
Ícone da TV brasileira, reconhecido até hoje por sua voz, Cid Moreira, ou Cidão, como é conhecido pelos amigos, chegou aos 90 anos sem planos de se aposentar. Ainda contratado da Globo, diz não sentir falta da bancada do "Jornal Nacional" e que sua verdadeira missão é narrar a Bíblia, atividade que começou no final dos anos 90.
Não tenho saudade nenhuma porque hoje, na altura dos meus 90 anos, eu vivo uma fase que considero mais gloriosa: eu invisto em mim levando a palavra de Deus sempre que eu posso. É uma missão que vou cumprir até o último dia da minha vida.
Com mais de 60 milhões de cópias de suas leituras da Bíblia vendidas, o apresentador ainda empresta sua voz para narrações no "Fantástico", estreou recentemente na publicidade --após ser liberado pela emissora--, faz sucesso com o seu Canal da Bíblia no YouTube e realiza palestras pelo país. Incansável, se prepara para seu próximo projeto: narrar poemas de domínio público.
A reportagem do UOL passou um dia ao lado do jornalista na clínica Cevisa, em Campinas (SP), onde estava hospedado para a realização de um check-up e o tratamento de uma dor na coluna. Ele estava acompanhado da mulher, a jornalista Fátima Moreira, com quem se relaciona há 16 anos.
Com uma memória prodigiosa, ele relembrou os 27 anos como âncora do "JN", o dia que tentou "subornar" um diretor da Globo para fazer um comercial com cachê de 1 milhão, a recusa de R$ 2 milhões para fazer propaganda de carne ao lado de Fátima Bernardes e a aplicação de silicone líquido no rosto que quase resultou na perda da visão.
O locutor, como gosta de se definir, fala ainda o que pensa sobre a morte, declara o seu amor à companheira, e garante que a vida sexual "vai muito bem, obrigado".
Cid só perde o bom humor quando é questionado sobre o relacionamento com os dois filhos, de casamentos anteriores. Um deles o processou em 2008 por danos morais, alegando falta de afeto e pedindo indenização de R$ 1 milhão.
Cid Moreira sempre foi um profissional bastante requisitado por agências de propaganda. Nos anos 1960, por exemplo, de cada 10 anúncios no horário nobre da TV pelo menos 8 tinham a voz inconfundível do locutor.
De olho nesta popularidade, a Colgate enviou um representante dos Estados Unidos para contratar a principal voz do mercado local. O problema é que, àquela altura, em 1969, a Globo já havia divulgado a regra interna proibindo seus jornalistas em propagandas. Mas a empresa não desistiu e ofereceu uma quantia muito grande para a época: 1 milhão na moeda nacional.
Eu tentei subornar a direção oferecendo 10%. Armando Nogueira, diretor de jornalismo que era muito amigo meu, disse 'Não. Você vai ter que escolher'. Aumentei [o valor] para 20%, mas não adiantou. Então pensei, pensei, e resolvi ficar no jornalismo.
Liberado da regra pela Globo só recentemente, Cid conta que foi abordado pelo grupo JBS. A proposta, desta vez, era estrelar comerciais de carne ao lado de Fátima Bernardes. O cachê era ainda mais tentador: R$ 2 milhões. Sem entrar no mérito das investigações à empresa, alvo de cinco operações da Polícia Federal, o apresentador afirma ter recusado a proposta sem arrependimentos por ser vegetariano. "Tenho princípios".
"Botaram um plástico em um dos holofotes e, com o calor, aquilo começou a pegar fogo. O jornal estava no ar, eu e o [Sérgio] Chapelin na bancada. O fogo gerou fumaça e a gente não sabia se continuava. Depois, colocaram o slide do 'JN' e fomos para os comerciais."
Imagem: Reprodução/Globo/CEDOC"Foi num sábado de Carnaval. Eu estava descendo a serra e, por causa de um temporal, caíram árvores. Vim por Teresópolis e, por isso, perdi muito tempo. Cheguei em cima da hora. Faltavam cinco minutos e o Léo Batista já estava sentado na bancada. Eu tinha camisa, gravata e paletó. Como era só da cintura para cima, botei e sentei. De vez em quando, ainda tenho pesadelos [com o episódio]."
Imagem: FSP-TV.Folha"Espantei [a mosca] com a mão durante a apresentação. Por causa disso, foi proibido comer lanche dentro do estúdio. Dava até demissão neste caso. As pessoas comiam na redação e isso atraía moscas."
Imagem: Reprodução / YouTubeÀ frente do telejornal de maior audiência do país por quase três décadas, Cid Moreira era a voz oficial da Globo no período mais difícil da história recente do Brasil, a ditadura militar (1964 - 1985). A emissora foi acusada de ter apoiado o regime --em 2013, o grupo admitiu o apoio por meio de um editorial e fez um mea culpa.
Sobre o tema, o apresentador é econômico nas palavras e minimiza seu papel como âncora mais longevo da emissora. "Sobre isso aí eu não falo, mesmo porque eu não era editor do jornal. Eu era apresentador. Ia para a Redação apenas para apresentar e ler. Então, não tenho responsabilidade nenhuma".
Mesmo definindo-se como "apolítico", Cid revela o convite que recebeu para concorrer a uma das cadeiras do Senado. Sem identificar o partido, conta que recusou logo em seguida.
