebiam o investimento, estimulando uma cooperação internacional na solução de problemas ao redor do mundo. Quase tudo isso foi questionado em 2016.

Os dois principais candidatos à presidência dos EUA se mostraram visceralmente contra a Parceria Transpacífico, com o republicano Donald Trump inclusive sugerindo acabar com os tratados já existentes, como o Nafta. Do outro lado do Atlântico, os eleitores britânicos optaram por sair da União Europeia enquanto o Partido Conservador, de situação, questionou os direitos dos trabalhadores estrangeiros e o presidente do Partido Trabalhista, assumindo o socialismo, se mostrou cético em relação à participação do Reino Unido na Otan.

Um acordo entre a UE e o inofensivo Canadá quase foi por água abaixo por causa da obstinação de uma província belga, preocupada com os efeitos da globalização sobre os trabalhadores locais. Os movimentos hostis à possibilidade de uma Europa ainda mais unida em longo prazo ganharam força em todos os países mais representativos.

A resistência à globalização não ficou confinada ao Ocidente, nem ao mundo industrializado: líderes como Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, Vladimir Putin, da Rússia, Xi Jinping, da China, e Narendra Modi, da Índia, apelam para o orgulho nacional, os valores tradicionais e a força, cada um colocando uma ênfase desconfortável em sua variante de pureza étnica. Nos quatro casos, qualquer interesse nos valores universais de abertura ou direitos humanos é totalmente secundário em relação à reafirmação da força nacional.

Esse ressurgimento do nacionalismo e a resistência à globalização parecem ser universais, e não só prerrogativa exclusiva da esquerda ou da direita. E parecem também derivar de um senso profundo, de parte de muitos grupos, de que suas vidas estão à mercê de forças além de seu controle.

Conforme a distância entre as pessoas aumenta em termos geográficos, no aspecto cultural e no da falta de uma identidade comum, eles perdem a confiança na capacidade de seus líderes de protegê-los. A insegurança passou a gerar atavismo.

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Essas tendências representam perigo. Apesar de todos os problemas e desafios, os últimos 70 anos foram um período de progresso sem precedentes em termos de emancipação humana, prosperidade, expectativa de vida e redução da violência. E tudo isso pode estar em risco.

Precisamos redirecionar o diálogo da economia global para a promoção do "nacionalismo responsável" e não para a integração internacional, para seu próprio bem. Um clássico exemplo de iniciativa errônea é a iniciativa de promover um tratado de investimento bilateral entre os EUA e a China.

Mesmo que tal acordo seja negociado, o que é pouco provável, seu efeito seria substituir uma redução na capacidade norte-americana de controlar o comportamento das empresas chinesas em seu território por uma segurança maior para as multinacionais que alocarem instalações ou investirem na China. Do ponto de vista do típico eleitor norte-americano de classe média, o país sempre sairá perdendo.

Para permitir que a comunidade internacional se engaje nesse diálogo é essencial que haja cooperação global, com o foco da diplomacia econômica em medidas de aumentem o alcance das políticas que os governos podem implantar para dar apoio aos trabalhadores da classe média.

Quando os países aliados se reuniram, em 1944, em Bretton Woods para negociar as regras e procedimentos de um novo sistema monetário internacional, o economista John Maynard Keynes reconheceu que uma economia global teria uma tendência sistemática à contração se os países que fizerem grandes empréstimos forem forçados a cortar gastos e, ao mesmo tempo, nenhuma pressão for exercida às nações que estiverem gerando grandes lucros.

Issei Kato/ Reuters Issei Kato/ Reuters

Embora EUA, União Europeia e Japão tenham continuado a crescer economicamente em 2016, o fizeram a taxas que seriam consideradas inaceitavelmente baixas há uma década. Nessas três economias, a inflação permaneceu abaixo da meta de 2% que os bancos centrais pretendiam e os indicadores do mercado sugerem que vá continuar assim na próxima década.

E a maioria das taxas de juros perpetuou a tendência de queda, refletindo tanto uma expectativa de redução da inflação como um alto nível de poupança resultante de investimentos.

Essa e outras estatísticas indicam que basta aos EUA e à Europa um choque recessivo para também ficarem presos na armadilha deflacionária. O Japão está enrolado nela há mais de uma década, com a expectativa de que os preços baixos levem o consumidor a adiar os gastos e guardar o dinheiro. Garantir o nível adequado de pressão para gerar estímulo tem que ser prioridade do G-20 como precaução contra a deflação.

Dadas as centenas de bilhões de dólares perdidos anualmente devido à isenção fiscal, os ganhos advindos de uma iniciativa global de impedir que a renda de capital fuja à taxação são, no mínimo, comparáveis aos dos acordos comerciais altamente polêmicos. E tais medidas proporcionariam maior apoio à classe média.

Kazuhiro Nogi / AFP Kazuhiro Nogi / AFP

De uns anos para cá também começamos a nivelar por baixo aspectos como padrões trabalhistas, proteções ambientais e requisitos de capitais para bancos. As empresas se esquivam de regras mais rígidas simplesmente mudando-se para outro lugar, acabando com as aspirações nacionais de melhorias nesses aspectos. O remédio é o diálogo internacional direcionado ao estabelecimento de padrões mínimos e abordagens harmoniosas universais.

Por fim, cercas, muros e barreiras não constituem um método eficaz de repelir um fluxo indesejado de pessoas. A única solução de longo prazo para o êxodo de refugiados sem precedentes virá da criação de condições que permitam às pessoas fazerem o que certamente prefeririam fazer, ou seja, ficar onde estão. O ganho final do apoio aos países-fonte é muito maior do que o de qualquer nação que limite o apoio aos refugiados dentro de suas fronteiras.

Os eventos de 2016 serão lembrados como o ponto no qual começamos a nos afastar da globalização ou aquele em que as estratégias de globalização começaram a ser reorientadas, afastando-se das elites rumo aos interesses das massas. Ao fazermos nossas opções ao longo dos próximos anos, não podemos nos esquecer de que há muita coisa em jogo.

Frank White Frank White

Lawrence H. Summers é professor da Universidade Charles W. Eliot e presidente emérito da Universidade de Harvard. Foi o principal economista do Banco Mundial de 1991 a 1993, secretário do Tesouro de 1999 a 2001 e diretor do Conselho Econômico Nacional de 2009 a 2010.

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