Eu sou apolítico, não gosto de política. Fui convidado para ser senador. Acho que [o sujeito] estava de porre, não tenho jeito para isso, não é a minha praia.
Incomodado com o assunto, ele arrisca dizer que a falta de "patriotismo ao brasileiro" é a causa da atual crise política. "O que está faltando [ao brasileiro] é amor à pátria. Se todo o mundo amasse a pátria, amasse o Brasil, então o país seria uma potência e a crise política de hoje não existiria. Onde há ordem, há progresso”.
A reportagem lembra a ele que Valéria Monteiro, sua colega na bancada do "JN" nos anos 1990, quer se candidatar à presidência da República. "Eu acho uma maravilha. O Luciano Huck parece que desistiu. Mas se eles acham que são capazes é um problema deles", desconversa.
Além da voz grave e singular, a boa pinta e os holofotes da bancada fizeram de Cidão um homem muito assediado, principalmente nos anos 1970 e 1980. "Na época, fui considerado um dos dez mais [bonitos da TV], mas isso nunca me contaminou".
Ele lembra ter recusado papéis no cinema --em que atuou como narrador e dublador-- e na televisão. "Fui substituído pelo Adriano Reis, um dos galãs da época", conta, orgulhoso. Mesmo sem admitir ser um homem vaidoso, é traído pelas próprias palavras. "Está bagunçando o meu cabelo", reclama ele para a mulher, Fátima, que tenta arrumar a cabeleira branca para a gravação.
Nos anos 1970, um amigo aconselhou o apresentador a realizar a aplicação de silicone líquido para atenuar uma ruga na testa e, assim, deixá-lo com uma expressão mais simpática no ar. Seria, ele afirma, sua primeira e única intervenção estética.
Cid seguiu o conselho, mas o resultado não foi muito bem o que imaginava. Após a aplicação, o silicone escorreu pelo rosto e quase o levou à perda da visão.
"O produto começou a descer e criou uma 'bola'. Batia e doía. Fui obrigado a corrigir com vários cirurgiões", relembra.
Soube depois que se não tivesse corrigido, o globo ocular poderia ser 'travado'. Já pensou? O silicone foi uma bobagem.
Em 1999, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que proíbe o uso do silicone líquido no organismo humano. O seu uso pode provocar lesões em várias partes do corpo e levar à cegueira.
Cid Moreira casou-se quatro vezes e teve três filhos: uma menina e dois meninos --um deles, adotivo. A menina morreu cedo, e os outros dois mantêm pouco contato com o pai atualmente.
O filho mais velho o processou em 2008 por danos morais, alegando falta de afeto e pedindo indenização de R$ 1 milhão. O apresentador ganhou o processo, mas os dois nunca mais tiveram contato.
Falar sobre o episódio é o único momento da entrevista que o tira do sério. "Prefiro não tocar [no assunto]. É uma fase que eu deixei para trás. Sempre existiu [o carinho entre pai e filho]. Mas, como eu disse, sou um homem de fases". E lamenta:
A fase passou, fracassou. Houve várias tentativas, que não deram certo.
Cid Moreira e a atual mulher, a jornalista Fátima Sampaio Moreira, estão juntos há 16 anos. Os dois se conheceram durante uma entrevista que ela fez com ele para a revista "Caras", em 2001.
O locutor conta que sentia-se solitário após dois anos solteiro e havia pedido em suas orações uma nova namorada depois de três casamentos desfeitos. "Eu tinha pedido a Deus uma companheira e senti pela vibração que seria ela. Fátima foi um presente de Deus", derrete-se.
Sem hesitação, Cid diz, sorridente, que "a vida sexual vai bem, obrigado".
Não uso nada desses Viagras da vida. É preciso que tenha uma atração. Me apaixonei e continuo apaixonado. Está tudo em dia.
Sempre ao lado do companheiro, Fátima, que é 36 anos mais jovem, diz nunca ter dado bola para a diferença de idade. Mas relata já ter sofrido preconceito ao lado de Cid.
"Um rapaz do Detran pegou os documentos e me perguntou se eu era filha dele. Eu disse: 'Não, sou a esposa'. Esperei na fila para pegar o documento e, no final, ele me abordou de novo e perguntou: 'Como você teve coragem de casar com aquele velho?' Fiquei chocada", relembra.
"É um ótimo profissional. Um dia eu falei para ele: 'Eu estou no Guiness Book, com 25 anos na bancada, e você tem tudo para bater o meu recorde'. Daí ele falou: 'Não me deseje esse mal'".
Imagem: Reprodução/TV Globo"Uma ótima pessoa. É minha amiga, desde o começo. Quando fui para a Globo era ela bem novinha"
Imagem: Divulgação"Trabalhamos juntos e, durante um período muito grande, eu anunciava onde ele ia se apresentar. Nós éramos muito amigos."
Imagem: Bandnews"Eu não tenho medo da morte, não. De jeito nenhum. Quando Ele quiser, espero eu, não sendo pretensioso, mas quero estar nos braços Dele"
Edição: Amauri Arrais | Edição de imagens: Marcio Komesu | Imagens: Rodrigo Souto | Reportagem: Gilvan Marques